Bactéria ameaça laranjais da Flórida

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Doença provocada por inseto foi descoberta há dez anos no Brasil e já causou prejuízos de US$ 4,5 bilhões à principal indústria do Estado

O setor citrícola da Flórida enfrenta a mais grave ameaça de sua história: uma praga provocada por uma bactéria, para a qual ainda não se encontrou a cura, infectou os 32 condados do Estado onde a fruta é cultivada.

Embora a doença, chamada citrus greening, tenha sido detectada na Flórida pela primeira vez em 2005, os prejuízos causados este ano são imensos. A bactéria, que torna o fruto amargo e provoca a sua queda antes que ela amadureça, afeta todas as frutas cítricas, mas as perdas são mais devastadoras para as laranjas, a principal cultura.

O contágio é tão grande que o Departamento da Agricultura dos Estados Unidos reduziu a estimativa da safra cinco safras consecutivas, o que é extraordinário, afirmaram os analistas. A colheita ainda não acabou, mas a produção de laranjas já encolheu 10% em relação à estimativa original, afirmaram.

"A indústria que é sinônimo da Flórida, que tornou a laranja um alimento indispensável no café da manhã dos americanos, está totalmente ameaçada", disse o senador Bill Nelson, democrata da Flórida, que conseguiu obter uma verba federal de US$ 11 milhões para a pesquisa contra a doença. "Se não encontrarmos o remédio, a praga eliminará o setor de cítricos."

Sua migração constante do sul para o norte da Flórida - e também para outros Estados - este ano intensificou as preocupações dos processadores de suco, dos investidores, de citricultores e parlamentares. A Flórida é o segundo produtor mundial de suco de laranja depois do Brasil. O setor movimenta US$ 9 bilhões e é um dos principais sustentáculos da economia do Estado, contribuindo com 76 mil empregos.

A indústria, afetada ao longo dos anos pelo cancro, por fortes geadas e pelos furacões, já enfrentou grandes dificuldades. Mas a doença é o que mais preocupa. O greening, que pode permanecer em estado de latência de dois a cinco anos, é espalhado por um inseto do tamanho de uma cabeça de alfinete, o asian citrus psyllid. Ele se alimenta da árvore, depositando a bactéria que vai consumindo os seus nutrientes. Os psilídeos voam de árvore em árvore, deixando uma trilha de contágio.

Até o momento, os esforços conjuntos dos citricultores e os milhões de dólares gastos em pesquisa para combater a doença falharam, disseram produtores e cientistas. A situação agravou-se nesta estação em razão de condições climáticas inusitadas, que incluem um inverno seco, afirmaram os produtores.

"Temos um problema realmente enorme", disse Vic Story, que a vida toda se dedicou ao cultivo de cítricos e dirige as Story Companies. Ele é proprietário de 809 hectares de laranjais na região central da Flórida e administra mais 1.200 hectares, todos atingidos pela praga em diferentes níveis. "Esta é a maior ameaça que enfrentei em toda a minha vida, e estou com 68 anos. A doença mata os pés de laranja."

Declínio. Antes deste ano, os prejuízos e o aumento dos custos para combater a doença já afetaram duramente o setor citrícola da Flórida, que está em declínio há 15 anos. Em um relatório apresentado em 2012, analistas agrícolas da Universidade da Flórida concluíram que, entre 2006 e 2012, o greening custou à economia do Estado US$ 4,5 bilhões e 8 mil empregos.

Alguns produtores de suco e pequenos e médios produtores decidiram vender seus laranjais, destruí-los ou simplesmente abandoná-los. Outros adiaram o replantio das árvores condenadas, que levam cinco anos para produzir frutos, até que se encontre uma solução para a doença. E muitos outros, incluindo os maiores produtores, estão fazendo o possível para sobreviver, acreditando que vão aguentar até os pesquisadores encontrarem um tratamento.

Boa notícia. Mas esta semana chegou uma boa notícia. A Coca-Cola anunciou que vai gastar US$ 2 bilhões para plantar 10.100 hectares de novos laranjais. A companhia, proprietária das marcas de suco Minute Maid e Simply, comprará a fruta de dois produtores da Flórida - um local e uma empresa brasileira que investiu no Estado.

"Ver uma companhia que domina o mercado de bebidas dobrar a aposta no futuro do suco de laranja na Flórida é um verdadeiro estímulo ao setor", disse Adam Putnam, comissário da agricultura e ex-parlamentar da Flórida, cuja família é proprietária de laranjais.

