A Cosan, gigante do setor sucroalcooleiro, anunciou ter fechado um acordo para a compra de 5,67% das ações da América Latina Logística (ALL), maior empresa ferroviária do País. Com a aquisição, um negócio de R$ 896,5 milhões, a Cosan passa a deter 49% do grupo que reúne os principais acionistas da companhia e se transforma na maior sócia isolada da holding.
O negócio ainda dependerá de autorizações governamentais e da aceitação de outros acionistas da ALL. A expectativa das empresas é que em alguns meses - ou semanas - o acordo seja concluído. No mercado, o anúncio da compra não foi bem recebido, pelo menos, num primeiro momento. Os papéis da Cosan fecharam ontem em queda de 5,74% e os da ALL, em queda de 2,36%.
Um dos motivos para o mau humor dos investidores foi o preço pago pelas ações da ALL, que estaria bastante elevado. Em relação ao fechamento da bolsa no dia 17, antes do carnaval, o prêmio pago pela Cosan foi de 109%, de acordo com a analista-chefe da Ativa Corretora, Luciana Leocádio. Segundo ela, o preço justo calculado pela instituição seria de R$ 18,40 - abaixo dos cerca de R$ 23 oferecidos pela Cosan.
Mas o presidente da companhia, Marcos Lutz, explica que se trata de ações vinculadas ao contrato de acionistas da empresa, que permite maior influência política nos negócios estratégicos do grupo. "Se não fizéssemos questão disso, poderíamos ter comprado as ações na bolsa pela cotação do dia", diz o executivo.
Das 38.980.117 ações que estão sendo negociadas, 34 milhões estão vinculadas a acordos de acionistas (que permitem aos sócios participarem conjuntamente das decisões estratégicas, por meio do conselho da companhia).
Segundo Lutz, a participação na ALL segue uma estratégia da Cosan de elevar sua presença na área de infraestrutura. Por meio da Rumo Logística, a empresa já tem uma parceria com a ALL para recuperar trilhos e duplicar a malha ferroviária entre Sumaré e o Porto de Santos.
O projeto, de R$ 1,3 bilhão, prevê a compra de 729 vagões e 50 locomotivas. O executivo destaca que 80% do açúcar para exportação já é transportado por ferrovia. "Queremos ter uma forte presença no setor de infraestrutura. Estamos fortalecendo nossos negócios. Temos a Rumo Logística e terminais portuários. É natural seguirmos essa linha estratégica."
Lutz conta que há alguns anos a Cosan tenta fechar um negócio com a ALL, mas nunca teve sucesso. Desta vez, no entanto, as conversas avançaram rapidamente. Em pouco mais de um mês, as duas empresas conseguiram chegar a um acordo. O executivo destaca que foi a Cosan quem procurou a ALL para propor o negócio.
Mas, no mercado, circulam informações de que o governo federal, que detém 12% de participação na empresa por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), já teria procurado outros sócios para entrar na empresa.
Além do banco de fomento, a ALL também tem ações nas mãos dos fundos de pensão Previ (dos funcionários do Banco do Brasil) e Funcef (da Caixa). Cada um tem 3,94% e 4,11% de participação, respectivamente.
Conflito de interesses. Uma dúvida que paira no mercado é se não haverá conflito de interesse com a Cosan, uma grande cliente, sendo uma dos principais acionistas da ALL. Nos últimos anos, o setor ferroviário já experimentou essa fórmula por meio da MRS, controlada por grupos como CSN, Usiminas, Vale e Gerdau. Num dos episódios, a Arcelor Mittal entrou com processo na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para reduzir as tarifas praticadas pela MRS.
Na ocasião, a agência reduziu em 30% o preço praticado pela concessionária. Para especialistas, a ANTT terá de aumentar a fiscalização no setor para evitar que os interesses comprometam outros clientes.
Lutz não vê problemas em ser cliente e acionista da ALL. "Acreditamos que com uma boa política de governança, os possíveis conflitos de interesses são facilmente identificáveis nos contratos comerciais. Nesses casos, a parte conflitada não vota. É fácil endereçar isso", afirmou o executivo.
Veículo: O Estado de S.Paulo