O Ministério da Saúde vem se defrontando com uma epidemia onde a ameaça não está em algum novo vírus ou na falta de remédios, mas na quantidade de medicamentos falsificados despejados no mercado. Em 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apreendeu 850 mil unidades de medicamentos falsos em todo o país, um salto de 1.200% nesse tipo de crime em apenas três anos. Para enfrentar o problema, o governo lançou há três anos o programa Medicamento Verdadeiro. Os falsificadores parecem não ter se assustado. Num segundo esforço, em 3 de abril, a Anvisa encaminhou para consulta pública uma nova proposta para combater a epidemia de remédios falsos, desta vez criando o Sistema Nacional de Controle de Medicamentos.
A instituição propõe rastrear o trajeto de medicamentos, o que poderia barrar as falsificações. O Sistema Nacional de Controle de Medicamentos terá a função de monitorar o remédio desde a produção até sua prescrição e chegada ao paciente. O projeto ficará em consulta pública por 30 dias antes de se tornar norma nacional. Segundo a Anvisa, o prazo de adaptação às novas regras é de 180 dias para a indústria e de um ano para o comércio varejista.
Para controlar todo o sistema, a agência vai adotar um código de barras bidimensional, o Datamatrix. Intitulado como Identificador Único de Medicamento (IUM), funcionará como uma espécie de "RG" de cada remédio, com 13 dígitos, além do número serial, a data de validade e o número do lote. A responsabilidade de gerar estes dados seria da indústria.
"As empresas detentoras de registro junto à Anvisa serão responsáveis por gerar e dispor em cada embalagem de medicamento o IUM, além do número serial, data de validade e o número do lote", explica Dirceu Barbano, diretor-presidente da Anvisa.
A rede de falsificadores envolve fornecedores de insumos, laboratórios muitas vezes ilegais, e distribuidores e varejistas que se espalham por todos os estados disfarçados em camelôs, vendedores de beira de estradas e até pequenas farmácias.
"Há dois tipos de falsificação: uma, por meio de importações ilegais, e outra que ocorre em pontos de vendas não registrados na Anvisa, ou farmácias de pequeno porte em pontos distantes do país", diz Nelson Augusto Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo (Sindusfarma). Mussolini diz que a agência deveria ser mais atuante e não se limitar a campanhas como a do Medicamento Verdadeiro, realizada em 2010.
"Essas campanhas precisam ser repetidas com regularidade e fazer parte do dia a dia do consumidor, para que tenha claro onde comprar seus medicamentos", diz Mussolini. Ele cita como exemplo o ponto de venda conhecido como Feira do Paraguai, em Brasília, onde é possível adquirir medicamentos destinados à disfunção erétil, entre outros, que na grande maioria são falsificados. Drogas para essa finalidade estão no topo da lista dos remédios mais falsificados.]
"O Sistema Nacional de Controle de Medicamentos certamente não fará nenhum tipo de rastreamento em locais como esse." O que se sabe, a partir de registros policiais e de órgãos ligados ao Ministério da Saúde, é que as vendas de remédios falsificados ocorrem em todos os estados do país e que têm como alvos feiras livres, lanchonetes em beiras de rodovias, lojas e até farmácias e drogarias credenciadas. Do total, cerca de 95% dos itens confiscados pela Anvisa foram remédios sem registro na agência.
Uma pesquisa internacional coordenada pela National Academy of Science, nos Estados Unidos, com participação da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo (USP), relata que a falta de fiscalização na circulação de medicamentos e dos seus princípios ativos favorecem a falsificação, principalmente em países subdesenvolvidos. No Brasil, segundo o estudo, o principal problema é a deficiência no controle de fronteiras.
De acordo com estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil, ao lado de países como Índia, Rússia e Turquia, está no grupo de nações onde 25% dos remédios em circulação são falsificados, contrabandeados ou não possuem registro de órgãos públicos reguladores. Ainda segundo a OMS, as vendas de medicamentos irregulares representaram 16% da comercialização global de medicamentos em 2010, o que acarretou prejuízo de US$ 75 bilhões para a indústria farmacêutica mundial.
Veículo: Valor Econômico