Cresce a disputa por executivos para atuar no setor farmacêutico

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Aos 38 anos, com carreira desenvolvida em empresas de telecom, Sandro Mazzoni nunca havia imaginado trabalhar no setor farmacêutico. Até que, em março, foi procurado por um headhunter e contratado para o recém-criado cargo de gerente de inovação e tecnologia da EMS, laboratório nacional especializado na produção de medicamentos genéricos. Sua missão: aprofundar a experiência da empresa no uso de tecnologias móveis e mídias digitais. "Fiquei surpreso com o interesse de uma indústria farmacêutica por essa área e também com o pacote atraente que me foi oferecido", conta Mazzoni, que passou a percorrer diariamente os 110 km que separam São Paulo, onde mora, de Hortolândia, sede da empresa.

Na nova empresa, ele entrou em contato com colegas que também estavam sendo agregados à equipe, como Karina Iria, 26 anos, especialista em gestão de capital humano. Ela veio da concorrente Sandoz, pertencente ao grupo Novartis, para integrar um projeto de descentralização das políticas de recursos humanos. "O que mais me atraiu foi o desafio de participar desde o início da construção de um novo modelo", diz Karina. Para assumir o posto na divisão Sigma Pharma, ela se transferiu de Cambé (PR), sede da Sandoz, para São Paulo. "Uma mudança significativa na carreira e na vida pessoal", conta.

Sandro e Karina são apenas dois entre os 600 novos funcionários que a EMS projeta contratar ao longo deste ano- 40 dessas vagas são para cargos executivos. O ritmo de recrutamento está tão acelerado que obrigou a companhia a reorganizar o modelo de gestão de pessoas. Isso levou à contratação de novos profissionais na área, como Karina. O objetivo é instalar núcleos de RH nas diversas unidades de negócio, além de um centro corporativo e outro de serviços compartilhados. Fundada há 48 anos em São Bernardo do Campo, a empresa, que tem fundamentado parte de sua estratégia em fabricar versões genéricas de produtos com a patente expirada, vem dobrando de tamanho a cada três anos. O plano de expansão deste ano inclui a construção de uma nova fábrica em Manaus e de uma unidade de embalagens em Hortolândia.

"Nosso grande atrativo são as chances reais de evolução rápida na carreira, pois é visível como as oportunidades se multiplicam a cada mês", avalia a diretora de gestão de capital humano, Ana Costa. Ela diz que os profissionais que entram em contato com a empresa- que já rompeu a casa dos 5 mil funcionários- mostram especial interesse pela perspectiva de desfrutar de maior autonomia e agilidade em uma corporação nacional, supostamente menos "travada" em comparação às multinacionais, cujos executivos precisam submeter seus projetos às respectivas matrizes e a diferentes instâncias de avaliação.

O caso da EMS ilustra a efervescência que tem atingido as empresas farmacêuticas no Brasil nos últimos três anos. Ela tem provocado não apenas movimentações entre especialistas que já atuam no setor, como é o caso de Karina, mas também de profissionais oriundos de outras indústrias, a exemplo de Sandro. Esse tipo de recrutamento no mercado geral, contudo, ainda se limita especialmente às áreas de suporte.

"A indústria farmacêutica continua conservadora no que diz respeito a trazer gente de outros setores, pois isso exige conhecimentos específicos em vários aspectos e a curva de aprendizado tende a ser lenta, enquanto o nível atual de competição pede que os novos contratados já cheguem jogando", diz André Jacques Pasternak, vice-presidente da Fesa, consultoria especializada em recrutamento de altos executivos. Ele ressalta que, na disputa por talentos com os grandes nomes mundiais do setor, as empresas nacionais vêm desenvolvendo mecanismos competitivos de atração e retenção, baseados sobretudo em remuneração variável agressiva. No nível executivo mais alto, as conversas começam com a oferta de pelo menos dez salários extras para recompensar o alcance de metas, descreve Pasternak.

Para o gerente-geral da consultoria Boucinhas & Campos, Tiago Viana Martins, o momento de disputa intensa por talentos está fazendo com que os profissionais especializados no setor farmacêutico se tornem mais exigentes frente aos empregadores. Eles resistem a trocar de emprego se a proposta não estiver alinhada com as perspectivas pessoais de longo prazo. "É o momento de pensar muito bem antes de mudar", aconselha. Martins ressalta que é preciso avaliar o projeto de expansão da empresa e as possibilidades do projeto ser de fato cumprido- para isso, vale a pena trocar ideias com colegas do mercado. Ele cita, como exemplo de perfil valorizado neste momento, o do especialista em marketing com experiência prévia na indústria farmacêutica. "Há uma série de peculiaridades que só alguém que conhece a área consegue compreender, como as táticas para assegurar a presença de destaque nos pontos de venda e a estratégia de lançamento de um produto, além da necessidade de lidar com veículos que vão de panfletos às grandes redes de TV", descreve.

