Em casa, 3D não cumpre promessa

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"Avatar", o filme de maior bilheteria da história, parecia o prenúncio de uma nova revolução na mídia ao apresentar uma técnica 3D que impressionou o público e superou a má impressão deixada pelas técnicas rudimentares dos anos 60. Fabricantes de eletrônicos - de notebooks e TVs a câmeras, filmadoras, smartphones e equipamentos de Blu-ray - correram para apresentar produtos compatíveis, mas o movimento não aconteceu. Por enquanto, o sucesso do 3D parece restrito às salas de cinema.

Um levantamento feito pela consultoria GfK Retail and Technology entre varejistas indica que as vendas de smart TVs (televisores com acesso à internet) já representavam 20% do mercado de televisores no país, até outubro, enquanto as TVs 3D respondiam por 5% do mercado total. As duas tecnologias foram lançadas na mesma época.

Essa recepção morna deve-se a uma espécie de círculo vicioso. Os fabricantes dizem que a falta de programação 3D desencoraja os consumidores. Ao mesmo tempo, o preço dos aparelhos, mais altos que o das TVs comuns, torna esses produtos acessíveis a uma parte pequena da população, o que desestimula a produção de conteúdo pelas emissoras. Pesa também o fato de que, na maioria dos casos, os equipamentos ainda requerem o uso de óculos - um item incômodo para quem quer se divertir em casa.

A Panasonic, que começou a oferecer produtos 3D em 2010, informou que não pretende lançar equipamentos com a tecnologia neste ano. A fabricante tem dez aparelhos 3D em seu portfólio, entre TVs, câmera fotográfica, filmadora e Blu-ray. "A expectativa é que o aumento das vendas de 3D seja impulsionado pela maior disponibilidade de conteúdo", afirma Alessandro Batista, gerente de marketing da Panasonic.

Sem citar números, o executivo diz que as vendas de produtos 3D cresceram em 2011. A decisão da companhia de aguardar para lançar novas linhas, no entanto, é um indicativo de que o mercado vê o segmento com cautela.

Entre os fabricantes ouvidos pelo Valor, há consenso de que a conexão com a internet tem sido o principal chamariz de vendas nas TVs. O consumidor acaba levando a versão 3D porque a diferença de preço entre um aparelho e outro diminuiu. Conforme a GfK, em outubro, o preço médio da TV 3D de 32 polegadas era R$ 3.704, ante R$ 2.562 no caso da smart TV - uma diferença de 31%, ou R$ 1.142. Um ano antes, a diferença chegava a R$ 2.622.

A Samsung afirma ter 41% de participação no mercado de TVs 3D, citando a GfK. Sua oferta total de itens com a tecnologia passou de sete para 25 em 2011. A empresa estima que as vendas de TVs 3D, no mercado brasileiro em geral, tenham chegado a 600 mil unidades em 2011. Para este ano, a previsão é de que sejam vendidas 1,5 milhão de unidades, ou 12% do mercado de TVs.

Para atrair o público, a Samsung reduziu custos para oferecer preços menores e associou o 3D à conectividade com a internet, afirma Rafael Cintra, gerente sênior da linha de TVs, áudio e vídeo da companhia. "Os consumidores em geral não procuram um aparelho 3D, mas o levam ao observar que a diferença de preço em relação à smart TV não é tão grande", diz.

A redução da diferença de preço é considerada um ponto essencial. "Quando o 3D foi lançado no Brasil, em 2010, a diferença do modelo de 40 polegadas 3D para as demais era de R$ 2 mil; hoje a diferença é de R$ 400", compara Luciano Bottura, gerente de marketing da linha Bravia, da Sony. Ele não divulga o volume de vendas da companhia, mas diz que houve expansão de 1.500% no segmento de TVs 3D. "A base é pequena, mas o mercado cresce gradativamente", diz Bottura. A Sony estima que até 2013 a tecnologia representará 25% das vendas totais de TVs. A partir daí, a briga entre os fabricantes ficará mais acirrada.

Segundo Bottura, o fato de alguns produtos permitirem ao consumidor produzir seu próprio conteúdo 3D favoreceu as vendas. A linha da Sony inclui câmeras digitais, filmadoras, notebooks, Blu-ray, home theater e TVs.

