Decisão do governo de segurar preço da gasolina reduziu a competitividade do álcool e fez o consumo cair nos últimos três anos
Por rodar com 100% de etanol (uma raridade no mundo), o "carro verde" é festejado pelo governo e por empresas. Mas o combustível alternativo está sendo deixado de lado pelo consumidor na hora de abastecer os tanques flex, em razão da falta de competitividade de preço em relação à gasolina.
Desde 2003, quando teve início a venda desse tipo de veículo, o consumo de álcool hidratado cresceu em média 32% ao ano, até atingir 16,4 bilhões de litros em 2009. No mesmo período, a gasolina apresentou elevação anual média de 2,16%.
Nos últimos três anos, enquanto o mercado adquiriu 8,8 milhões de carros flex, o consumo de álcool registrou quedas de 8,5%, 27,7% e 9,6%, respectivamente. O da gasolina, por sua vez, cresceu 17,3%, 18,7% e 11,9%, atingindo volume recorde de 39,6 bilhões de litros no ano passado.
A decisão do governo de segurar os preços da gasolina para conter a alta da inflação, além de tirar a vantagem do álcool - cujo preço precisa ser até 70% do valor da gasolina para compensar a diferença de poder energético -, está reduzindo investimentos no setor sucroalcooleiro.
"Hoje, nenhum programa de inovação tem prioridade para o etanol, nem mesmo levando-se em conta a saúde da população e o meio ambiente", diz Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica).
Ele lembra que os automóveis flex pagam entre 2% e 7% menos Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) que um modelo à gasolina, ainda que o derivado de petróleo seja o combustível mais frequente usado pelo consumidor. O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) também é menor.
Um conjunto de medidas para estimular o setor sucroalcooleiro está previsto para ser anunciado nesta semana. Na opinião de Rodrigues, o governo precisa definir uma política de longo prazo que permita a convivência dos dois combustíveis.
"O setor precisa retomar investimentos na expansão da produção e normalmente são necessários 20 anos para amortizar novos investimentos", diz Rodrigues, ao falar da urgência da sempre reivindicada definição da matriz energética brasileira.
Questão cíclica. Para Henry Joseph Jr, da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a indústria aprendeu que a questão do etanol é cíclica. "Há momentos em que há algum interesse político, estratégico ou econômico por parte do governo em motivar a produção do etanol", diz. "Mas, em outros, esse mesmo interesse vai a zero".
Joseph acredita que, no futuro, o governo vai voltar a se ater para a importância do setor agrícola na matriz energética, até porque ainda não se sabem exatamente os resultados efetivos que as descobertas do pré-sal terão. "Por isso, o carro flex entra como uma luva, pois deixa o consumidor isento do favorecimento ou não que o governo dá ao uso do etanol", afirma.
A discussão de transformar o etanol em commodity está adormecida. "Os dois maiores produtores, Brasil e EUA, são altamente dependentes do consumo interno, por isso o tema está parado", afirma Rodrigues. Para Joseph, essa condição só será alçada com a chegada do etanol de segunda geração (subtraído de diversas matérias-primas), que deverá elevar o consumo do produto em diversas partes do mundo. / C.S.
Veículo: O Estado de S.Paulo