Design de loja precisa ir além da arquitetura

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Quem passa pela calçada da rua Girassol, no bairro paulistano da Vila Madalena, não deixa de notar a bela morena lambendo os dedos, destaque da fachada de uma das casas. A imagem faz parte de um conjunto de conceitos que compõem a Amüse Food Store, butique gastronômica concebida há oito meses pela chef Cintia Dumiense e a atual sócia Karina Gesteiro. "A proposta era aliar o conceito de comida pronta com o de comportamento. Queríamos um espaço diferente, uma comunicação mais sexy. Quer beber mais, bebe; quer repetir, repete; se sujou, não tem problema", diz Cintia.

A tradução do conceito do negócio foi possível por meio de várias ferramentas de design, desde a concepção arquitetônica do espaço até a escolha das embalagens, a comunicação visual, a apresentação dos produtos e o slogan da empresa, "comer sem pudor". Os congeladores, por exemplo, são pretos; molhos, caldas e reduções são encontrados em bisnagas tradicionalmente usadas para embalar tinturas de cabelo; as porções são, na maioria das vezes, individuais, e muito bem apresentadas. Há até uma máquina de assar frango. "O segredo está no tempero, no ambiente e no cardápio que oferece desde farofinhas especiais até cortes de vitelas preparados, congelados e embalados a vácuo", diz Cintia. "Assim como o consumidor descobre os sabores ao provar pratos diferenciados, a ideia é que ele descubra cada espaço da loja e viva sua própria experiência."

A Amüse Food Store é um exemplo do quanto o pequeno e médio varejista passou a se interessar (e a adotar) o design de loja como instrumento de valorização da marca e de aumento das vendas nos últimos cinco anos. Estudo do Instituto para Desenvolvimento do Varejo revela que 66% dos investimentos do segmento deverão ser destinados a melhorias nas lojas físicas.

Há 25 anos à frente da FAL Design Estratégico para varejo, com sede em São Paulo, o arquiteto Manoel Alves Lima lembra que há pouco mais de uma década eram poucos os escritórios voltados a projetos para o varejo. Hoje, a oferta de serviços é maior, revelando o potencial de um mercado que tem muitos nichos a serem explorados. Na sua visão, o grande desafio do varejo atual é conquistar fãs e não apenas clientes. "Isso só se tornará possível com a interação de todos os pontos de contato da marca, seja no mundo virtual, seja no mundo físico", diz. "Quando o cliente entra na loja, deve entrar no mundo da marca e não apenas no universo dos seus produtos. Por isso, cada vez mais o varejo físico tende a se transformar em um espaço de troca de experiências, numa oportunidade de conversar, colher informações e enxergar o consumidor no momento da compra."

Para tanto, não basta cuidar apenas da arquitetura da loja, o projeto de design deve contemplar a arquitetura, interiores, design de equipamentos, iluminação técnica, vitrine, design gráfico e visual merchandising, além do uso da tecnologia a favor da experiência e não mais apenas da gestão do varejo. Com essa receita a FAL já desenvolveu conceitos para mais de 120 empresas de vários segmentos, entre elas, Brooksfield, Sony, Pão de Açúcar, C&A, Pernambucanas, Bob's e Bauducco. Neste ano deve somar 250 projetos.

Em média, um projeto para uma loja de 60 m2 custa R$ 4,5 mil por metro quadrado. "O aumento de vendas depois da repaginação da loja gira em torno de 30%", diz o arquiteto Julio Takano, sócio da Kawahara Takano Soluções para o Varejo, sediada em São Paulo, com mais de 954 mil m2 projetados e cem conceitos de lojas desenvolvidos, entre eles as da Artex, Hering Store, Cavale ra e O Boticário.

Takano salienta que o varejo vivencia dois grandes movimentos que têm acelerado a busca por lojas mais eficientes e convidativas. O primeiro é a ascensão da nova classe média, que não busca apenas preço, pede mordomias que antes eram restritas ao varejo das classes A/B. O segundo é a crescente abertura de lojas por parte da indústria. "Em ambos os casos fica claro que o varejo que vende um pouco de tudo, de alface a pneus, não responde mais às novas demandas", diz. "O consumidor brasileiro está exigente e os empresários percebendo que não basta vender commodities, é preciso variar produtos e adequar o ambiente da loja ao estilo de vida do consumidor." Mas o arquiteto destaca que não basta ser belo, é preciso ser eficiente, porque hoje o custo dos espaços e a escassez de áreas têm elevado o valor dos investimentos e diminuído sensivelmente as margens das operações.

A opinião é partilhada por Tito Ficarelli, sócio da Arkitito, escritório de arquitetura paulista, responsável pelas lojas das grifes Carmim, Carmen Steffens e Alexandre Hercovitch. "A demanda cresceu muito, principalmente, por parte do pequeno e médio varejo, que tem na loja física a grande moldura para externar o conceito da marca", diz Ficarelli. "Nós, se quiséssemos, só trabalharíamos para o segmento, porque as lojas têm de se repaginar em períodos mais curtos, em torno de 2,5 anos e mudar totalmente o visual em quatro ou cinco anos, sob a pena de perder atratividade aos olhos do consumidor."

O aumento do número de shopping centers fora das grandes capitais em todo o Brasil também tem aumentado a demanda dos escritórios especializados, principalmente, dos que operam em nichos. É o caso da arquiteta Valéria Araújo, do Rio de Janeiro, que desde 1995 especializou-se em projetos para redes de franquia, principalmente de alimentação, assinando o design de lojas do Grupo Trigo, Bob's, Camarão & Cia e a loja Verdano, da Mundo Verde. "Atualmente, o ideal é ter um ponto de venda que possa mudar, porque o varejo tende a possibilitar novas experiências ao cliente", diz. "Isso é possível com a adoção de novos revestimentos, quadros, expositores, adesivos, fotos e recursos digitais. Tudo isso, entretanto, não terá a mesma eficiência se a loja não tiver conceitos fortes de sustentabilidade."



Veículo: Valor Econômico


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