A LG apostou no desenvolvimento de tecnologias para minimizar ou eliminar a necessidade do uso dos óculos especiais. A companhia tem um portfólio 3D que inclui TVs, notebooks, Blu-ray e smartphones. Em 2011, lançou uma linha de TVs 3D com a mesma tecnologia do cinema e reduziu o custo dos óculos, o peso do acessório e o cansaço visual, diz Fernanda Suma, gerente de televisores da LG. A empresa não divulga os dados de vendas, mas prevê resultados melhores neste ano. "A participação combinada de TVs conectadas e 3D nas nossas vendas da categoria devem chegar a 47% em 2012, contra 23% no ano passado", diz.

Nos smartphones, a grande aposta da LG é um aparelho que permite gravar e assistir vídeos 3D sem os óculos. Rodrigo Ayres, gerente de estratégias de negócios de celular da LG, diz que as vendas superaram as expectativas. A possibilidade de compartilhar conteúdos em diferentes dispositivos atraiu os consumidores, afirma o executivo. "Os dispositivos 3D não são baratos, mas quando o consumidor vê que o ecossistema conversa entre si, o interesse aumenta".

A Positivo desenvolveu conteúdos para estimular as vendas de computadores 3D. Entre as ferramentas de entretenimento estão um conversor de fotos convencionais para o formato 3D e um aplicativo que permite postar fotos em 3D nas redes sociais. Marco Lopes, vice-presidente de marketing e novos negócios da companhia, diz que essa foi a alternativa encontrada para driblar a escassez de conteúdo. A Positivo não divulga dados de vendas de computadores 3D. A companhia possui 43 equipamentos 3D e pretende ampliar seu portfólio neste ano.

Os fabricantes terão de convencer o varejo do acerto em investir no 3D. A Fnac informou, por sua assessoria, que a TV conectada ainda é mais atraente como fator de venda que o 3D. A rede estima que as vendas de aparelhos 3D, como TVs, Blu-ray e vídeos tenham crescido 50% em 2011. Para Roberto Fulcherberguer, vice-presidente comercial da Globex (que controla Casas Bahia e Ponto Frio), as vendas cresceram, mas o 3D "ainda não é uma febre".


Na telona, padrão faz sucesso


Embora a evolução do 3D seja modesta no mercado de eletroeletrônicos, nas salas de cinema os exibidores colhem resultados positivos dos investimentos nessa tecnologia. Segundo a consultoria Filme B, o público dos filmes 3D aumentou 41% no país em 2011, atingindo 25 milhões de pessoas, o equivalente a 18,5% do público total. A renda da salas 3D cresceu 19%, para R$ 350 milhões, representando 26% do faturamento total, de R$ 1,3 bilhão.

A maior oferta de títulos foi um dos fatores responsáveis por atrair mais pessoas às salas 3D. Foram 38 lançamentos, contra 22 em 2010. Grande parte dessa produção está restrita às animações voltadas ao público infantil. "Quando entrou em cartaz, parecia que o 3D iria tomar todos os gêneros, mas hoje se vê que não é bem assim", afirma Paulo Sérgio de Almeida, diretor da Filme B. No Brasil, a produção em 3D não engrenou. O "Brasil Animado", primeiro filme nacional no formato, lançado em 2011, teve bilheteria de 52 mil pessoas.

Para as salas de exibição, a falta de conteúdo nacional não desestimulou os investimentos em projetores 3D. Em quatro anos, o Cinemark adquiriu 200 projetores digitais com tecnologia 3D. Entre 30% e 40% das salas dos complexos da rede são 3D, afirma Marcelo Bertini, presidente do Cinemark.

O Kinoplex também está otimista sobre o formato de exibição e prevê novos investimentos em 2012. A rede planeja comprar dez novos projetores digitais 3D no primeiro trimestre. Segundo Luiz Severiano Ribeiro Neto, presidente do Kinoplex, o custo médio por equipamento é de R$ 360 mil. "Não é barato, mas compensa pelo público que o formato consegue atrair", diz.

O investimento em uma sala 3D chega a ser 40% maior do que o valor necessário para instalar uma sala digital 2D, diz Marcos Barros, diretor da Cine System. "Investimos R$ 8,3 milhões em salas 3D desde 2009. Cada uma delas demandou em torno de R$ 320 mil só em projeção", conta o executivo. A rede possui 87 salas no Brasil, sendo que 26 são 3D. Para 2012, a previsão é abrir até seis salas com essa tecnologia, mantendo uma proporção de cerca de 40% do total.

