Conheça o capitalismo consciente, modelo que promete ganhos maiores para as empresas que fazem a diferença. E aprenda com as histórias de companhias como Whole Foods, Patagonia, Southwest Airlines, Pão de Açúcar e Walmart
Por Rodrigo CAETANO e Rafael FREIRE
Assista à entrevista com o editor-assistente de negócios, Rodrigo Caetano
O Grupo Pão de Açúcar (GPA) é o maior varejista brasileiro, com receita líquida de R$ 50,9 bilhões. No ano passado, seu lucro foi de R$ 1,1 bilhão, uma alta de 60%. Por qualquer ângulo que se veja é sem dúvida alguma um desempenho excelente, especialmente em um ano em que a economia brasileira cresceu apenas 0,9%. Mas lucro em ascensão e constante seria uma prova definitiva de que uma empresa está no rumo certo? Para um grupo de empresários ao redor do mundo, entre eles o próprio Abilio Diniz, presidente do conselho de administração e principal acionista minoritário do GPA, a resposta é não. “Há algo além do lucro”, afirmou ele à DINHEIRO.
Pregação consciente: Abilio Diniz e o professor Raj Sisodia tentam
convencer as empresas brasileiras a adotarem um modelo
mais responsável de fazer negócios
Diniz, que também acumula o comando do conselho de outro gigante corporativo do País, a BRF, não está renegando um dos pilares do sistema capitalista. Afinal, segundo ele mesmo costuma apregoar, sem lucro, não há empresa. O que Diniz e muitos outros empreendedores estão descobrindo é que a lucratividade, pura e simples, não pode ser o único objetivo de uma companhia. “O empresário precisa ter orgulho do que faz e consciência do que acontece à sua volta”, afirma Diniz. “O propósito das empresas é gerar valor, qualidade de vida e felicidade.” Diniz não está sozinho nessa pregação. Nem é dele um conceito que a cada dia ganha mais adeptos no mundo corporativo.
Trata-se do capitalismo consciente, um movimento liderado pelo guru indiano Rajendra Sisodia, professor de marketing da universidade Bentley, nos Estados Unidos, que esteve, na semana passada, no Brasil, participando de um seminário da Associação Paulista de Supermercados (Apas). Criado nos Estados Unidos, há cerca de seis anos, esse modelo de gestão baseia-se na ideia de que as empresas devem mover-se com uma motivação maior do que a simples busca da lucratividade. “Esse modelo de capitalismo de Wall Street, centrado nas finanças, não tem futuro”, afirma Raj, como é conhecido internacionalmente o professor (leia entrevista exclusiva: "O modelo de Wall Street não tem futuro" ao final da reportagem).
Ditas assim, as palavras de Raj podem soar como se tivessem saído diretamente de um livro de autoajuda de qualidade duvidosa. Na verdade, as ideias desse professor indiano estão ganhando eco em empresas como a Whole Foods, maior varejista de produtos orgânicos do mundo, a Patagonia, que vende roupas esportivas, e a companhia aérea americana Southwest. No Brasil, o conceito ainda é incipiente, mas a filial local do Walmart e o próprio Pão de Açúcar podem ser considerados adeptos dessa nova onda do capitalismo. O paradoxo do capitalismo consciente é que, ao não visarem exclusivamente ganhar dinheiro, as companhias que o seguem têm um desempenho melhor do que seus pares que não o adotam.
De acordo com uma pesquisa feita pelo guru Raj, de 128 empresas americanas que colocaram em seu dia a dia os preceitos de sua filosofia de gestão, mais da metade delas (77) teve suas ações valorizadas acima da média das bolsas dos Estados Unidos em que eram cotadas. É o caso da Whole Foods. Criada na década de 1980, a empresa especializou-se em vender produtos naturais e orgânicos. No ano passado, a varejista, que atua nos Estados Unidos, no Canadá e na Inglaterra, faturou US$ 11,7 bilhões, quase 50% mais do que em 2008. Suas ações nesse período valorizaram-se 248%. A evolução do índice Nasdaq, onde são negociadas, foi de apenas 35%. Em cinco anos, seu lucro cresceu mais de quatro vezes, atingindo US$ 465,6 milhões em 2012.
Esse desempenho excepcional aconteceu justamente em meio a uma das mais graves crises econômicas mundiais, que afetou, principalmente, os mercados americano e europeu, bases de suas operações. Detalhe: a Whole Foods alcançou esse resultado sem cortar custos, demitir funcionários ou adotar práticas ultracompetitivas de gestão para pressionar seus executivos. “Pode não ser intuitivo, mas a melhor forma de aumentar os lucros é não fazer disso o principal objetivo do negócio”, afirma John Mackey, fundador da Whole Foods, em um manifesto a favor do capitalismo consciente. “Todo profissional tem um propósito. Por que as empresas não podem fazer o mesmo?” O objetivo da Whole Foods, por exemplo, não é meramente vender produtos orgânicos. Mas sim, saúde. Isso mesmo.
