Empresários reinventam lojas e treinam funcionários para escapar de concorrência direta com grandes redes
A ampliação de produtos nos supermercados atinge segmentos do pequeno varejo, como açougues, padarias, feiras livres, e, mais recentemente, floriculturas.
Apesar de as redes conquistarem clientela por oferecer preço competitivo e estacionamento, donos de pequenos comércios de bairro têm conseguido se reinventar para não perder espaço.
Arranjos diferenciados e embalagens sofisticadas são estratégias de Rosângela Duarte, florista há 15 anos. Ela também não abre mão do treinamento de funcionários. "É preciso ter sensibilidade para oferecer algo diferente."
Mas nem todos sobrevivem. Florista há 20 anos, Rosângela Madeira fechou a loja. Desde que redes passaram a vender flores, floriculturas se tornaram inviáveis, diz.
"[Os supermercados] têm prioridade no fornecimento pelas cooperativas de produtores de Holambra [região paulista especializada no cultivo de flores]. [As redes] contratam a venda por consignação -o que não é vendido eles devolvem."
Pioneiro na iniciativa de vender flores, o Grupo Pão de Açúcar confirma ser cliente preferencial de cooperativas.
"Somos hoje os maiores compradores de Holambra", afirma o diretor de operações, Geraldo Monteiro.
Também destaca o papel estratégico das flores. "Elas têm o poder de embelezar as lojas e o de fidelizar", diz ele.
Inovação ajuda a conquistar cliente
Serviço personalizado e embalagens sofisticadas são formas de escapar da guerra de preços
O mercado passa por modismos, muda, amadurece. É o que o consultor do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) Gustavo Carrer gosta de lembrar aos empreendedores que se veem diante de uma crise como a dos floristas.
Em momentos de mudança, acontece uma seleção natural, diz. Estar pronto para a recuperação significa estar aberto para inovar ou, ao menos, atualizar o negócio.
Para o ramo de floriculturas, o recomendado é sofisticar o tradicional arranjo de flores com celofane e papel de seda colorido, um clássico de baixo custo.
A embalagem simples, que em boa parte das lojas é preparada sem elaboração cuidadosa ou técnica artística, colabora para o desgaste da imagem da categoria.
A ideia é focar não a flor, mas o presente ou o objeto de decoração que ela compõe. Nesse caso, pode ser necessário romper o preconceito dos lojistas em trabalhar até com plantas artificiais, sinaliza o especialista.
Um dos caminhos da floricultura Pompeia, na zona oeste de São Paulo, é oferecer flores de alta qualidade para se diferenciar.
Os clientes aprovam. "O material apresentado é bem superior [ao do supermercado] e o atendimento é melhor e mais rápido", destaca o advogado Bento Cunha, 78, cliente do estabelecimento.
BATALHA
Somente oferecendo serviço personalizado é que os empreendedores conseguem fugir da guerra de preços com supermercados-armadilha que pode, no limite, provocar a falência do negócio.
"Quase todo cliente já chega falando do preço do supermercado. A gente explica que a qualidade do produto é diferente, mas não adianta", conta José Carlos Souza, cuja família trabalha há 30 anos em um estande na avenida Dr. Arnaldo, tradicional ponto de venda de flores na capital de São Paulo.
Segundo ele, nas bancas a orquídea custa R$ 60; nos supermercados, é possível encontrá-la por R$ 35. "Só que a de lá é magrinha, possui um único botão, diferentemente da nossa, encorpada e com vários botões", compara.
COLETIVO
Na análise de Eduardo Barki, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), as floriculturas precisam se unir em uma associação forte.
"Não é um trabalho individual, mas do setor", diz.
O especialista também indica a criação de campanhas de fortalecimento de imagem, nos moldes das que foram feitas pelas padarias -que organizaram cursos de aperfeiçoamento, programas de gerenciamento de resíduos e ações públicas de distribuição de pães em locais de grande movimento, por meio de entidades que representam o setor em São Paulo.
Segmentos se reorganizam para resistir
Com atendimento diferenciado, dono de açougue rouba fluxo de mercado
A crise do mercado florista é parecida com a enfrentada pelas padarias, açougues, e também feiras livres por volta do ano 2000.
Na época, o setor supermercadista vivenciou uma onda de fusões e aquisições e as principais redes correram em busca de novos diferenciais competitivos que as ajudassem a consolidar suas posições no mercado.
Produtos como pão, carne e hortifrútis, de abastecimento frequente, passaram a ser considerados de importância estratégica pela capacidade de gerar tráfego de clientes nas grandes redes.
Assim, boa parte do setor supermercadista passou a investir na fabricação de pães -não só do tradicional pão francês, mas de uma ampla gama de itens relacionados: pão de milho, pão sovado, pão doce, pão de queijo, bolos, confeitos, salgados e até itens de rotisseria.
As acanhadas áreas de carnes e de hortifrútis seguiram o mesmo caminho: deram lugar a seções espaçosas, bem iluminadas, com ampla diversidade de produtos. Tudo a preços competitivos, práticas sanitárias superiores e ênfase na praticidade de serviço e de embalagens.
Desunidos ou sem força de mobilização para buscar uma saída comum, donos de açougues e estandes em feiras livres viram sucumbir boa parte de seus colegas varejistas.
"Sobreviveram os que se tornaram butiques, com produtos e atendimento de alta qualidade", destaca Gustavo Carrer, consultor do Sebrae.
MOVIMENTO
O dono da Casa de Carnes Barão, Luís Marcos Pinheiro, diz torcer para que o supermercado localizado quase em frente à sua empresa permaneça onde está.
"[Os mercados] atraem movimento para esse trecho da rua e disponibilizam estacionamento para quem quer vir aqui também", afirma.
O empreendedor conta que boa parte das vendas é realizada por clientes habituais que valorizam não só a qualidade do produto, mais fresco, mas também o atendimento personalizado, por telefone ou no balcão.
"Há clientes que pedem carne cortada em 20 bifes, embalados individualmente, um a um", conta ele. "Supermercado algum dia vai fazer isso? Nunca."
Veículo: Folha de S.Paulo