Neil Postman, teórico da comunicação, escreveu em um dos seus livros que a prensa tipográfica criou o conceito de infância e que a mídia eletrônica o fez desaparecer. Para Postman, os jornais impressos, por prescindirem do aprendizado da leitura, guardavam segredos em suas páginas que ficavam afastados do conhecimento das crianças, pelo menos das que ainda não estavam alfabetizadas. Atualmente, com a mídia eletrônica, a barreira foi totalmente superada. Os reflexos dessa mudança, principalmente no que tange ao chamado “bombardeio de publicidade” dirigido especialmente aos pequenos, foi tema do seminário realizado ontem na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs).
Isabella Henriques, diretora de Defesa e Futuro do Instituto Alana, organização não governamental que promove discussões sobre o consumismo na infância e as consequências da publicidade, relata que as crianças estão tendo contato com ações de mercado dentro das próprias escolas. Além disso, é comum que, aos três anos de idade, já apresentem desejos de consumo. “A vontade de ter algo foi despertada nessa criança. A publicidade pode ser feita de maneira sutil, e notamos muito isso na área de produtos alimentícios, que disponibilizam sites de entretenimento, com jogos e brincadeiras”, afirma.
Uma das normas da publicidade é que ela seja facilmente reconhecida com tal. Porém, nem sempre é isso que se observa, pois a maioria das propagandas, em vez de falar das características do produto, aborda valores, como beleza, alegria e emoção. De acordo com Isabella, a criança é muito mais vulnerável a esses apelos.
“Pesquisas mostram que somente por volta dos oito e dez anos é que os pequenos conseguem diferenciar publicidade de conteúdo de entretenimento. E somente depois dos 12 anos é que eles conseguem fazer uma análise crítica sobre a mensagem comercial”, relata. A diretora afirma que existem países, como a Suécia, que proíbem publicidade voltada para menores de dez anos. Na Inglaterra, as empresas que produzem alimentos com alto teor de sódio, açúcar e gordura só podem ter propagandas voltadas para pessoas acima dos 16 anos.
As consequências desse contato prematuro com a publicidade são inúmeras, segundo Isabella. Entre elas, estão a obesidade, a anorexia, o consumismo, o desenvolvimento de valores materialistas e a erotização precoce. “Oliviero Toscani, que fez campanhas publicitárias polêmicas para a marca Benetton, afirma que a publicidade é mais formadora da nossa subjetividade do que o ensino escolar”, conta. De acordo com a diretora, pelo menos no Brasil, a afirmação de Toscani é verdadeira. Em média, uma criança brasileira assiste televisão diariamente durante cinco horas e 17 minutos. Já o tempo que passa na escola é de apenas três horas e 15 minutos.
Para Isabella, é importante que o artigo 227 da Constituição nunca seja esquecido, pois ele diz que a criança é a prioridade absoluta da sociedade e que todos têm a sua parcela de responsabilidade sobre ela . Além disso, a diretora ressalta que é preciso criar leis mais efetivas para o controle da publicidade voltada para o público infantil. Atualmente, está em tramitação no Senado um projeto de lei para modificar o Código de Defesa do Consumidor, incluindo a questão da proteção aos pequenos.
Veículo: Jornal do Comércio - RS