Vendas de ar-condicionado explodem no quente Nordeste

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O processo de inclusão social observado nas duas últimas décadas começa a proporcionar à nova classe média nordestina o sonhado direito ao "refresco". Depois do celular, da geladeira e da TV de tela plana, chegou a vez do aparelho de ar-condicionado, cujas vendas explodiram em uma das regiões mais pobres - e quentes - do Brasil. Se a população das classes C e D já pode ter o equipamento, o mesmo não se pode dizer de sua capacidade de arcar com o ônus dessa aquisição. Frente ao elevado custo da energia elétrica no país, muitas famílias só conseguem desfrutar a climatização por meio de ligações clandestinas.

De acordo com a Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), as vendas do segmento doméstico cresceram 89% no país entre 2007 e 2012, uma média anual de 17,8%. Conselheiro da entidade, Toshio Murakami estima que o Norte e Nordeste tenham avançado 133% no mesmo período, ou 26,7% por ano. Com um calor acima do esperado nos primeiros meses de 2013, varejistas nordestinos apontam números ainda mais expressivos.

Foi numa noite atribulada, há cerca de um ano, que a professora pernambucana Elaine Euriques de Vasconcelos, 35 anos, decidiu pôr fim a uma vida inteira de suadouro noturno. Na reforma de sua casa, no bairro de Dois Irmãos, periferia do Recife, ela optou por um telhado de PVC, o que deixou o ambiente interno ainda mais quente e abafado. "Durante uma noite insuportável, decidi comprar o ar-condicionado. Hoje minha filha é apaixonada por ele", brinca Elaine, que pagou em dez prestações os R$ 899 do aparelho.

O parcelamento no cartão de crédito concentra quase toda a venda de ar-condicionado na Ponto de Promoção, varejista de eletrodomésticos com 50 lojas no Estado. Fernando Mendonça, dono da rede, diz que no ano passado vendeu 40% mais equipamentos do que em 2011. A Eletroshopping, que conta com 142 pontos em cinco Estados nordestinos, registrou avanço de impressionantes 193% no primeiro trimestre deste ano, em comparação com o mesmo período de 2012.

O presidente da Abrava lembra que, por causa do clima, o Nordeste registra um índice de penetração de equipamentos superior à média nacional, hoje em 17% dos domicílios. São raros os dias em que a temperatura não supere os 30 graus na região. Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) apontam que o primeiro trimestre de 2013 está entre os três mais quentes dos últimos 50 anos na capital de Pernambuco.

"É uma somatória da economia, do crescimento do poder de compra e da cultura do uso na região. No Nordeste, o mercado não é sazonal como no Sudeste", afirma Murakami. Ele reitera que é comum a existência de mais de uma unidade nas residências mais abastadas da região, o que dificilmente ocorre com outros eletrodomésticos, à exceção do televisor.

Na casa da professora Elaine há somente um aparelho de ar-condicionado, mas pelo menos cinco gatos circulavam pela sala durante a entrevista ao Valor. Apesar do apego aos felinos, ela não é adepta das ligações clandestinas de energia, até porque no Recife a gambiarra, contrariando outras regiões do país, que a conhecem popularmente como "gato", é mais conhecida por "macaco". Elaine relata que desde que o ar-condicionado entrou na sua vida, a conta de energia aumentou cerca de 20%. O valor mensal da fatura passou de R$ 100 para R$ 120, mais cara que a prestação do aparelho (R$ 90).

Nem todos podem - ou querem - arcar com o custo adicional. É o caso de um taxista que, devido à situação irregular de suas instalações elétricas, não quis ter o nome publicado. "Se a fiscalização vier aqui, desliga a vizinhança toda", disse, ao descrever com detalhes a banalidade dos "gatos" - ou "macacos" - em seu bairro. "Só assim dá para curtir o geladinho", como são chamados os ambientes refrigerados na cidade, diz.

Segundo o conselheiro da Abrava, os modelos mais modernos de ar-condicionado, que respondem por 70% das vendas, consomem bem menos energia do que no passado. Ainda assim, pesam na conta de luz. A Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), controlada pelo grupo Neoenergia, diz ter 1,3 milhão de clientes inscritos na Tarifa Social de Energia, programa do governo federal que dá descontos à população atendida pelos programas sociais, caso da professora Elaine.

A Celpe informou ainda que estão previstas para este ano cerca de 180 mil inspeções e 6 mil blindagens em medidores de clientes que forem flagrados realizando fraudes. O sucesso da fiscalização põe em risco o "geladinho" de muita gente. Ligados ou não, os aparelhos de ar-condicionado funcionam bem como arquétipo da economia nacional, de consumo elevado e gargalos de infraestrutura.


Indústria não dá conta da demanda


As fabricantes nacionais de aparelhos de ar-condicionado não estão conseguindo atender à demanda crescente no país, e o produto está em falta nas prateleiras das principais varejistas da região Nordeste. "Estamos perdendo vendas por conta da falta de produto", disse um gerente da Eletroshopping, rede nordestina controlada pela Máquina de Vendas. Segundo ele, a oferta apertada já resultou em reajuste nos preços. O aparelho mais vendido passou de R$ 799 para R$ 999.

Fernando Mendonça, da rede pernambucana Ponto de Promoção, relata que as fabricantes, instaladas na Zona Franca de Manaus, estão vendendo por cotas aos varejistas.

A fim de conter o avanço das marcas importadas, o governo federal elevou, em maio do ano passado, a alíquota do IPI incidente sobre os aparelhos produzidos fora da Zona Franca de Manaus. A medida resultou, segundo um varejista, no desaparecimento de marcas importantes - ele citou a americana York - do mercado local.

As fabricantes nacionais, porém, não conseguiram atender toda a demanda. Toshio Murakami, conselheiro da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), reconhece a dificuldade que, segundo ele, é passageira. "A indústria brasileira foi surpreendida com um forte calor em todo o Brasil. Os estoques foram consumidos e houve um problema de desabastecimento ", disse.

Segundo Murakami, a situação atual deve permanecer pelo menos até a metade deste ano, mas afirma que a indústria nacional tem capacidade para atender toda a demanda doméstica.



Veículo: Valor Econômico


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