Depois de décadas, locomotiva é criada e fabricada no Brasil

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Na próxima semana, a EIF, uma pequena empresa de restauração e manutenção de locomotivas instalada em Paulínia (SP), vai dar o maior e mais arriscado passo de sua curta história. Em uma cerimônia bastante simples para seus funcionários e clientes, vai entregar a primeira locomotiva inteiramente projetada e construída por ela para a Companhia Siderúrgica Nacional, a CSN. Trata-se de uma única máquina, de baixa potência - 1 mil HPs - que será usada pela CSN como locomotiva de manobra na fábrica de cimentos que entra em operação nos primeiros meses de 2009 em Volta Redonda (RJ). Jefferson Dias/Valor

 

A EIF, de Carlos Braconi, entrega à CSN a primeira locomotiva desenvolvida e construída por ela na próxima semana

 

Apesar de pequeno, o feito da EIF, uma empresa criada por dois engenheiros que se conheceram na divisão de locomotivas da antiga Villares em meados da década de 80, é também significativo. Pela primeira vez em décadas, capital e tecnologia brasileiras estão, novamente, produzindo locomotivas no Brasil. 

 

A aventura na qual a EIF está embarcando, ainda longe de ser concretizada, dá também uma dimensão de como a indústria ferroviária brasileira, apesar dos incontáveis problemas, se desenvolveu nos 12 anos em que a malha federal foi concedida à iniciativa privada. Enquanto em 1998 os trens transportavam cerca de 18% das cargas que cortavam o país, em 2008 esse percentual havia subido para 26%. A frota de locomotivas pulou de 1,5 mil unidades para 2,8 mil unidades. "Estimamos que a ferrovia tenha uma participação de 30% no modal de transportes em cinco anos e mais mil locomotivas, novas e usadas, entrarão no sistema nesse período", diz Carlos Braconi, diretor e sócio da EIF. 

 

As projeções otimistas, no entanto, não são garantia de sucesso para a companhia que se especializou em importar locomotivas usadas dos Estados Unidos e da China, reforma-las e entrega-las para as ferrovias brasileiras. Até agora a EIF tem pedidos firmes de apenas mais duas unidades, também para a CSN, e muitas promessas de novas encomendas. 

 

Sem grande capacidade de captação de recursos a preços competitivos, a EIF sabe que precisa de capital para conseguir crescer e suportar os sobressaltos que surgirão. "Estamos fazendo tudo com o pé no chão, com muito cuidado, mas também estamos buscando um parceiro para termos mais fôlego", diz Braconi, no acanhado escritório comercial da empresa em São Paulo. 

 

Braconi, engenheiro mecânico de formação, conheceu seu sócio João Gemma quando era gerente de engenharia de locomotivas na Villares. O grupo criado pela família homônima ainda no fim da década de 10 passou a produzir máquinas na segunda metade dos anos 70, após adquirir licença da General Motors para fabricar suas locomotivas no Brasil. A operação não foi exatamente bem-sucedida, mas algumas unidades chegaram a ser feitas na fábrica de Araraquara (SP) e vendidas para a então estatal Companhia Vale do Rio Doce. Braconi e o engenheiro elétrico Gemma faziam parte da equipe responsável pela adaptação do projeto americano e pela fabricação das locomotivas, algumas delas ainda em operação no país. 

 

Depois da fusão entre a divisão ferroviária da Villares e a GE, que deu a origem à Gevisa, ambos montaram negócios próprios, também não muito bem-sucedidos. Uniram-se em 2001 para criar a EIF apostando no mercado de reforma de locomotivas. "Já não havia mais o que recuperar na frota brasileira e o caminho era importar equipamentos antigos, reforma-los e adapta-los aos padrões brasileiros", diz Braconi. 

 

Ao longo dos últimos sete anos a EIF importou, reformou e adaptou cerca de 125 locomotivas americanas e chinesas para as operadoras brasileiras. O bom resultado dos negócios em um período de expansão inédita das exportações de commodities no Brasil fez com que os dois decidissem que era a hora de apostar em um projeto próprio em meados de 2007. "Decidimos não inovar muito, optamos por uma tecnologia conhecida e por máquinas de pequeno porte", afirma Braconi. 

 

Desenvolveram o projeto e o apresentaram para vários clientes potenciais. No fim do ano passado, a CSN comprou a idéia e três unidades. Em janeiro os 55 funcionários da EIF iniciaram a construção da primeira locomotiva inteiramente desenvolvida no Brasil nas últimas décadas. 

 

A EIF sabe que não será o nacionalismo o impulsionador das vendas de sua locomotiva. Mas aposta no alto índice de nacionalização da máquina como um diferencial importante. Cerca de 80% dos custos do equipamento são em reais. As duas outras fabricantes no país, a GE e a Amsted Maxion, têm maior parte de seus custos em dólar. "E desenvolvemos um equipamento misto, que pode atuar em pátios, portos, siderúrgicas e mesmo em pequenas linhas de trens de passageiros", diz Braconi, exibindo o otimismo típico dos novos vendedores. 

 

Ele garante que já negocia 15 outras unidades para diferentes - e secretos - clientes, mas a verdade é que nenhum pedido firme foi feito ainda. O certo mesmo é que os funcionários da EIF passarão 2009 construindo as duas unidades já encomendadas pela CSN. Por enquanto, o futuro da primeira locomotiva desenvolvida e fabricada por uma empresa inteiramente brasileira nos últimos 20 anos ainda não fez menção de ter entrado, de fato, nos trilhos. 

 

Veículo: Valor Econômico


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