Para alguém que fala sobre a "cultura sem desculpas" da Procter & Gamble (P&G) - pela qual os gerentes de produto não podem responsabilizar a difícil situação econômica pela falta de incremento nas vendas --, seu principal executivo, Bob McDonald, levou tempo demais para reconhecer os erros que observa.
Mas ele finalmente o fez numa muito aguardada sessão de mea culpa ocorrida ontem, quando admitiu que o recente desempenho medíocre da empresa se deveu, em parte, a uma série de passos em falso, e prometeu se concentrar em fazer menos coisas, e melhor, nos mercados emergentes.
Em conferência com investidores em Paris, ele disse que a inovação da P&G não foi suficientemente radical em seus três anos de gestão. "Não criamos uma nova categoria ou uma nova marca significativa por algum tempo." Além disso, a empresa não comunicou com clareza o que os consumidores obtém a mais com seus xampus, lâminas de barbear, fraldas, cremes dentais e outros produtos. Seus preços estavam altos demais em algumas categorias. Sua produtividade não era alta o bastante.
Atenuando a fragilidade da economia nos Estados Unidos e na Europa, que a P&G andava inclinada a responsabilizar por suas agruras, o recado de McDonald foi, em vez disso, que a causa fundamental tinha sido a tentativa da P&G de fazer coisas demais num número excessivo de frentes.
"Foi o foco total nos mercados emergentes", disse Lauren Lieberman, analista do Barclays Capital. "Foi uma mudança drástica demais de recursos, atenção da direção, dinheiro, tudo isso."
A reação da P&G - anunciada ontem com um alerta de lucros que enfatiza a necessidade de mudanças - é estreitar seu foco, para fazer as coisas melhor nos mercados "fundamentais", responsáveis pela maior parte de suas vendas e de seu crescimento, entre os quais seu maior mercado, os Estados Unidos.
A empresa usa uma classificação para suas vendas que tem mil diferentes combinações por país/categoria no mundo. McDonald disse que agora "restringirá o foco" a 40. Esse grupo, que inclui o detergente Tide nos Estados Unidos, as fraldas Pampers no Reino Unido e os cremes Olay na China, representa aproximadamente de 50% do faturamento da P&G e 70% dos lucros.
"Continuaremos a expandir nosso portfólio nos mercados em desenvolvimento, mas o faremos num ritmo mais equilibrado", disse McDonald.
Nos mercados emergentes, a P&G informou que desacelerará sua expansão ao não ingressar em novos países e que, em vez disso, se concentrará nos dez mais importantes. Esse grupo provavelmente abrange Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Nigéria, Polônia, Turquia, México e Indonésia.
Mas alguns analistas não ficaram totalmente convencidos com o anúncio de ontem.
Ali Dibadj, da AllianceBerstein, concorda que a empresa se "desdobrou num excesso de batalhas" e que tem de se fortalecer. Mas observou que a P&G ainda se depara com dúvidas sobre a credibilidade de suas promessas. "Trata-se de cumprir as promessas - o que não foi feito no passado."
Uma execução "incompleta" foi outro problema reconhecido por McDonald - a empresa, por exemplo, fez previsões precárias da demanda pelo sabão para roupas Tide Pod em cápsulas e não reforçou sua capacidade produtiva, o que retardou seu lançamento.
Num raro ato de autocrítica à famosa cultura burocrática da P&G, McDonald disse: "Não podemos incorrer em processos de trabalho ineficientes só porque essa é a maneira pela qual sempre fizemos aquilo, ou é a forma pela qual sempre provemos a organização de recursos humanos."
Em resposta às pressões dos investidores sobre o que vinham considerando um crescimento medíocre de lucros, apesar de as vendas terem aumentado 4%, em média, nos últimos três anos, a multinacional informou em fevereiro que reduziria os custos em US$ 10 bilhões e fecharia 5,7 mil postos de trabalho.
Nik Modi, analista do UBS, considera que esses cortes já vêm provocando turbulência considerável na empresa. "Será que eles ainda podem fazer o que querem fazer sem comprometer sua capacidade de gerar lucro?", questionou.
McDonald também apontou as dificuldades causadas pela lentidão ou ausência de crescimento da economia no mundo em desenvolvimento, pelos altos custos das commodities, pela volatilidade cambial e pelas decisões políticas hostis sofridas na Venezuela e na Argentina. Finalmente, disse: "Nenhum desses fatores é desculpa suficiente. É nossa função superá-los".
Veículo: O Estado de S.Paulo