Seu propósito é ensinar os consumidores a se alimentarem de forma mais saudável para ter uma vida melhor. Além disso, a rede varejista não se abastece com grandes fornecedores para conseguir preços menores. Suas 350 lojas são supridas por pequenos agricultores das redondezas dos locais nas quais estão instaladas. Trata-se de uma prática sustentável. Mas não confunda o conceito de capitalismo consciente com o de sustentabilidade. É fácil de entender a diferença quando se conhece a história da Patagonia, fabricante californiana de roupas para esportes de aventura, considerada um dos principais exemplos do conceito. Em 2011, a grife publicou um anúncio no jornal The New York Times, em plena Black Friday – o dia que dá início à temporada de compras de fim de ano nos EUA –, pedindo aos consumidores para não comprarem seus produtos.
É como se pedíssemos para que os leitores parassem de ler esta reportagem a partir deste ponto. A peça publicitária, no entanto, não era mera retórica de algum gênio do marketing. O fundador da Patagonia, o alpinista Yvon Chouinard, acredita, de verdade, que vendendo produtos de alta durabilidade seus clientes não precisarão comprar roupas por um bom tempo. A tática pode parecer um tiro no pé, mas os números comprovam que Chouinard não está errado. O faturamento da empresa foi de US$ 540 milhões no ano passado, 30% maior do que em 2011. É claro também que a Patagonia tem uma pegada sustentável. Ela utiliza apenas algodão orgânico para produzir suas roupas. Todo ano, destina 1% de sua receita ou 10% do lucro, o que for maior, para grupos de proteção do meio ambiente. O estilo de gestão de Chouinard também é único.
Seu método é o de administrar pela ausência. “Odeio quando alguém me fala o que devo fazer; então, não consigo fazer isso com os outros”, afirmou Chouinard, em entrevista à revista americana Inc. “Sempre contrato pessoas que são boas no que fazem e apenas as deixo trabalhar sozinhas.” Eis aí outro pilar do capitalismo consciente: desenvolver uma relação de confiança entre os membros de sua equipe (leia mais no quadro "Manifesto"). Essa é uma das especialidades da Southwest Airlines. A companhia aérea, com sede em Dallas, celebrou no ano passado seu 40º ano seguido de lucro, ao registrar ganhos de US$ 421 milhões, mais do que o dobro do obtido em 2011. Nada mal para uma empresa que atua em um setor que enfrentou sérias dificuldades nos últimos anos. Gigantes desse mercado, como American Airlines e Delta, chegaram a entrar em recuperação judicial.
A força da Southwest está em seus funcionários. Ela é conhecida por ter os empregados mais engajados do mercado. Consegue esse comprometimento ao inverter uma tradicional regra do marketing. Para ela, os funcionários vêm em primeiro lugar – os clientes, é claro, estão logo em seguida nessa fila. Essa receita se reflete nos seus números operacionais. A pontualidade dos voos beira os 85%. “É só ficar fora do caminho”, afirmou Herb Kelleher, 82 anos, um dos fundadores da Southwest e ex-CEO da companhia, ao explicar como motivar a equipe. “O conceito é simples, mas a execução é demorada. É preciso mostrar que eles são tão importantes para a empresa quanto a empresa é para eles. Mas não se trata de um trabalho que você faz por seis meses e dá por finalizado. É uma tarefa diária.”
CONSCIÊNCIA À BRASILEIRA O conceito de capitalismo consciente ainda engatinha no País. Em sua passagem pelo Brasil, o guru indiano Raj não apenas falou para uma plateia de empresários do setor varejista. Ele também visitou empresas. Uma delas foi a fabricante de cosméticos Natura, na terça-feira 7. Ele se encontrou com Diniz na sexta-feira 10, em evento na casa do empresário, no bairro do Jardim América, em São Paulo. Na ocasião, o anfitrião reuniu um seleto grupo de lideranças locais para ouvir as ideias do professor indiano. Diniz conhece Raj desde 2010. Há dois anos, trouxe-o a São Paulo para um encontro com 400 funcionários do Pão de Açúcar, incluindo diretores e gerentes.
Abaixo a ganância: o movimento Occupy Wall Street, criado em 2011, protestava contra o famoso 1%
que vivia à custa de 99% de excluídos na sociedade
“As empresas são agentes socioeconômicos, com responsabilidades e deveres”, afirma Enéas Pestana, presidente do grupo. “Por isso, devem incluir entre seus objetivos estratégicos o de contribuir para uma sociedade melhor.” Ainda que lentamente, o conceito começa a fisgar mais companhias por aqui. A subsidiária brasileira do Walmart é uma delas. Em 2010, a rede de supermercados lançou um programa que incentiva os fornecedores a desenvolverem produtos e métodos de produção mais eficientes. A ideia foi utilizar o poder de compra do Walmart, um colosso que fatura R$ 25,9 bilhões e vende mais de 60 mil produtos no Brasil, oferecendo em troca maior valorização das novas mercadorias em suas gôndolas.
