A ruína da Kodak na era digital

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A agonia da empresa que captou os mais importantes momentos do século 20 e que, contraditoriamente, criou as câmeras sem filme



Robert Shanebrook estaciona seu Dodge diante do imenso edifício da Kodak, em Rochester, Nova York. Há mais de 40 anos, ele pôs os pés na empresa pela primeira vez, quando era ainda um jovem engenheiro. Na época, a Kodak estava produzindo a câmera que iria captar as imagens da missão Apollo 11 e as fotos do primeiro homem na Lua.

Shanebrook continua ativo desde que se aposentou da Kodak, em 2003. Por 35 anos, teve o privilégio de trabalhar - e viajar pelo mundo - para a empresa. Ele estava na Kodak na década de 90, quando suas ações valiam US$ 70 cada. Estava lá, nos anos 80, quando a companhia empregava 30 mil pessoas. Nessa época, a maior preocupação dos funcionários era achar um lugar para estacionar.

Ele dirige seu carro pelo estacionamento coberto de neve, muito maior do que alguns campos de futebol, mas onde poucos carros estão estacionados. Hoje, a Kodak emprega menos de sete mil pessoas em Rochester, e as notícias que vêm da direção da empresa são devastadoras. Em 19 de janeiro, a Kodak viu-se obrigada a pedir recuperação judicial. "Devo chorar? Não. Estou surpreso? Sim. Tenho de me recuperar do choque."

A medida adotada pela Kodak é considerada mais um símbolo da situação deprimente dos negócios nos Estados Unidos. Outros dizem que a Kodak é uma empresa que negligenciou os sinais dos tempos - e é a única culpada por ter cochilado no caminho em direção à ruína. Mas nenhuma dessas interpretações é correta. A Kodak simboliza as mudanças estruturais profundas que ocorreram em todo o mundo nos últimos anos.

Jobs. Nos 132 anos da Kodak, pessoas em todo o planeta se imortalizaram em Kodacolor, o primeiro filme em cores, lançado em 1942. Seu fundador, George Eastman, era aclamado como o Steve Jobs da sua época. Em 1900, Eastman deu aos consumidores a "Brownie", primeira câmera fotográfica portátil que gerou uma nova ideia - fantástica e lucrativa - de negócio: a Kodak venderia câmeras e também ganharia dinheiro revelando os filmes usados nelas. O modelo durou mais de um século. Em 1999, a Kodak teve lucro recorde de US$ 2,5 bilhões.

A marca estava em toda parte. Entre 1928 e 2008, todos os filmes que ganharam o Oscar de melhor fotografia foram rodados com películas Kodak. Hoje, boa parte da produção de Hollywood é digital. Não era raro ver a empresa lançar até 30 novos produtos ao ano. Eram impressoras, fotocopiadoras, papel fotossensível e filmes de todos os tipos.

Shanebrook se pergunta: como a Kodak chegou à beira da falência? Como uma empresa que nos anos 70 produzia 90% de todos os filmes e 85% das câmeras nos EUA pode fechar? Como uma companhia tão inovadora podia implodir a ponto de o preço de sua ação cair até chegar ao nível de perder seu registro na Bolsa de Valores de Nova York? Se quer saber as respostas, prepare-se para surpresas.

Primeira digital. Para começar: quem acreditaria que foi a Kodak que criou a primeira câmera digital, em 1975? Era três vezes maior do que uma caixa de sapatos. Inventada pelo engenheiro da Kodak Steve Sasson, era simples e produzia imagens em preto e branco, com 0,01 megapixel. Por essas razões, a máquina não parecia um produto muito comercializável. Mas os técnicos da Kodak continuaram a aperfeiçoar os sensores que, mais tarde, foram parar nas câmeras Nikon e Leica. Na verdade, os executivos em Rochester não estavam dormindo. Estavam bem acordados - mas com um cenário de pesadelo à frente.

Larry Matteson, outro veterano da Kodak, também se lembra daqueles dias. Chegou a ser vice-presidente sênior. Hoje é professor na Universidade de Rochester. Quatro anos depois da invenção da câmera digital, Matteson foi incumbido de elaborar um relatório sobre o futuro da tecnologia digital para a diretoria da empresa. Seu relatório parece hoje profeticamente exato. Depois de décadas concentrada no setor da química orgânica e de filmes, provavelmente seria impossível - talvez insano em termos comerciais - a Kodak tentar se reinventar e transformar-se numa empresa de produtos eletrônicos. Além disso, suas operações com filmes ainda eram muito prósperas nos anos 70 e prometiam lucros durante muitos anos no futuro. E as magras margens do mercado digital nunca iriam se comparar às do filme analógico. Assim, há cerca de 30 anos, a Kodak viu-se diante de duas alternativas: cometer suicídio ou adiar sua morte.

Houve repetidas tentativas, não muito entusiasmadas, de reorganizar a empresa. Cada nova diretoria propunha uma estratégia diferente. A Kodak investiu em sua divisão de produtos químicos para entrar no campo farmacêutico. Também tentou dominar o mercado da impressão digital - plano implementado, abandonado e depois retomado.

O azar também contribuiu para a ruína. A Kodak reduziu a produção de filmes, ao mesmo tempo em que aumentou sua presença na área digital. Em 2005, chegou a ser a maior fabricante de câmeras digitais nos EUA. Mas, com smartphones substituindo câmeras digitais, caiu para sétimo lugar nos anos seguintes. Na rival Fujifilm, seus diretores tiveram a ideia de sair das operações na área química e partir para o setor de cosméticos.

A Kodak, se pretende sobreviver, vai precisar de um milagre. Como parte do seu processo de concordata, a companhia recebeu mais US$ 950 milhões em empréstimos do Citigroup para tentar colocar suas finanças em ordem dentro dos próximos 18 meses. A direção espera que a Kodak volte a prosperar com as impressoras, mas isso não convence muito, pois a empresa sempre esteve ligada a imagens. Não importa o quão maravilhosas elas sejam, as histórias sempre têm um fim. E talvez seja a mesma coisa com as empresas.



Veículo: O Estado de S.Paulo



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