Pesquisa exclusiva mostra que as empresas dão um peso crescente à voz dos clientes na hora de investir em novos produtos.
O industrial americano Henry Ford, que popularizou o automóvel e criou a linha de montagem, não costumava ser nada polido ao discorrer sobre o que achava dos consumidores de seus produtos. “Se eu tivesse escutado o que eles queriam, teria inventado uma charrete a vapor e não o Ford T” era uma de suas respostas favoritas. “O consumidor pode escolher o Ford da cor que ele quiser, desde que seja preta” era outra de suas sentenças definitivas. Um século depois, o igualmente genial Steve Jobs conquistou fama ao lançar no mercado inovações para atender às necessidades que seus consumidores nem sequer remotamente suspeitavam que tinham. Durante muito tempo, o estilo criado por Ford e Jobs predominou dentro das empresas. Mas os tempos estão mudando.
Embora uma certa dose de distanciamento e autonomia seja saudável, as empresas estão valorizando cada vez mais as necessidades de seus consumidores na hora de decidir quais produtos terão prioridade em seus departamentos de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), como mostra a pesquisa feita pela consultoria francesa Produto do Ano e divulgada com exclusividade pela DINHEIRO. Em outras palavras, ouvir a voz do cliente, mais do que nunca, está se tornando um dos ingredientes para o sucesso de um novo lançamento. Um exemplo dessa tendência vem da Nestlé. Depois de muitos anos de pesquisa, a multinacional suíça constatou que um quarto da população mundial tem intolerância à lactose, ou seja, não pode consumir leite.
Mais: desse total, 11% são crianças entre 7 e 14 anos. “Vimos aí um nicho de mercado, com a possibilidade de associar essa carência a uma marca de leite em pó tradicional como a Ninho, que tem mais de 40 anos de existência”, diz a gerente de marketing Carolina Sevciuc. Da constatação resultou, após um ano de trabalho, no desenvolvimento do leite em pó Ninho Baixa Lactose, com 90% a menos do glicídio em sua composição. “Isso evita que as crianças com intolerância à lactose deixem de consumir nutrientes presentes no leite, como o cálcio”, diz Carolina. Segundo ela, o produto vem batendo as metas de venda e já domina um mercado que cresce 10% ao ano. Ou seja, perceber que existe um nicho de consumidores não atendidos pode ser muito lucrativo.
Que o diga a americana P&G. A empresa investe US$ 2 bilhões em P&D e realiza pesquisas com 15 milhões de consumidores a cada ano. Um desses levantamentos apontou que uma das principais frustrações de suas consumidoras era a sujeira provocada por furos nas toalhinhas umedecidas de sua marca Pampers, utilizada na higiene de bebês. As reclamações geraram um ano de pesquisa até chegar a uma nova versão das toalhinhas, produzida com fibras superflexíveis mais resistentes, mais difíceis de rasgar e menos agressivas à pele do bebê. “Junto com o relançamento das toalhinhas Pampers, promovemos uma redução de 12% no preço”, diz Rodrigo Padila, gerente de produto da P&G. “Com isso, as vendas dobraram.” A inovação também pode servir para reposicionar uma marca, como a própria P&G fez com o lançamento do Duracell Instant USB Charger, uma espécie de bateria portátil dotada de entrada USB, que pode suprir tanto celulares quanto tablets e notebooks.
“O produto representa uma transformação. Vamos desvincular a imagem da Duracell das pilhas e reforçar a de energia portátil”, afirma o diretor de marketing Thiago Icassati. “Através da conexão com os consumidores percebemos a existência de uma demanda nesse segmento.” Demanda, diga-se, que não é baixa, formada principalmente pelos 200 milhões de celulares existentes no País, volume que promete continuar se expandindo com o crescimento da nova classe média emergente. De acordo com Icassati, o próximo passo será reforçar a presença no mercado varejista através da parceria com uma fabricante de telefones celulares, para dar visibilidade ao carregador. A ampliação do mercado interno teve um impacto na decisão da mineira Cera Ingleza em investir na pesquisa e desenvolvimento da cera Fórmula Max Nanotech, seu carro-chefe na linha de limpeza automotiva.
Afinal, o Brasil ocupa a quarta posição mundial em vendas de veículos e deve se tornar o terceiro mercado até o fim da década, ultrapassando o Japão. “Percebemos um potencial gigantesco com o aumento do acesso da classe C ao carro”, diz Roberto Soares, gerente de marketing da Ingleza. Assim, a empresa começou a desenvolver em conjunto com a Dow Química o novo produto, tomando como base a nanotecnologia. Os testes levaram três anos e envolveram desde o laboratório da companhia até os lava-rápidos da região metropolitana de Belo Horizonte. O resultado valeu a pena: a nanotecnologia promove a formação de uma camada resistente sobre a pintura do carro, evitando a aderência de sujeiras e manchas, além de protegê-la do sol, da chuva e maresia e de pequenos arranhões.