Do Brasil. Acredita-se que o psilídeo tenha chegado pelo Porto de Miami há cerca de dez anos, segundo os cientistas. As bactérias, que são inofensivas para o ser humano, devastam as árvores, deixando para trás laranjas amargas, deformadas.

O greening castigou a produção de cítricos no mundo todo, inclusive na Ásia e na África, afirmam pesquisadores da Universidade da Flórida. O psilídio foi descoberto há dez anos no Brasil, país que, com abundante área agrícola, tentou debelar a doença arrancando um número enorme de pés de laranja e plantando em áreas novas.


Doença pode ajudar indústria brasileira a reduzir estoques

Produtores têm 1.114 toneladas de suco em estoque, mais do que todo o consumo do Brasil no ano passado

As indústrias de suco de laranja do Brasil têm uma boa oportunidade para reduzir seus estoques. O citrus greening vem prejudicando os laranjais da Flórida, maior produtor da fruta nos Estados Unidos, e isso deve se refletir nas importações.

As empresas brasileiras contam com um estoque de 1.114 toneladas de suco concentrado, o que corresponde a mais do que todo o consumo no Brasil no ano passado. Agora parte desse produto pode ter como destino o território americano, maior comprador da laranja produzida por aqui.

O greening tem feito o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos rebaixar mês após mês a expectativa de produção de laranja. A doença é transmitida por insetos do tamanho de grãos de arroz que, ao sugarem o líquido das folhas, deixam as bactérias que podem paralisar o sistema vascular de uma árvore, cortando o fluxo de açúcar e outros carboidratos das folhas para as raízes.

A doença torna as árvores extremamente fracas para sustentar o crescimento saudável dos frutos. A laranja é prejudicada e fica com um sabor ácido, vindo a cair do pé.

De acordo com o engenheiro agrônomo Walkmar Brasil, que também é membro da Câmara Setorial da Citricultura, a planta infectada morre em dois anos e meio ou até mesmo antes disso.

Segundo ele, a doença foi debatida na reunião da Câmara realizada na quinta-feira. Um técnico que esteve acompanhando o problema nos Estados Unidos falou sobre a situação atual. Se for mantida a queda prevista, a produção naquele país em 2013 não deve chegar a 140 milhões de caixas de laranja.

A colheita menor pode fazer os americanos comprarem mais suco do Brasil, ajudando a reduzir os estoques das companhias brasileiras em razão das últimas grandes safras e da retração no consumo mundial.

Estudo do Centro de Estudos em Economia Aplicada (Cepea) confirmou que devem ser criadas oportunidades de exportação de suco de laranja para a safra do Brasil, por causa do greening e também da seca severa que vem prejudicando as lavouras da Flórida.

Em São Paulo. O agrônomo Walkmar Brasil diz que a doença também tem sido um problema no País, principalmente no Estado de São Paulo, onde a queda na produção pode passar dos 20% por causa das pragas.

Um estudo ainda está sendo realizado, mas ele explica que em São Paulo apenas a região noroeste não sente tanto os efeitos do greening. No ano passado, no Estado, o aumento da contaminação dessa praga nos pomares foi de 82,8% em comparação com 2011.

Relatório da Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado aponta que no segundo semestre de 2012 foram erradicadas 4 milhões de plantas com sintomas do greening e 14,5 milhões por outras doenças e motivos.

O relatório também mostra que, no mesmo período, foi replantado somente 1,1 milhão de plantas cítricas. As regiões com maior porcentagem de plantas eliminadas por causa do greening foram Limeira (6,4%), Ribeirão Preto (5,5%), Jaboticabal (3,3%), Araraquara (2,9%), São João da Boa Vista (2,8%), Mogi Mirim (2,6%) e Bauru (2,2%).

Perspectiva. O presidente da Associação Brasileira de Citricultores (Associtris), Flávio Viegas, acredita que para o citricultor do Brasil a redução da produção na Flórida, provocada pela doença, não deve ser sentida.

Isso porque a indústria deve alegar que conta com grandes estoques na hora de negociar a aquisição da laranja. "Era para esse problema nos Estados Unidos fazer subir o preço da fruta aqui, mas infelizmente não creio que isso irá acontecer", afirmou. Para ele, o fato de poucas empresas controlarem o mercado também deve pesar contra o produtor.



Veículo: O Estado de S.Paulo


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