Nos últimos três anos, 21 fornecedores lançaram 23 produtos alinhados às exigências do programa. Um dos casos mais bem-sucedidos foi o do curativo Band-Aid, da americana Johnson & Johnson, que passou a ser vendido em uma embalagem 18% menor e com 30% de material reciclado. “Buscamos fomentar uma nova maneira de pensar a cadeia de consumo, com produtos que tragam benefícios ao consumidor, ao negócio, aos parceiros e ao planeta”, afirma Marcos Samaha, presidente do Walmart. Espécie de reengenharia do bem, o capitalismo consciente começou a ganhar força a partir de 2008, na esteira da crise financeira global.
Em especial, com o movimento Occupy Wall Street, criado em 2011, que protestava contra a desigualdade econômica, a ganância e o poder das empresas, sobretudo do setor financeiro – o famoso 1% que vivia à custa de 99% de excluídos na sociedade. No mundo atual, a filosofia de vida de Gordon Gekko, personagem protagonizado pelo ator Michael Douglas no filme Wall Street – Poder e Cobiça, de 1987, não é mais celebrada como no passado – o próprio Gekko, em novo filme, de 2010, já não acredita em sua frase de que “a cobiça é boa”. “As empresas que ainda não perceberam isso podem até parecer grandes e fortes”, diz Raj. “Mas vale lembrar que os dinossauros também eram grandes e fortes e acabaram extintos.” E aí, sua empresa vai ficar de fora dessa nova onda do capitalismo?
“O modelo de Wall Street não tem futuro”
O professor indiano Raj Sisodia, fundador do movimento capitalismo consciente, falou com exclusividade à DINHEIRO:
O que significa capitalismo consciente?
Trata-se de uma nova maneira de pensar os negócios. Sempre assumimos que a meta principal dos empreendedores é ganhar dinheiro. Mas, analisando a história das empresas, descobrimos que a maioria delas é criada por um motivo que é mais do que a simples busca pelo lucro. O que os empreendedores querem, geralmente, é cumprir uma missão e causar algum impacto no mundo. Isso é o que chamamos de propósito maior do negócio e é a base do capitalismo consciente. As empresas que buscam fazer a diferença são as que, no final das contas, acabam tendo um desempenho melhor e mais lucro.
Do que se trata, exatamente, esse propósito maior do negócio? É uma meta ou um conjunto de valores que a empresa precisa seguir?
Vou dar um exemplo. Quando foi criada, a varejista Whole Foods, hoje a maior rede mundial de produtos orgânicos, tinha como propósito mudar a maneira como as pessoas pensam sobre comida. O objetivo não era apenas vender alimentos e ganhar dinheiro. Eles se importam com a saúde dos clientes e buscam ensiná-los a ter uma vida mais saudável. Fazendo isso, a empresa consegue melhorar a qualidade de vida dos consumidores. É nisso que os seus fundadores e todos os funcionários realmente acreditam. Esse é o propósito do seu trabalho. E, quanto mais dinheiro ganham, mais eles acreditam nesse propósito.
Mas como aplicar o modelo em mercados como o de petróleo ou o de cigarros?
Empresas de qualquer setor podem adotar o capitalismo consciente. No caso do mercado de óleo e gás, o propósito das empresas pode ser como tornar a produção de energia mais eficiente e sustentável. O conceito também não está associado somente à maneira como você faz negócios, mas ao modo como as pessoas são tratadas dentro e fora das organizações. Muita gente passa 14 horas no trabalho todos os dias. As companhias precisam se preocupar em como inspirar as pessoas e com o que vai acontecer com elas no futuro. Agora, em relação ao tabaco, é um pouco mais difícil. Eu diria que as fabricantes de cigarro deveriam se preocupar em encontrar outras formas de satisfazer seus consumidores.
Uma de suas propostas é um novo sistema operacional para as empresas. Como isso funciona?
Digo que é um sistema centrado nas relações humanas. As pessoas costumam ser tratadas como um meio para um fim. Ou seja, meu objetivo é ganhar dinheiro e, para isso, eu preciso ter funcionários e clientes. Por conta disso, a maioria das empresas acaba usando o medo de perder o emprego como um fator motivacional. Isso tende a gerar muito estresse. O medo faz com que as pessoas busquem apenas sobreviver. Em um ambiente assim, não há colaboração ou inovação. O ideal é que a companhia busque o engajamento dos funcionários, convencendo-os de que estão trabalhando com um objetivo. Grandes líderes, como Martin Luther King e Gandhi, sempre usaram o amor para engajar as pessoas em suas causas. Eles devem servir de exemplo para as empresas. É muito mais fácil trabalhar em um ambiente em que o amor e o respeito são o mais importante. Ser consciente significa entender as consequências de suas ações. Em uma empresa consciente, todos são importantes à sua maneira.
