Santa Catarina redescobre a uva Goethe

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Após quase ser extinta na década de 60, produção de vinho com esse tipo de uva foi retomada e movimenta hoje a economia de Urussanga


O sobrenome do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), expoente do Romantismo, tornou-se uma das palavras mais pronunciadas em Urussanga, cidade de 20 mil habitantes ao Sul de Santa Catarina. A razão não está relacionada à literatura, mas sim a outro dos grandes prazeres que a humanidade aperfeiçoou ao longo dos séculos: o vinho.

Colonizada por italianos, a região é a única do mundo que produz em escala comercial a uva Goethe, variedade criada há mais de 150 anos. Depois de quase ser extinta no auge da exploração carbonífera, na década de 1960, quando a maior parte da força de trabalho local foi direcionada às minas, a tradição passou a ser gradualmente retomada e hoje se consolidou como o maior apelo turístico e uma das principais fontes de renda para a cidade.

Além do faturamento de R$ 13 milhões resultante da venda das 900 mil garrafas produzidas anualmente, há toda a movimentação econômica decorrente do fluxo de visitantes interessados em entrar em contato com a riqueza cultural envolvida no processo de fabricação.

O marco da retomada foi a criação da Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe (ProGoethe), há sete anos. Hoje, a associação reúne 30 membros - não apenas produtores de uva e de vinho, mas também alguns restaurantes, supermercados e pousadas. Além das sete vinícolas que funcionam regularmente na cidade, estima-se que cerca de 60 famílias sobrevivam do comércio informal de vinho colonial. "Os nossos maiores desafios são profissionalizar a produção artesanal e padronizar a qualidade dos vinhos para conseguir maior aceitação no mercado", diz o presidente da associação, Renato Damian, proprietário da Vinícola Urussanga, com 30 rótulos de cinco marcas no portfólio.

Selo. Em busca desses objetivos, a associação acaba de obter do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) a licença para implementar um selo de Indicação de Procedência - que certificará a origem, a autenticidade e a qualidade dos produtos dos Vales da Uva Goethe. O selo será concedido com base em uma série de normas e padrões aplicáveis não apenas à bebida propriamente dita, mas também a elementos como garrafas, rótulos e rolhas. A primeira seleção está em andamento e os candidatos terão de passar pelo crivo do Conselho Regulador, que verifica o cumprimento dos requisitos, e também de uma banca de degustação, composta por especialistas de fora da cidade.

Uma importante aliada do projeto de expansão da indústria vinícola local é a Estação Experimental da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), autarquia vinculada ao governo do Estado. Instalada na cidade ainda na década de 1940 como Instituto de Fermentação - justamente para impulsionar a produção local de uvas e vinhos -, a unidade foi diversificando seus focos de interesse e chegou a abandonar a atividade original. Só recentemente voltou a dar uma boa atenção à área, com a contratação de um pesquisador especialista, o enólogo Stevan Arcari - resultado direto da mobilização e da busca organizada por apoio.

"Vim para atuar como pesquisador, mas por enquanto o trabalho tem sido muito mais de assistência técnica aos produtores", diz Arcari. "Muitos aprenderam a atividade com os pais e os avós, o que é fantástico do ponto de vista da tradição, mas causa certa dificuldade para livrá-los de alguns vícios que prejudicam a qualidade do produto."

Um exemplo é o tempo de fermentação, processo que na uva Goethe é feito inicialmente com a casca. "Chegamos à conclusão que o ideal é que a uva permaneça apenas dois dias com a casca, mas muitos produtores não abrem mão dos quatro dias, pois foi dessa forma que aprenderam com os pais", diz Arcari.

Desde que a associação foi criada, a área ocupada por plantações de uva Goethe no município foi expandida de 28 para 60 hectares, com a produtividade média passando de 12 toneladas para 15 toneladas por hectare. É uma expansão significativa, levando-se em conta os custos. Para plantar um hectare de parreirais, que só começam a produzir depois de três anos, o investimento é de R$ 45 mil.

Recursos. Cada produtor tem buscado fontes alternativas de renda para financiar as reformas, ampliações e investimentos em pesquisa. A Vinícola Mazon foi além do convencional - oferta de hospedagem, almoços coloniais e cursos de degustação - e inovou ao promover eventos, como casamentos, convenções empresariais e até baladas. A mais recente atraiu 1,2 mil pessoas de vários municípios, com ingresso entre R$ 25 e R$ 50.

"Oferecemos open bar dos nossos espumantes. Com isso, criamos mais um atrativo para a festa e ao mesmo tempo uma forma de dar saída à produção", diz Patrícia Mazon, que se formou em História e estava fazendo pós-graduação em História Econômica, 25 anos atrás, quando o pai morreu e ela decidiu se unir à mãe para assumir o negócio, dando sequência a uma prática familiar que remonta ao século 19 na região de fronteira entre Itália e Áustria.

Se depender das novas gerações, a tradição será mantida e aprimorada. Um exemplo é Matheus Damian, 28 anos, filho do presidente da ProGoethe. Já pensando em cuidar dos negócios da família, se formou em Administração e fez MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas, seguido de uma especialização em enologia em Verona, Itália.

Hoje, além de trabalhar diretamente na melhoria e no controle da qualidade dos produtos, Matheus realiza também boa parte dos contatos comerciais da empresa, visitando grandes redes de supermercados e outros revendedores em potencial. "Não me vejo trabalhando em outro lugar. Por isso fiz questão de buscar uma formação e uma prática que me dessem domínio do processo como um todo, desde a preparação da terra para o plantio até a compra do vinho pelo consumidor final", diz.

O vinho branco e o espumante feitos com a Goethe são refrescantes e adequados para o consumo com frutos do mar, comida japonesa e risotos pouco temperados. Quando compradas diretamente dos consumidores, as garrafas custam entre R$ 15 e R$ 25. Por enquanto, 60% das vendas são feitas em território catarinense, 30% no eixo Rio-São Paulo e 10% em outros Estados.


Veículo: O Estado de S.Paulo


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