A paulistana Marina Morelli, de 24 anos, teve seu primeiro contato com uma feira livre ainda na infância, acompanhada dos pais. Quando cresceu, esqueceu-se da movimentação que, toda a semana, mudava a cara de seu bairro. Só em 2010, bem longe de casa, quando foi estudar Arquitetura em Barcelona, ela redescobriu o real significado das feiras livres.
“Passei a observar como as pessoas viviam a cidade de forma saudável e isso incluía ir à feira ativamente. Criei o mesmo hábito e percebi que, além de produtos típicos, dá para conhecer o povo local só observando-o no dia a dia de uma feira”, conta.
De volta a São Paulo, no ano passado, Marina temeu que, como ela, outras pessoas estivessem ignorando esse patrimônio público. Uniu o útil à curiosidade e transformou a preocupação em um projeto do curso de Arquitetura e Urbanismo. “Depois de algumas incursões pela cidade, enxerguei as feiras livres como um bonito aproveitamento do espaço público, um local de trocas e relações pessoais que se apropria das ruas para alegrar o bairro”, avalia. A pesquisa de campo e as conversas madrugada adentro com os feirantes da Feira do Pacaembu renderam o site www.vaprafeira.com, com serviços e dicas sobre as feiras da capital paulista.
Mais que uma nota máxima na faculdade, Marina viu seu projeto resultar em um movimento para os paulistanos irem às feiras. “As feiras servem à cidade. Os supermercados negam a vida na rua”, defende ela no site. “Acho que falta consciência que ir à feira também pode ser prático e vantajoso. Curiosamente, 42 % das pessoas preferem feira, mas só 23% a frequenta.”
Por causa dessa baixa adesão, a tradicional feira nos arredores do Estádio do Morumbi, por exemplo, em breve, vai perder espaço às quartas-feiras. “A feira de quarta tinha 100 barracas. Hoje, são 30. Vamos passar todos os feirantes para a terça-feira”, adianta José Roberto Graziano, supervisor-geral do Secretaria de Abastecimento de São Paulo.
Segundo ele, os consumidores estão mesmo indo cada vez menos às feiras, que hoje somam 873 na cidade de São Paulo. Tudo por causa da correria da vida moderna e da concorrência. “As feiras em locais centrais, por causa da concorrência maior, estão diminuindo. As pessoas procuram praticidade, estacionamentos. Mas, nas periferias, onde há pouca estrutura, estamos criando mais feiras para abastecer a região”, explica.
Evolução
A busca por facilidade fez do celular o melhor amigo do feirante. “Hoje todo mundo já trabalha com entrega, o que corresponde a boa parte das vendas. A pessoa liga, pede os produtos e entregamos”, conta Hernani “Lobão”, de 45 anos, que monta sua barraca de frutas na Feira do Pacaembu e garante que foi o primeiro feirante da cidade a usar o celular para entrega. A maioria nem cobra frete.
Para Paulo Ferreira, de 51 anos, dono de uma barraca de verduras de 1938, herdada de seu avô, o perfil da clientela mudou. “As mulheres trabalham fora, não têm tempo. Dia de semana, são as pessoas mais velhas que vêm. Nos sábados e domingos, porém, há muitos casais jovens e moças. Em comum, todos querem atendimento personalizado e qualidade”, afirma. O horário, dizem os feirantes, é outro empecilho. “Às 13 horas, as barracas já estão desmontando. Antigamente, podíamos ficar até o meio da tarde”, lamenta Paulo.
Atalho para uma vida saudável
Se por um lado as mordomias da vida moderna desviaram os paulistano do caminho da feira, a tendência da busca pela qualidade de vida traça um atalho de volta aos feirantes. Não à toa, a Supervisão Geral de Abastecimento da Cidade, temerosa, anda traçando estratégias. Uma delas é apoiar movimentos de uma vida mais saudável. “Uma pessoa que procura uma alimentação natural vai sempre preferir a feira. Estamos também incentivando muito o consumo de orgânicos”, diz José Roberto Graziano.