A área farmacêutica tem sido impulsionada no Brasil pelo aumento dos gastos da população com saúde, resultado do maior acesso a planos de saúde e a novos medicamentos e tratamentos. Para Pasternak, da Fesa, a disputa acirrada por talentos é reflexo direto dos negócios expressivos que o setor vem registrando no país. No ano passado, a consultoria registrou aumento de 16% na demanda por executivos na indústria farmacêutica, com ênfase especial nas áreas de finanças, marketing e vendas.

Uma das consequências da expansão desse mercado, destaca o consultor, é a necessidade de encontrar executivos que unam conhecimentos técnicos específicos do setor, como pesquisa clínica, controle de qualidade e assuntos regulatórios, a responsabilidades mais abrangentes sobre processos, orçamentos e gestão de pessoas. "Esse cenário demanda profissionais com uma série de competências comportamentais que até então nem sempre eram exigidas pela indústria farmacêutica, como adaptabilidade a mudanças rápidas e facilidade para se relacionar", destaca Pasternak.

A movimentação que se vê no mercado inclui a fundação de novas empresas, como a recém-anunciada Bionovis, joint-venture entre EMS, Aché, União Química e Hypermarcas para o setor de medicamentos biológicos- projeto que prevê investimentos de R$ 500 milhões nos próximos cinco anos. Enquanto os laboratórios nacionais se preparam para crescer, várias multinacionais também planejam se expandir no mercado brasileiro. A japonesa Takeda, por exemplo, pretende fazer sua operação local dobrar de tamanho nos próximos cinco anos, a ponto de fazê-la ingressar no ranking dos dez maiores laboratórios do país.

Há também os efeitos do movimento de aquisições que vem sendo registrado nos últimos três anos, a exemplo da compra da Medley pela Sanofis-Aventis, de parte do Laboratório Teuto pela Pfizer e da Alcon pela Novartis. Os consultores que atuam no mercado farmacêutico ressaltam que a efervescência que está sendo percebida agora é reflexo também da acomodação em torno dos negócios realizados há algum tempo. Há, por exemplo, a contratação de executivos de segundo escalão por parte daqueles que assumiram posições no topo das corporações e pretendem se cercar de profissionais com os quais já trabalharam ou sobre os quais têm boas referências.

Como o Brasil ainda tem muitos laboratórios de pequeno e médio porte, a expectativa é de que operações de compra de empresas continuem ocorrendo por algum tempo no setor farmacêutico, em sintonia com a tendência de concentração do mercado. Para os gestores de recursos humanos, operações de fusão ou aquisição, que unem diferentes culturas, sempre trazem grandes desafios. "A empresa que chegou tinha uma cultura própria, e foi preciso respeitar e manter essa cultura em seus vários aspectos positivos", descreve o diretor de RH da Novartis, Afonso Garcia, referindo-se à compra da Alcon, que trouxe 500 novos funcionários ao time de 3 mil profissionais do grupo no país. Ele concorda que o mercado farmacêutico está se abrindo aos poucos para profissionais que tenham feito carreira em outros setores.

Ao recrutar para cargos de liderança, a Novartis está cada vez mais interessada em encontrar quem tenha a capacidade de transitar pelos diversos departamentos da empresa e esteja aberto a experiências mais generalistas- mesmo porque se trata de um grupo global, com 124 mil funcionários espalhados pelos 140 países em que atua. "Consideramos saudável que nossos colaboradores conheçam as diversas unidades do grupo e tenham uma experiência profissional diversificada. Quando alguém traz isso de fora, de um outro setor, é benéfico para todos", afirma Garcia.

No Laboratório Teuto, que teve 40% das ações adquiridas pela Pfizer no final de 2010, o projeto é dobrar a capacidade de produção até o fim do ano que vem, passando das atuais 30 milhões de caixas de medicamentos para 60 milhões em 2013. Isso será possível com a chegada de uma série de novos maquinários à fábrica de Anápolis (GO), resultado de um investimento de R$ 80 milhões em ampliação e renovação do parque fabril, realizados desde o ano passado. Espaço para expansão não falta, pois a empresa dispõe de 1 milhão de metros quadrados, dos quais 150 mil metros quadrados já estão ocupados por área construída. O número de funcionários saltou, nos últimos cinco anos, de 1.300 para 2.300.

A principal estratégia para evitar a perda de colaboradores para os concorrentes- o polo farmacêutico goiano está entre os três maiores do país - é assegurar um grande número de promoções (foram 740 desde o ano passado). "A chegada da Pfizer, um gigante do setor, ofereceu nova perspectiva de carreira aos nossos colaboradores e se transformou em mais um trunfo muito importante de retenção, pois queremos promover um intercâmbio cada vez maior entre as duas empresas", diz o gerente de RH do Laboratório Teuto, Marco Aurélio de Assis Cardoso.




Veículo: Valor Econômico


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