Até novembro de 2011, as salas 3D da Cine System responderam por 38,8% do público total da rede, contra 19,8% em 2010. Em termos de receitas, a participação dessas salas saltou de 23,5% em 2010 para 45,3% no ano passado.

Na avaliação de Barros, o lançamento de versões em 3D de sucessos como "Titanic" e "Star Wars: Episódio 1, a Ameaça Fantasma" vão impulsionar essa tecnologia para além dos limites das animações. "Ao mesmo tempo, os diretores estão aprendendo a usar melhor essa ferramenta para desenvolver produções mais elaboradas", diz o executivo.

Os planos da United Cinemas International (UCI) seguem a perspectiva de aumento da procura pelo 3D. "Tomando como base o mesmo filme exibido no mesmo complexo e horário, hoje a taxa de ocupação dessas salas é 30% maior", diz Mônica Portella, diretora de marketing da rede. A UCI possui 153 salas no país, das quais 41 são 3D. Para o próximo trimestre, a UCI programa a abertura de novos complexos em São Luís (MA), Campo Grande (RJ) e Fortaleza (CE), com 21 salas. Desse total, ao menos 10 serão 3D.

Além de investir em novas salas, a UCI vem tentando ampliar as possibilidades de exploração do 3D em seus complexos. No ano passado, a rede usou o recurso na transmissão ao vivo e via satélite de dois jogos entre o Barcelona e o Real Madrid. As partidas foram exibidas em salas instaladas em São Paulo e no Rio de Janeiro. "A ideia é fazer com que o espectador tenha uma experiência única e sinta como se estivesse dentro de um estádio na Europa", explica Mônica. (BC e MD)


Produzir conteúdo ainda é desafio


Na segunda-feira, a China anunciou o lançamento, em caráter experimental, de seu primeiro canal de TV 3D. Operado pela China Central Television (CCTV) e mais cinco estações locais, o canal terá quase cinco horas de programação diária em 3D. No Japão, na Coreia do Sul e na Índia, iniciativas semelhantes já foram anunciadas. O mesmo ocorre nos Estados Unidos e em outros países da Ásia. Apesar desses movimentos, a oferta de conteúdo 3D continua escassa, um dos fatores que limitam a adoção da tecnologia pelo público, segundo especialistas.

No mundo, existem atualmente 40 emissoras capacitadas a transmitir conteúdo em 3D, mas não há produção suficiente para preencher as grades 24 horas por dia, observa José Dias, diretor de engenharia de multimídia da Rede Globo. "A pós-produção requer maior investimento e mais tempo para ser finalizada", explica.

No Brasil, outro fator que inibe a produção é a falta de um padrão de transmissão 3D para a TV aberta. "Hoje, o 3D só pode ser transmitido por cabo ou satélite", afirma Dias. A Globo fez em 2011 transmissões de teste do Carnaval, exibidas em salas especiais no Rio de Janeiro, e gravações da novela "Viver a Vida". A rede estuda transmitir jogos da Copa de 2014 em 3D. "Até lá a tecnologia estará mais consolidada e mais barata, e a maioria das TVs terá capacidade para receber o sinal 3D", diz. A Discovery e a ESPN testam a tecnologia 3D no país. A Rede TV também faz transmissões nesse formato.

A falta de programação é apontada por fabricantes de TV como um dos fatores que dificultam as vendas do aparelho. Rafael Cintra, gerente sênior da linha de TVs, áudio e vídeo da Samsung, diz que mesmo a oferta de vídeos é escassa: desde 2010, foram lançados 38 títulos em Blu-ray no país. A fabricante fez acordos com estúdios no exterior para ampliar a oferta em um canal próprio, que atualmente possui 50 títulos. "Em 2012, a expectativa é dobrar essa oferta", diz.

A LG optou por incluir em suas TVs sistemas que convertem conteúdo no formato 2D em 3D. "A integração do 3D com a internet permitiu aos usuários adquirir conteúdos on-line sob demanda, o que favoreceu as vendas dos aparelhos", diz Fernanda Suma, gerente de televisores da LG. (CB e MD)


Veículo: Valor Econômico


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