A escritora Chris Campos, de 40 anos, sempre foi adepta de passeios pela cidade e coloca as feiras em seu circuito. “Quando meus amigos de fora vêm a São Paulo, sempre os levo para comer pastel na feira. É muito típico”, diz ela, que ficou ainda mais assídua das feiras depois de entrar numa “fase ainda mais saudável”. “Às terças, vou à feirinha de orgânicos do Parque da Água Branca; às quintas, em Higienópolis, perto de casa; e quando quero comprar flores, em Pinheiros”, conta ela, que não abre mão da barganha honesta. “Confio na opinião dos feirantes. Afinal, eles querem que eu volte.”
Confiança, aliás, é elemento essencial na relação feirante e freguês. Na Feira do Pacaembu e dos Jardins, há quem só compre mercadoria do “Toninho”. Nelas, o feirante – que se chama Antônio Cardoso Silva, de 42 anos – é funcionário da barraca de frutas há mais de 30 anos. “A gente passa a conhecer os clientes, seus gostos. E eles confiam na gente também. Tenho freguesas de 20 a 90 anos.”
Chef e apresentador do Hoje em Dia, da Record, Edu Guedes, de 37 anos, tomou gosto pela compra nas feiras ainda criança, levado pela avó. Para ele, além de encontrar a melhor fonte de produtos selecionados, ir à feira é um ato de cidadania. “É valorizar o trabalho do feirante, a tradição.”
O apresentador conta que os feirantes também são experts em comida e podem dar consultoria ao cliente. “Se você quer comprar mamão e banana para três pessoas e que tudo dure cinco dias, com certeza, ele vai calcular e te indicar a quantidade exata. Você vai economizar e evitar o desperdício. É um momento simples, mas agradável. No supermercado, você não tem isso”, afirma ele, que, aos domingos, leva a filha Maria Eduarda, de 2 anos, para comer pastel na Feira Livre da Alameda Lorena.
O chef e apresentador do Diário de Olivier, do GNT, Olivier Anquier, de 51 anos, também é um conhecedor de feiras e já coleciona estratégias para aproveitar o melhor delas. Segundo ele, quanto mais cedo chegar, melhor servido será. “Também vale a pena virar freguês fixo de uma barraca, pois o feirante vai passar a conhecer suas exigências. E, na dúvida se vai levar ou não a fruta, dê aquela provadinha. Na feira pode”, aconselha o francês radicado no Brasil, frequentador da Feira Livre do Pacaembu e do Mercado Municipal de São Paulo. “A cada nova cidade que chego, vou conhecer a feira. É um reduto cultura. E aqui em São Paulo, as feiras têm uma energia incrível.” Para quem quer ser conhecido pelo nome e não como mais um número, a feira é o endereço ideal.
MOTIVOS PARA IR À FEIRA
> > Consultoria gastronômica: Quer saber quando o mamão vai amadurecer? Que verdura combina melhor com a abóbora? Os feirantes entendem de tudo, até de receitas
> > Comprar tudo fresquinho: Todo dia, os feirantes madrugam para garimpar os melhores produtos especialmente para você
> > Exercitar o paladar de graça: Quem não resiste em provar um pedacinho de abacaxi, de melancia, de maça…
> > Evitar o desperdício: Quer mamão para três pessoas durante cinco dias? Peça para o feirante calcular. Assim, você levará só o que, de fato, vai consumir
> > Conhecer a vizinhança: Tem jeito mais informal do que encontrar o vizinho comendo pastel?
> > Honestidade: O feirante quer que você volte, então, ele não vai passar a perna em você
> > Custo-benefício: Nem sempre tudo é mais barato do que no supermercado, mas leve em conta que você vai levar um produto na quantidade certa e de ótima qualidade
> > Comer pastel e tomar caldo de cana sem culpa. A feira é o lugar perfeito para isso
> > Espantar o mau humor: Leve na brincadeira as piadas dos feirantes. Eles só querem agradar
Veículo: Jornal da Tarde - SP