Alto endividamento e renovação recente de eletrodomésticos limitam alcance de redução de imposto neste ano
Para especialista, medidas terão efeito pontual no Natal e início de 2012 deve ser mais fraco no varejo
Os varejistas apostam na redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) da linha branca para vender mais neste ano, mas os consumidores estão reticentes em fazer novas compras, segundo os lojistas.
No último final de semana, o primeiro após o pagamento do 13º salário e da redução no IPI, o movimento das lojas de eletrodomésticos foi alto, mas as vendas efetivadas decepcionaram os lojistas.
Entre os motivos apontados pelos especialistas em varejo, estão o alto endividamento do consumidor, que consome parte importante da renda, a inadimplência crescente e o ciclo recente de renovação dos eletrodomésticos -quem trocou geladeira e fogão na promoção de 2008 não precisa fazer isso agora.
Para Luís Augusto Ildefonso da Silva, diretor da Alshop (Associação Brasileira de Lojistas de Shopping), é cedo para dizer que o IPI menor "não pegou" neste ano, diferentemente do que ocorreu em 2008, pois foi o primeiro final de semana de dezembro.
"É difícil comparar 2008 com 2011. Naquele ano, tinha muito mais gente disposta a trocar geladeira, máquina de lavar e televisão do que tem hoje. O fogão comprado em 2008 está bom até hoje. O volume dessa procura é menor do que foi em 2008. O que pode acelerar essa procura é que o prazo é menor: acaba em 31 de março", disse.
Segundo o diretor do Alshop, a compra de eletrodomésticos decorre de uma decisão "muito pensada" e envolve pesquisa.
COMPRA PENSADA
"O consumidor que está no shopping passa nas Casas Bahia, nas Pernambucanas, no Ponto Frio, no Magazine Luiza, no Extra, no Fastshop. Ele vai ver os centavos de diferença de um para outro porque cada loja faz promoção de acordo com o estoque. Tem pesquisa, é uma compra estudada, detalhada, porque tem valor alto", disse.
Para Claudio Felisoni, coordenador do Provar (Programa de Administração de Varejo), as vendas no varejo tiveram uma nítida desaceleração ao longo do segundo semestre deste ano por conta do alto comprometimento da renda do brasileiro.
Felisoni lembra que em outubro deste ano o consumidor tinha só 13% de sua renda disponível para compras, após pagamentos de dívidas e gastos com habitação, transporte e alimentação. Em outubro do ano passado, "sobrava" mais: 16%.
Daí a necessidade, segundo ele, de o varejo adotar medidas pontuais de estímulo, como a recém-criada promoção da "Black Friday", tradicional dia de descontos pós-feriado de Ação de Graças nos EUA, e agora o IPI menor.
"Tenho minhas dúvidas sobre a eficácia dessas medidas, que devem mexer mais com o Natal. O começo de 2012 será complicado."
Impacto será mais modesto do que no Natal de 2009 e 2010
No final da semana passada, o governo anunciou um conjunto de medidas de desoneração tributária para tentar estimular o consumo.
Essas medidas vieram se somar às reduções da taxa de juros determinadas pelo BC desde o final de agosto, à reversão parcial de algumas das medidas macroprudenciais anunciadas em dezembro de 2010 e à autorização, concedida pelo Tesouro Nacional, para que alguns Estados elevem seu endividamento (ou seja, suas despesas de investimento) em R$ 37 bilhões em 2012-13.
Sem dúvida, tais medidas são bastante oportunas, uma vez que a economia brasileira praticamente não cresceu no 3º trimestre e ensaia uma expansão bastante modesta neste último trimestre de 2011, devendo fechar o ano com crescimento um pouco abaixo de 3%.
Ademais, vários setores da economia operam hoje com estoques bastante acima dos níveis desejados.
E o mês do Natal, no qual as vendas do comércio costumam ser quase 30% superiores à média dos demais meses do ano (diferença que se eleva a quase 70% no caso das vendas de duráveis), é um bom momento para acelerar esse ajuste de inventários, buscando reduzir a possibilidade de uma "herança maldita" muito significativa para a atividade industrial no começo de 2012.
Mas a pergunta natural que emerge é se essas medidas surtirão algum efeito e se ele será tempestivo.
Há uma série de fatores que levam a avaliar que os efeitos deverão ser positivos, mas bem menos significativos do que os das medidas adotadas na virada de 2008 para 2009.
Em primeiro lugar, hoje o nível de comprometimento de renda do consumidor com o pagamento de dívidas junto aos bancos é bem mais elevado do que há dois anos.
Em segundo lugar, os bancos -em um ambiente de contínua elevação da inadimplência desde o final de 2010 e de aumento da incerteza macroeconômica global de julho para cá- estão ficando mais seletivos na concessão de crédito.
Isso é percebido pelo recente movimento de alta dos "spreads" bancários, além de ter sido captado pela pesquisa qualitativa de crédito que o BC realiza trimestralmente.
Em terceiro lugar, muitas pessoas que adquiriram bens da linha branca desde 2009 provavelmente não vão trocá-los novamente nos próximos meses.
Nesse quadro, o Natal de 2011, apesar desse presente dado pelo governo, ainda deverá ser caracterizado por uma cautela acima do normal por parte dos consumidores (bastante endividados) e dos bancos.
Isso não quer dizer que o desempenho do varejo será ruim, mas apenas que as taxas de crescimento certamente ficarão distantes dos números observados em 2009 e em 2010.
Veículo: Folha de S.Paulo