Pesquisa realizada na Unifesp comparou as prescrições de antibióticos e os efeitos das quantidades administradas nos três tipos mais comuns de bactérias causadoras de infecções respiratórias; doses erradas podem aumentar a resistência às drogas
Pesquisa realizada na cidade de São Paulo sugere que os médicos estão prescrevendo antibióticos em doses menores do que as que seriam adequadas ou que são ineficazes para o tratamento de doenças respiratórias, como pneumonia, faringite e sinusite.
A conclusão é de uma simulação feita pelo Laboratório Especial de Microbiologia Clínica da Unifesp - os resultados foram publicados na revista científica BMC Infectious Diseases.
O risco da prescrição de antibióticos em doses inadequadas ou errados para o tipo de doença é o aumento da resistência ao medicamento e, consequentemente, uma maior dificuldade no tratamento. É para evitar resistência, por exemplo, que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a exigir a retenção de uma via da receita na venda dessas drogas.
"A resistência ocorre porque a pessoa ingere a droga, mas não elimina as bactérias. Assim, elas podem ser transmitidas entre as pessoas", diz o infectologista Carlos Kiffer, autor da pesquisa.
A pesquisa. Por meio de um modelo matemático (simulação de Monte Carlo), os pesquisadores compararam as prescrições de antibióticos e os efeitos das doses nos três tipos mais comuns de bactérias: Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catharralis.
Para o estudo foi considerada uma amostra de receituários emitidos por 400 médicos de São Paulo - os dados referem-se a prescrições feitas na comunidade e não em hospitais e foram informados pela IMS Health.
Foram analisadas as receitas, o tipo de infecção diagnosticada e as doses de antibiótico recomendadas. Os resultados sugerem que os antibióticos mais prescritos não apresentaram a taxa de resposta esperada (acima de 90%). São eles: Azitromicina, ( 27,4% das prescrições), seguido do Amoxicilina (15,4%) e do Levofloxacina (14,7%).
Os pesquisadores esperavam um índice alto de sucesso nos antibióticos mais comuns, mas observaram uma boa taxa de resposta só em três das drogas prescritas: Gatifloxacina, Moxifloxacina e Amoxicilina-Clavulanato. Elas figuram entre as menos prescritas no ranking.
"Essas drogas são mais novas, menos conhecidas. Isso significa que provavelmente as doses não estão obtendo sucesso frente a estas bactérias", diz Kiffer.
De acordo com ele, as infecções respiratórias costumam ter baixa morbidade: cerca de 70% a 80% dos pacientes conseguem resolver o problema espontaneamente. O problema, explica, são os outros 20% a 30% de doentes, que podem ter alguma complicação e, por isso, precisam receber a dose correta do medicamento. Se houver resistência à droga, o tratamento será mais difícil.
O infectologista Antônio Carlos Pignatari, professor titular da Unifesp, diz que os resultados demonstram que é necessário que os médicos reconsiderem o tipo de terapia que estão recomendando. "Estão receitando a dose e o próprio antibiótico inadequadamente", diz.
Mundo ideal. Para Kiffer, no mundo ideal, o correto seria o médico colher material do paciente, examinar e identificar se o problema é causado por vírus ou bactéria. E, de acordo com o resultado, prescrever o antibiótico correto para aquela doença.
"Mas estamos longe do mundo ideal. Raramente são colhidos exames e a disponibilidade de testes rápidos ainda é limitada. Mesmo quando se colhem exames, os resultados demoram cerca de 72 horas para ficarem prontos. E o médico não vai esperar, ele vai e, muitas vezes, deve medicar o paciente na hora", diz.
Renato Grinbaum, infectologista do Hospital Beneficência Portuguesa, diz que a simulação de Monte Carlo traz sugestões e não resultados definitivos - que só poderiam ser comprovados por meio de estudos clínicos.
"Os resultados sugerem que as dosagens deveriam ser individualizadas. Como é quase impossível fazer isso com os pacientes, a sugestão é usar esses antibióticos em doses um pouco maiores", diz Grinbaum. "O problema é que dose maior pode aumentar efeito colateral, e isso o estudo não demonstra", avalia.
Veículo: O Estado de S.Paulo