Símbolo recente de Buenos Aires, os "superchinos", pequenos supermercados controlados por chineses, começam a se tornar mais parecidos com as grandes redes que atuam no país, como Carrefour, Walmart e a local Coto. Nos próximos dois anos, devem investir US$ 100 milhões para terem como marca própria seus 20 itens de maior venda.
A saturação de Buenos Aires e região, onde já existem 9,8 mil mercadinhos de chineses, que faturam cerca de US$ 3,3 bilhões, começa também a levar o modelo para o interior do país. Nesta migração, as lojas aumentam: dos 250 metros quadrados médios da capital argentina passam para unidades de 1,5 mil metros quadrados, incluído estacionamento.
"Somos dez grupos familiares e cada um tem cem supermercados, em média. Nosso projeto envolve 1,1 mil unidades", disse Zheng Ji Cong, secretário-geral da Casrech, a entidade que reúne os supermercadistas chineses. A noção de "família", neste caso, envolve grupos de até cem pessoas, de pai e filho a primos distantes. Os chineses vão arcar com metade do projeto. A outra metade virá da China, sob forma de investimento direto.
O universo da colônia chinesa em Buenos Aires foi recentemente retratado no filme "Um Conto Chinês", de Sebastián Borensztein, e mostra uma particularidade: com pouco domínio do idioma, os chineses controlam o varejo de vizinhança.
Todos os comerciantes são de uma única província na China, Fujian, e 80% vêm de uma única cidade, Fuqin, segundo Zheng.
A decisão de investir em lojas maiores e marcas próprias está ligada à mudança do padrão de consumo na Argentina, que guarda semelhança com o Brasil: há uma crescente classe C, na periferia da capital e nas províncias do interior mais preocupada em comprar por menor preço, independente da marca. É neste momento que deverão entrar os produtos da "Red Economia", em que os chineses irão comercializar molho de tomate, ervilha, milho e enlatados do gênero a partir deste ano. "Com a verticalização, eliminamos os custos da intermediação e ganhamos no preço", disse Zheng.
A entidade adquiriu este ano uma fazenda de tomate na província de San Juan, já com a unidade de processamento. Na mesma unidade, também serão processadas azeitonas e azeite de oliva. A exceção à "Red Economia" será na área de alimentícios frescos. Da verba para investimento, US$ 20 milhões foram usados para adquirir a linha de produtos de uma antiga fábrica de lácteos e massas frescas, a Gandara. Os produtos, bem tradicionais na Argentina, deveriam ser lançados em meados do ano, mas o cronograma pode atrasar. "Estamos tendo problema com o sindicato. Eles querem a readmissão de todos os antigos funcionários", disse Zheng.
Os produtos da Gandara e da "Red Economia" deverão ser vendidos sobretudo no interior e na periferia. A classe média argentina que mora nos bairros centrais de Buenos Aires não abre mão de comprar as marcas que já conhece. " Existe já uma desaceleração da economia e cada consumidor está reagindo diferente. Nos locais de menor renda, a tendência a migrar para o menor preço é muito clara. Mas na área rica, as pessoas preferem comprar menos".
Outro projeto da associação caminha mais devagar: o cartão de crédito lançado em parceria com sindicatos e associação de aposentados comercializou até agora 25 mil unidades, quando se esperava quatro vezes mais em um ano. "Como somos muito pulverizados, não conseguimos estruturar um sistema para dar o mesmo bônus ao cliente em todas as unidades. Mas o cartão é uma necessidade, faz crescer o consumo em até 3% no mês", disse Zheng. Na Argentina, por lei, a taxa de administração não pode exceder 3%. Os juros rotativos estão na faixa de 20% ao ano, ligeiramente negativa em relação aos cálculos privados da inflação, que vão de 20% a 25%. Não há número oficial confiável, que sirva de referência.
As paredes da sala de Zheng, repletas de fotos da presidente argentina Cristina Kirchner, mostra que a intimidade com o poder é uma das chaves do negócio. "Estive com ela várias vezes. E com figuras do governo, como o secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, o contato é constante. Este governo trabalha com um modelo de controle de preços, negociando compromissos em torno de uma cesta de produtos, de tempos em tempos. Nós sempre conseguimos cumprir a nossa parte e ganhamos a confiança. Quando um fornecedor aumenta muita ou o produto some, nós avisamos a eles", relatou Zheng, que afirma trabalhar com uma margem de lucro invejável para o supermercadista brasileiro. "Nossa margem é de 10%, em média. O que nos pesa é o custo do imóvel e o da mão de obra", disse.
Veículo: Valor Econômico