Para tentar encaixar todas as contas do mês no orçamento doméstico, um número maior de brasileiros tem optado por uma estratégia perigosa: parcelar a compra de bens considerados de consumo imediato, como alimentos e combustível. Fatiar a conta na hora de fazer a feira ou encher o tanque do carro pode até aliviar o bolso momentaneamente, mas aumenta — e muito — os riscos de um endividamento fora de controle.
Divulgado este mês, um levantamento nacional feito pela Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ) em parceria com o Instituto Ipsos indica o aumento de consumidores apelando para o parcelamento no cartão de crédito nas transações em supermercados. No primeiro trimestre de 2013, esse percentual chegou a 11%, contra 7% nos primeiros três meses do ano passado. Foram consultados mil brasileiros de 70 cidades, incluindo nove regiões metropolitanas.
O maior crescimento dessa modalidade se deu em março, quando foi alcançado o pico de 18%. Embora os índices tenham atingido os patamares mais elevados dos últimos sete anos, o superintendente de Economia da Fecomércio-RJ, João Gomes, acredita que a opção por parcelar os produtos colocados no carrinho é um comportamento temporário, uma vez que os números de abril — ainda não concluídos — mostram recuo, conforme adiantou ele.
A pesquisa não traz a avaliação desse cenário, mas Gomes credita o salto nas compras parceladas à inflação dos alimentos. “Tudo indica que essa tenha sido a principal influência”, disse. O crescimento moderado do crédito no país e as taxas de inadimplência acomodadas fazem o economista crer que os percentuais, por ora, não preocupam. “É um instrumento que existe e que está sendo usado”, comentou.
Para o educador financeiro Álvaro Modernell, os consumidores precisam “acender a luz amarela com urgência”. “Se até para as compras básicas, como alimentação, está sendo necessário alongar a dívida com parcelamentos, algo está errado”, percebeu. Compras a prazo, orienta, devem ser cogitadas preferencialmente para bens duráveis. “Todo e qualquer consumo imediato teria de ser pago à vista, para evitar o endividamento”, decretou.
Readequação
Modernell teme o uso indiscriminado do crédito. “O problema é que as pessoas vão parcelando, deixam de se preocupar, e a dívida vai se alongando.” Em época de inflação alta, acrescenta o especialista, a solução não está em necessariamente trocar produtos e marcas. “É preciso readequar as contas como um todo. Se o aperto chegou à alimentação, o endividamento pode ter sido provocado por outras contas.”
Toda vez que Leonardo José de Miranda, 69 anos, vai ao supermercado, ele se espanta com os preços nas prateleiras. As compras somam cerca de R$ 400 por mês, valor que o autônomo não tem condições de quitar à vista. Para manter o padrão de consumo, acaba parcelando em, pelo menos, duas vezes. “Não tem outro jeito: com os alimentos em alta, o jeito é parcelar”, desabafou ele, que já chegou a pagar 20% a mais da fatura do cartão por conta dos juros.
A universitária Lieci de Souza, 53, não vê escapatória na hora de abastecer o carro. A cada 15 dias, ela enche o tanque — algo em torno de R$ 100 — e parcela a conta em pelo menos três vezes. “Tem época em que a gente gasta mais, fica apertado, e o jeito é dividir mesmo”, justificou. Há meses, no entanto, em que Lieci até tem dinheiro para pagar à vista, mas lembra de outras “prioridades” e prefere utilizar o cartão de crédito.
Veículo: Diário de Pernambuco