O resultado da indústria de transformação no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de março surpreendeu negativamente, com o fechamento de 5.048 vagas, e salários iniciais inferiores aos da construção e de serviços. Desde 2004, dado mais antigo disponibilizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o saldo de vagas no setor para esse mês só foi negativo em 2009, sob efeito da crise mundial. Normalmente, as contratações superam as demissões na indústria em março.
"A indústria teve um resultado preocupante", diz Fabio Romão, economista da LCA Consultores. Segundo a LCA, na média dos meses de março de 2001 a 2012, a indústria geral (incluindo extrativa, transformação e de utilidade pública) criou 23 mil vagas. Em 2012, esse número foi negativo, com o fechamento de 2.423 emprego.
Entre os subsetores da indústria de transformação, o pior desempenho foi de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico, que perdeu 25.211 vagas. "Acho que esse resultado se deve ao setor sucroalcooleiro, o que pode ter afetado também a agropecuária", diz Romão. "Mas outros setores importantes, como metalurgia e material de transporte, também não apresentaram bons resultados." A indústria metalúrgica apresentou saldo positivo de 266 vagas em março e a de material de transporte, 143 demissões líquidas.
A remuneração na indústria reflete o mau momento pelo qual passa o setor. O salário real médio de admissão ficou abaixo da construção civil e de serviços no primeiro trimestre deste ano. Enquanto a indústria de transformação pagou, em média, R$ 1.011,69 para os novos admitidos, o salário em serviços foi de R$ 1.046,01 (3,4% maior) e, na construção, foi de R$ 1.066,36 (5,4% maior).
Para Luiz Scorzafave, especialista em mercado de trabalho da USP em Ribeirão Preto, uma conjunção de fatores estruturais e conjunturais vem fazendo com que o setor industrial perca o posto de "melhor pagador". "O setor de serviços, hoje, é o mais importante da economia brasileira. As pessoas que trabalham nesse setor estão aumentando o seu grau de escolaridade, o que pressiona os salários."
Ele acrescenta que a indústria sofre com a concorrência dos importados, que acabam sendo mais interessantes para o empresário do que a produção local. "Ao contrário da indústria, serviços não sofre com a concorrência estrangeira. O brasileiro não viaja para cortar o cabelo. Esse serviço gera emprego aqui. Mas o industrial pode importar uma peça e criar emprego em outro país", diz Scorzafave.
Os setores de construção civil e serviços continuam segurando a geração de empregos no Brasil, na avaliação de José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. De acordo com os dados do Caged, o saldo líquido de vagas na construção civil foi de 35.935, diante de 3.315 em igual mês do ano passado. Em serviços, o saldo em março foi positivo em 83.182 vagas, ante 60.309 na mesma base de comparação. Segundo o economista, a incidência do Carnaval no mês de fevereiro (em 2011 foi em março), abriu espaço para que alguns setores avançassem na comparação com 2011.
Ana Maria Castelo, especialista no setor de construção civil da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que o mercado de trabalho está muito pressionado em alguns setores e essa escassez de mão de obra explica a valorização do salário em alguns casos. "O crescimento da construção deve ser sustentado durante bastante tempo. O investimento em infraestrutura foi retomado fortemente e a tendência é acelerar", afirma.
Em valores absolutos, houve 1,881 milhão de admissões e 1,769 milhão de demissões em março. O saldo de 111,7 mil vagas é 20,5% superior à criação de vagas registrada em março do ano passado - mês em que ocorreu o Carnaval.
O resultado geral do Caged aponta para a manutenção do nível de emprego no país, na opinião de Fabio Ramos, da Quest Investimentos. Para ele, o número mostra uma ligeira tendência de desaceleração na criação de vagas frente a fevereiro, quando o saldo líquido foi de 150,6 mil, e a janeiro (118,9 mil). "Esse resultado, se mantido, implica um nível de desemprego estável a médio prazo."
O salário médio real de admissão subiu mais nas regiões mais pobres, na comparação entre o 1º trimestre de 2012 e o mesmo período de 2011. No Norte, a média cresceu 6,37%, ante 6,22% no Centro-Oeste, 5,45% no Nordeste, 4,18% no Sul e 4,16% no Sudeste. A média nacional, que ficou em R$ 993,44 no primeiro trimestre deste ano, foi 4,47% maior que em igual período de 2011.
"As regiões Norte e Nordeste apresentam um ritmo de crescimento maior que as regiões mais ricas do país. A tendência é que a diferença salarial entre essas regiões diminua gradualmente", explica Ana Maria. "O reajuste forte do salário mínimo e a maior formalização da mão de obra, que atinge essas regiões, explicam essa valorização. Hoje, muitas empresas dizem que não conseguem mais recrutar mão de obra no Nordeste para o Sudeste", acrescenta.
Na comparação entre os setores da economia, de acordo com a divisão do Caged, foi na administração pública que houve a maior valorização do salário real médio de admissão. Entre o primeiro trimestre de 2012 e o mesmo período de 2011, o aumento foi de 8,73%.
Veículo: Valor Econômico