A questão é que muitas empresas com ambientes hipercompetitivos, como a cervejaria Ambev, são extremamente lucrativas.
É possível atingir um ótimo desempenho usando o medo como motivação. Mas será por um período limitado de tempo. Eu poderia correr muito rápido se estivesse sendo atacado por um leão. Só não sei quanto tempo aguentaria. Os seres humanos evoluem rápido. No mundo atual, há muita tecnologia e informação. Os valores da sociedade estão mudando. Cada vez mais pessoas se preocupam com o propósito das suas ações. As empresas que não perceberam isso podem até parecer grandes e fortes. Mas vale lembrar que os dinossauros também eram grandes e fortes e acabaram extintos.
É possível afirmar que as empresas conscientes são mais lucrativas?
Sim, absolutamente. Pesquisas que fiz para um dos meus livros mostram que, em longo prazo, as empresas conscientes conseguem desempenho mais de duas vezes melhor. É muito simples. Basta olhar para as companhias que lideram o ranking das melhores empresas para trabalhar. A relação entre um bom ambiente de trabalho e o desempenho das companhias na bolsa, por exemplo, é evidente.
Qual é o primeiro passo a ser dado para se tornar uma empresa consciente?
O primeiro passo que o CEO ou o empresário têm de tomar é fazer uma autoanálise. Ele precisa responder a algumas perguntas. A primeira é: no que ele realmente acredita? Outra questão é: qual o motivo de sua empresa existir? Por fim, o que vai acontecer se a companhia desaparecer? Se a resposta para esses questionamentos for ganhar ou deixar de ganhar dinheiro, ele vai precisar de ajuda. Em alguns casos, é preciso voltar à época da fundação da empresa para responder a essas questões.
Como o sr. vê a evolução desse conceito nos países emergentes, como o Brasil e a Índia?
Vejo com certa preocupação. Há uma tendência, nesses países, de achar que não é preciso se preocupar com isso porque há crescimento econômico e investimentos. Trata-se de um grande desafio. O fato é que se você cresce da maneira tradicional acaba gerando uma série de efeitos colaterais negativos, especialmente em relação à qualidade de vida das pessoas. Sem contar que a melhor hora para realizar mudanças é quando tudo está indo bem.
O capitalismo, tal como é hoje, vai acabar?
O capitalismo não pode acabar. Isso seria um desastre. Agora, esse modelo de capitalismo de Wall Street, centrado nas finanças, não tem futuro. O que acontece é que o rabo está abanando o cachorro. Analistas financeiros não são capazes de dizer como uma empresa deve ser gerida. Eles não entendem as complexidades dos negócios, apenas possuem modelos matemáticos. Mas negócios não são apenas números, existem pessoas e relações humanas envolvidas. A cobiça não é uma virtude.
“As empresas precisam gerar valor para todos”
O empresário Abilio Diniz, presidente do conselho do Grupo Pão de Açúcar e da BRF, conheceu o conceito de capitalismo consciente há três anos. Ele fala sobre o tema nesta entrevista exclusiva à DINHEIRO:
Quando e como o sr. passou a seguir os mandamentos do capitalismo consciente?
Fui apresentado há cerca de três anos ao Raj Sisodia, por uma executiva do Pão de Açúcar. Li o primeiro livro dele e achei que tinha tudo a ver com o que estávamos pensando em relação ao futuro da empresa. Acabei convidando-o a vir ao Brasil e ficamos amigos. Hoje, trocamos muitas experiências e informações. Tem sido muito gratificante.
Segundo o professor Raj, o primeiro passo para aderir ao capitalismo consciente é fazer uma autoanálise. O sr. já fez isso?
Com a gente foi um pouco diferente. Quando comecei a ler sobre o conceito, percebi que já estava inserido nele. O Grupo Pão de Açúcar sempre foi uma empresa consciente, preocupada com o que acontece à sua volta. Isso sempre foi um dos valores do nosso negócio.
Qual é o seu propósito maior?
O lucro é muito importante e tem de ser um objetivo. Mas existe algo além do lucro, que é o orgulho do que você faz. As empresas precisam gerar valor para todos. É preciso ter compromisso com as pessoas, cultivar a harmonia e a felicidade. Fazendo isso, o dinheiro toma conta dele mesmo.
Veículo: Revista Istoé Dinheiro