Em 2011, o canal de venda direta foi o que menos cresceu no setor de cosméticos, perfumaria e higiene pessoal no Brasil, registrando um aumento de apenas 5,4% em relação ao ano anterior. No mesmo período, o avanço foi de 18,9% no mercado total de beleza (que representa 85% da venda direta no Brasil). É a primeira vez, em pelo menos dez anos, que a venda direta cresce apenas um dígito (ver abaixo). Problemas operacionais enfrentados por Natura e Avon, as duas maiores empresas do segmento no país empurraram o desempenho de todo o setor para baixo. Mas, no início deste ano, o canal já mostra recuperação, com crescimento de 7,9% no primeiro trimestre sobre igual período de 2011.
Para empresas e analistas consultados pelo Valor, o ano passado foi um ponto fora da curva para a venda direta. "Nós achamos que vamos recuperar crescimento vis-à-vis [em relação a] outros canais", diz Rodolfo Gutilla, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta (ABEVD). "Nós vemos o futuro com muito entusiasmo. Vamos crescer em linha com o mercado de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos", completa Gutilla, que também é diretor de relações corporativas e governamentais da Natura. "A venda direta no Brasil é um canal muito pujante e ainda subdesenvolvido, para o tamanho e as oportunidades do país", diz José Vicente Marino, vice-presidente executivo da Natura.
No primeiro trimestre, a receita líquida consolidada da Natura cresceu 11,3% em relação ao mesmo período de 2011, após expandir 8,9% em todo o ano passado. Já a Avon está passando por ajustes de estratégia e deve demorar mais para retomar o crescimento. De janeiro a março, a empresa americana apresentou pela segunda vez consecutiva queda nas vendas no Brasil, seu maior mercado global. A matriz da Avon reconheceu, em teleconferência de resultados, que as ações não terão efeitos imediatos.
Para Luiz Soares, diretor de inovação da Avon, o que houve no ano passado foi uma "pseudodesaceleração" no setor de venda direta. A implementação de grandes projetos de tecnologia e logística pela Natura e pela Avon em 2011 tiveram como efeito colateral problemas como atrasos na entrega e falta de produtos. "[2012] É um ano de recuperação, nós estamos nesse caminho", diz Soares.
O Brasil é o quarto mercado mundial de venda direta, atrás de China, Japão e Estados Unidos. Em 2011, o canal representou 28,6% de todas as vendas do mercado de cosméticos, perfumaria e higiene pessoal no Brasil, e 29,1% na América Latina, segundo a Euromonitor. De 2005 a 2011, o faturamento do mercado brasileiro de venda direta aumentou 119%, chegando a movimentar R$ 27,2 bilhões.
Após esse salto, há quem diga que o canal já atingiu seu pico e que deve perder espaço nos próximos anos - hipótese refutada pelas empresas. Na opinião de analistas do Credit Suisse, "o canal está atingindo a maturidade e deve continuar a perder participação para outros formatos de varejo". Relatório de março do banco prevê um cenário mais desafiador para as empresas do setor nos próximos anos. Para Daniela Bretthauer, analista do Raymond James, a participação do canal nas vendas totais do segmento de higiene, cosméticos e perfumaria deve cair um pouco, mas não deve ficar abaixo de 25% no longo prazo.
Um dos maiores desafios do setor é reduzir o tempo de entrega dos produtos. "Se você pode comprar na farmácia, por que esperar dez dias para receber?", questiona Felipe Oliveira, do J.P. Morgan. Nesse ponto, fica difícil para a venda direta competir com outras formas de varejo. Por isso, Natura e Avon colocam em prática projetos para diminuir o tempo de entrega das encomendas às vendedoras.
As farmácias são apontadas por analistas como uma concorrente cada vez mais importante no setor de beleza. Mas isso não desanima Marino, da Natura. Para o executivo, a venda direta é o canal do futuro. "O e-commerce, as relações entre as pessoas, faz com que o varejo seja obsoleto. Eu acho que a venda direta está na frente, porque as relações já fazem parte do nosso canal", conclui.
Movimentos recentes no setor espelham a confiança das empresas no canal, especialmente no Brasil. Em abril, a peruana Belcorp anunciou seu lançamento no mercado nacional, com investimentos de US$ 200 milhões até 2015. No mesmo mês, a Coty, empresa de perfumaria com sede em Nova York, fez uma oferta de US$ 10,69 bilhões para comprar a Avon, realçando o interesse na distribuiçãoda empresa em países emergentes, como o Brasil. No ano passado, a Coty chegou a fazer "due diligence" em outra empresa de venda direta no Brasil, a Jequiti (do Grupo Silvio Santos), conforme apurou o Valor. E o grupo Boticário lançou, em março de 2011, a marca Eudora, para atuar com venda direta.
"Para um ano de existência, eu posso dizer que a gente tem se surpreendido", diz Cláudio Oporto, diretor-executivo de Eudora. "Já tínhamos colocado objetivos bastante agressivos do ponto de vista do crescimento, e temos superado isso na casa de três dígitos", diz Oporto, sem revelar números. "Isso mostra uma aderência muito grande do nosso modelo comercial", afirma o executivo.
Outro ponto que mostra a vivacidade do canal é o crescimento do número de revendedoras. No primeiro trimestre deste ano, elas somavam 2,9 milhões de pessoas no Brasil, 10,6% a mais do que no mesmo período de 2011. No ano passado, a Natura teve um aumento de 14,3% no número de consultoras (como a empresa chama suas vendedoras) em relação a 2010.
Por outro lado, os problemas enfrentados por Natura e Avon no ano passado afetaram a lealdade de suas vendedoras. Na Natura, o indicador de lealdade passou de 21%, em 2010, para 19%. O mercado mais competitivo também ajuda a abalar a relação com a força de venda. "Ela [a revendedora] é abordada por todas essas empresas novas e pode eventualmente se deslumbrar com o novo. Por isso, esse trabalho de fidelização é bastante desafiador", diz Soares, da Avon.
Veículo: Valor Econômico