As empresas podem durar pouco, mas as carreiras continuam

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Estamos entrando em um novo ciclo da relação entre as empresas e o seu quadro de profissionais. Muito especialmente nos níveis de média e alta gerência. Vivemos em uma sociedade que por muitos anos valorizou o "homem organizacional" através do reconhecimento público e toda simbologia de "status" que as empresas criavam para gerar lealdade e adesão no vínculo organização-indivíduo. 

 

Para alguns historiadores esta valorização do mundo corporativo na vida das sociedades e indivíduos não é nova. Frederick Allen já alertava, em 1930, que a partir da década de 20 "as companhias tiravam das igrejas o papel de principal rede de relações sociais, pois os negócios eram vistos com uma nova veneração." 

 

Curiosamente esta conexão, e dependência, encontraram no mundo acadêmico uma cumplicidade, e forte ponto de apoio, na medida que preparavam profissionais exclusivamente dentro de uma perspectiva do emprego e dando forte valorização- ou até um certo "endeusamento"- do mundo corporativo. 

 

Isto fez surgir várias gerações de executivos que delegaram às empresas todas as responsabilidades e cuidados da sua carreira. Inclusive negociando sua lealdade com as mesmas, em troca de uma série de símbolos de "status" que lhe eram emprestados através de uma política de remuneração e benefícios, enquanto o vínculo empregatício fosse mantido. Não podemos excluir destes "empréstimos" a própria identidade corporativa, que passava a substituir o sobrenome nos relacionamentos pessoais e profissionais. 

 

E um dos fortes mitos que começou a surgir, através das escolas de administração e toda a literatura emergente com os seus respectivos "gurus", é que as empresas eram imortais. Ou seja, corporações que espalhavam seus tentáculos por diferentes segmentos de atividades, ou até distintos continentes e países, jamais poderiam desaparecer, tendo em vista seu tamanho, importância e forte lógica de funcionamento. 

 

Dentro das estruturas familiares o futuro da vida dos filhos era orientado por uma visão dualista de educação para o trabalho- na infância e adolescência- e na fase adulta para o ingresso no mundo das organizações. Qualquer busca da realização por outra via, que não fosse o mundo empresarial, era desestimulado por pais que estavam fortemente influenciados por terem feito suas carreiras em empresas públicas ou privadas. Ou seja, sempre vinculadas ao mundo organizacional e que, preferencialmente, pudessem lhe "emprestar" um belo e valioso sobrenome corporativo. 

 

O final da década 80 e o início dos anos 90 já mostravam fortes indícios desta crise das grandes corporações, com o desaparecimento da PanAmerican e a derrocada da IBM. A professora Rosabeth Moss Kanter, de Harvard ,alertava os executivos para que "aprendessem a dançar com a nova música" com as seguintes afirmativas: 

 

"A empresa é uma construção artificial: nada em sua definição diz que ela deve perdurar ou que deve ser o instrumento central do bem-estar social. Mas a empresa é também muito mais do que um feixe de transações; foi impregnada de sentido e valor por todos os que devotam sua vida a ela e que, portanto, acham que ela é de fato a determinante primária do bem-estar de suas famílias. Contávamos com as empresas para cuidar das pessoas, e cuidar delas no longo prazo. Hoje, porém, até mesmo aquelas empresas com valores e preocupações fortes com sua gente precisam fazer mais mudanças violentas com mais rapidez." 

 

O que nos chama a atenção é que passados tantos anos em que este quadro foi sendo previsto, e sob alguns aspectos até intensificado na sua velocidade pelo processo de globalização, muito pouco mudou do comportamento dos executivos. E nem as instituições formadoras- graduações, pós ou MBA's- foram capazes de alertar sua clientela para estes impactos e seus efeitos. 

 

O jovem executivo que inicia sua carreira no mundo das empresas ainda está buscando uma segurança que não existe mais. Como muito bem analisou Anthony Sampson, em seu brilhante livro "Company Man - The rise and fall of corporate life" quando analisa o final da década 80 , afirma: "A pressuposição de um emprego para o resto da vida fora durante muito tempo o padrão das carreiras profissionais e do serviço público, no coração da classe média. O desemprego da década de 30 tornara a segurança ainda mais valorizada nas décadas do pós-guerra, uma vez que a guerra estimulara atitudes e lealdades quase militares, tornando o serviço público e o privado mais parecidos. Não eram as empresas que exigiam lealdade. Elas faziam parte de um padrão social, junto com a igreja, o exército e as profissões, nas quais se esperavam empregos vitalícios." 

 

E esta crise é hoje também vivida por aqueles executivos que se aposentaram imaginando que estavam protegidos por belos programas de complementação de renda. Mas nunca imaginaram que a perda maior era da sua identidade. Pois no dia seguinte se tornaram apenas "ex"... 

 

Ainda citando Anthony Sampson , diz ele que "os homens de empresa eram os mais vulneráveis da classe média, tanto econômica quanto psicologicamente, pois jamais tinham gozado da mesma identidade social e aceitação das profissões mais antigas. Suas qualificações eram menos definidas, enquanto seus status e amor-próprio sempre dependeram muito da política e das perspectivas empresariais". Na sociedade mais ampla, "o gerente" nunca teve a mesma ressonância que "o doutor", ou mesmo "o major": ele era apenas "algo na indústria". Uma vez forçado a se aposentar prematuramente, longe de seus apoios sociais, podia se descobrir em um ambiente ao qual era inadequado e para o qual estava despreparado. 

 

Prossegue ele, de forma mais cáustica ainda dizendo que "atrás de toda a conversa sobre downsizing e reduzir contagem de cabeças estavam tragédias humanas individuais que recebiam pouca divulgação ou simpatia. Uma figura dignificada no escritório via-se de súbito ignorada e desvalorizada, sendo despedida por jovens arrogantes e com altíssimos salários. Certa manhã, pediam-lhe que limpasse sua escrivaninha e que não voltasse a entrar no prédio que fora sua aldeia durante metade da vida". 

 

Trabalhando com pós-carreira - preparo de executivos para a aposentadoria -, ao longo de mais de 20 anos no Brasil, é possível perceber o quanto esta dificuldade ainda é presente no perfil do nosso executivo típico. 

 

Mas todo este desafio agora é agravado pelo fato que estamos conquistando maiores índices de longevidade, com melhor qualidade de vida, ao mesmo tempo em que as carreiras se tornam, a cada dia, mais curtas. 

 

E fica aqui um alerta: O sucesso na carreira, tanto pessoal como profissional, não é uma responsabilidade das empresas. Administrar a carreira deve constituir-se em projeto e compromisso de cada um. Não pode ser delegada, e muito menos ficar vinculada, exclusivamente, à vida das empresas. Vale sempre lembrar que assim como sua vida é dinâmica também o mundo das corporações sofre mudanças que as torna mortais. 

 

Veículo: Valor Econômico


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