Uma disputa judicial entre a indústria de medicamentos de marca e os genéricos, um setor que movimentou R$ 9 bilhões em 2011, foi parar nos órgãos de defesa da concorrência. Tudo começou em meados da década passada, quando grandes laboratórios farmacêuticos, como o dinamarquês Lundbeck e os americanos Eli Lilly e Genzyme, entraram com várias ações na Justiça para estender o prazo de validade de patentes e garantir exclusividade no mercado. A maioria dos processos já foi concluída e sempre com vitória para os fabricantes de genéricos. Mesmo assim, os laboratórios de marca não desistem da briga e continuam recorrendo ao judiciário, muitas vezes sem motivos plausíveis.
Esse tipo de procedimento provocou a reação da Pró Genéricos, entidade que representa o segmento no Brasil, e a gigante do mercado farmacêutico EMS, por meio do seu braço de medicamentos sem marca, a Germed Farmacêutica, que acusam os grandes laboratórios de abusar do direito de mover ações judiciais para prejudicar outras empresas do setor. É o que se chama, no jargão jurídico, de sham litigation, um litígio simulado, também conhecido como litigação de má-fé. A estratégia de protelação dos laboratórios tradicionais é simples. Mediante a contratação de escritórios renomados de advocacia, eles entram com vários processos ao mesmo tempo e, num primeiro momento, conseguem liminares que barram a concorrência até o julgamento do mérito da ação. Quanto mais demorar esse julgamento, melhor para eles. Situações desse tipo, raras há alguns anos, estão se tornando cada vez mais comuns no Brasil.
Na Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, existem atualmente 15 casos em investigação, dos quais oito são públicos (leia quadro ao final da reportagem). “Há um indício de conduta abusiva por parte dos laboratórios de marca, que pode trazer impacto econômico”, afirmou à DINHEIRO o secretário de Direito Econômico, Vinícius Carvalho. A tendência do governo é proteger a permanência dos genéricos, que aumentam a concorrência no mercado. “A atuação do Ministério da Justiça pode levar os laboratórios, no futuro, a serem menos agressivos contra os genéricos”, acredita Marcelo Calliari, sócio do escritório Tozzini Freire Advogados.As reclamações dos fabricantes de genéricos já surtiram um efeito positivo. “Conseguimos ampliar nossa participação no mercado ao reagir às ações”, diz o presidente da Pró Genéricos, Odnir Finotti.
“A Justiça não está dando mais liminares para os laboratórios esticarem suas patentes, e alguns já vêm até desistindo de processar os genéricos”, afirma o advogado da entidade, Aristóbulo Freitas. Os laboratórios acusados de práticas protelatórias abusivas foram procurados pela DINHEIRO, mas não quiseram comentar o caso. A Interfarma, que representa os fabricantes dos medicamentos de marca, minimiza a guerra travada com os genéricos. “Cinco processos é muito pouco para um setor que tem 650 indústrias”, diz o presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, Antônio Brito. Até agora, o único caso de condenação pela prática de litigação de má- fé não está ligado ao setor de saúde. Em 2010, a BOX 3 Vídeo, empresa que detém a rede nacional de televisão Shop Tour e veicula programas de ofertas de produtos e serviços, recebeu uma multa de R$ 1,7 milhão por impedir que concorrentes transmitissem programas semelhantes ao seu.
Durante dez anos, a Box 3 entrou com ações na Justiça para reduzir a concorrência. Seu advogado, Márcio Lamonica, diz que, apesar de o Cade entender que a Shop Tour quis prejudicar os concorrentes, não houve má-fé. “A empresa quer passar a mensagem: ‘pode concorrer, mas não me copie’.” A Shop Tour ainda pretende recorrer da decisão do Cade na Justiça. Dada a complexidade dos casos desse tipo, muitas ações acabam sendo arquivadas. É o caso da polêmica envolvendo Fiat, Volkswagen e Ford e a Associação Nacional dos Fabricantes de Peças (Anfape), que reúne as fabricantes de peças de reposição, que não são credenciadas pelas montadoras. A Anfape acusou as fabricantes de automóveis de abusarem de processos na Justiça para impedir que suas peças fossem comercializadas, mas o Cade entendeu que não houve má-fé judicial.
Veículo: Isto É Dinheiro