“A inovação é nossa chance de nos diferenciarmos em um mercado extremamente disputado”, diz Soares. Em média, a Ingleza cria 27 novos produtos por ano. A importância do papel do cliente na produção de inovação é destacada por Antonio Peres, CEO da consultoria Produto do Ano, que organiza a pesquisa. “O consumidor do Brasil é o mais aberto do mundo a experimentar novos produtos, dentro do universo de 30 países em que atuamos”, afirma Peres. No levantamento, 91% dos entrevistados disseram gostar de testar novidades, e 85% mostraram-se dispostos a pagar um pouco mais por um bem que os satisfaça. “Em média, o brasileiro paga até 10% mais caro por algo que ele identifique como inovador”, diz Valter Pieracciani, fundador da consultoria de gestão da inovação Pieracciani.
Os números mostram que, mais do que à tecnologia ou ao pouco tempo de mercado, o brasileiro associa inovação à qualidade ou a uma boa relação custo-benefício. Em relação à pesquisa de 2011, também cresceu a importância de itens como o benefício à saúde. Ao se analisar o estudo, chama atenção o predomínio das marcas importadas. Das dez primeiras colocadas na lista de preferência do público, há cinco da Colgate, quatro da P&G e uma da Nestlé (a Colgate foi procurada pela reportagem da DINHEIRO, mas preferiu não conceder entrevista sobre os seus produtos). Entre as oito principais categorias, essas três companhias venceram em sete. A andorinha brasileira foi justamente a Cera Ingleza, primeira no pódio do grupo Higiene no Lar.
Esse predomínio esmagador das marcas de fora não se dá por acaso, de acordo com Pieracciani. No Exterior, observa ele, uma empresa muito inovadora investe até 8% do seu faturamento em P&D. No Brasil, são poucas as que chegam a 2%. “É uma cultura que ainda temos de desenvolver, após décadas de reserva de mercado.” Segundo analistas, um dos problemas é que foi apenas em 2006 que o Brasil se tornou atrativo nessa área, com a aprovação de incentivos tributários para práticas inovadoras. E mesmo essa legislação – como a Lei do Bem, por exemplo – é combatida pelos órgãos de arrecadação. “Para o País isso é muito ruim. Nossos números mostram que a inovação gera quase 20 vezes mais retorno do que o incentivo tributário investido”, diz o fundador da Pieracciani. Além disso, também há diferenças na própria forma como os produtos se apresentam por aqui.
“No Brasil, a maioria das inovações está concentrada em higiene e beleza, quando em outros países está focada em produtos alimentares”, diz Peres. Pieracciani destaca ainda as grandes construtoras nacionais, como a Odebrecht e a Andrade Gutierrez. “Elas têm liderado o caminho da inovação no Brasil. Usam muita tecnologia e criatividade tanto nos materiais quanto nas técnicas de engenharia.” Outro fator apontado pelos especialistas para o baixo índice de inovação nas companhias brasileiras é o relativo pouco tempo do período democrático no País, comparado aos EUA e aos países ocidentais da Europa. “A inovação é uma cultura que necessita de livre pensamento. E isso implica uma liberdade política”, diz Peres. “Não é à toa que a China, por exemplo, inova pouquíssimo, na maior parte se limitando a cópias. Quanto mais livre for um país, mais inovador ele será.”
Como é feita a pesquisa do produto do ano
Nascido na França há quase três décadas, o selo Produto do Ano chegou ao Brasil quatro anos atrás. A eleição é promovida pela consultoria de mesmo nome, que recebe o pagamento das empresas interessadas em participar. Elas podem inscrever quantos produtos quiserem em 65 categorias, agrupadas em oito grandes grupos que incluem produtos de beleza, higiene e limpeza da casa, vários tipos de alimentos, higiene para bebês e eletroeletrônicos. A escolha dos vencedores – que poderão exibir o selo – é feita pelos consumidores brasileiros. A empresa de pesquisa americana TNS, ligada ao grupo WPP, foi contratada e ouviu 5.004 pessoas, entre 18 e 64 anos, em sete Estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco. O estudo foi realizado através de questionários online entre dezembro de 2011 e janeiro deste ano.
Veículo: Isto É Dinheiro