A demissão do executivo Heraldo Marchezini do comando do grupo francês Sanofi-Aventis no Brasil expõe problemas no seu braço de medicamentos genéricos
Os últimos anos na trajetória da francesa Sanofi-Aventis no Brasil foram de uma verdadeira vie en rose – como na canção popularizada na voz da conterrânea Édith Piaf. Depois de comprar por R$ 1,5 bilhão, em 2009, a brasileira especializada em medicamentos genéricos Medley, a empresa conseguiu ser a única entre as grandes da indústria farmacêutica global a se manter na disputa pelo topo do ranking do mercado nacional. Na última década, companhias como as suíças Novartis e Roche, a americana Pfizer e a alemã Bayer perderam as primeiras posições, sendo que algumas delas (Roche e Bayer) até deixaram a lista das dez maiores, abrindo espaço para empresas nacionais vitaminadas pelas vendas crescentes de genéricos.
A Sanofi, em conjunto com a Medley, continuou disputando comprimido a comprimido a primeira posição com o grupo EMS, do empresário paulista Carlos Sanchez, que inclui a EMS Pharma, a Germed e a Legrand. Mas esse período parece ter ficado para trás. Na semana passada, o laboratório francês anunciou que o executivo Heraldo Marchezini, presidente da empresa para a América Latina e para o Brasil, seria substituído no comando do grupo no País pelo francês Patricie Zagame, recrutado na Novartis. Evitando polemizar com seu antigo empregador, Marchezini, conhecido no mercado por ser elegante com os parceiros e até com os competidores, afirmou a amigos que era normal que o seu ciclo na empresa chegasse ao fim depois de 25 anos na operação.
Mas outra explicação, certamente mais robusta, para a sua saída pode ser encontrada nos números da Medley dos últimos meses. Mesmo com as estratégias agressivas de vendas da rival EMS Pharma, a empresa de genéricos da Sanofi conseguia liderar com certa folga esse nicho. Nos últimos doze meses, porém, a diferença entre elas – que era de 26,97% de participação para a Medley, em agosto de 2012, contra 24,39% da EMS – foi se estreitando. Até que, em junho deste ano, as posições se inverteram. A EMS ficou com uma fatia 21,78% de participação e a Medley baixou para 21,56%. Segundo uma fonte do setor, esse resultado pode ser creditado a um processo que se iniciou há dois anos na Medley.
A Sanofi decidiu que era hora de começar a mudar a gestão da controlada e aproximá-la do seu próprio estilo. Em junho, o diretor comercial da Medley, Milton Spinelli, foi substituído por Valdomiro Rodrigues. No fim do ano, foi a vez do presidente, Decio Decaro, se afastar, num período em que Marchezini acumulou interinamente o comando dos dois laboratórios. Em janeiro passado, foi a vez de Wilson Borges assumir o comando da Medley. A instabilidade no topo teria causado um escorregão operacional. “O mercado de genéricos está acostumado a operar com as mesmas pessoas”, diz a mesma fonte. “Ele possui uma dinâmica própria, que vai das negociações com as grandes redes aos contratos comerciais.” Ao mesmo tempo, a Sanofi precisou cortar investimentos em sua área comercial.
Foram reduzidos os recursos para aumentar a exposição de seus produtos nas gôndolas das grandes redes, como displays e jornais e folhetos promocionais dirigidos aos consumidores. Além disso, duas pressões adversas do mercado brasileiro estragaram o humor da matriz. De um lado, o mercado de genéricos brasileiro sofre com margens baixas de lucratividade, ao exigir descontos de até 95% dos preços dos produtos para os varejistas. “As empresas precisam rever seus preços a cada negociação com as redes”, diz Telma Salles, presidente-executiva da Pró-Genéricos, associação das indústrias do setor. De outro lado, o aumento do dólar, que pesa fortemente na compra de insumos para a produção de remédios, de R$ 1,60 para o atual patamar de R$ 2,20, tornou os investimentos no País mais caros.
No meio desse disputado negócio – as vendas de genéricos movimentaram R$ 6,3 bilhões no primeiro semestre deste ano no Brasil, com crescimento de 23,5% em relação ao mesmo período do ano passado –, algumas empresas souberam aproveitar o vacilo da Medley. A maior beneficiada foi a Neo Química, braço farmacêutico da empresa brasileira de consumo Hypermarcas. Terceira maior em vendas de genéricos, ela ampliou sua participação de mercado de 7,06%, em agosto passado, para 9,75%, em junho. Também a Sandoz, laboratório de genéricos da Novartis, avançou, quase dobrando de tamanho, de 3,80% para 7,31%, no mesmo período. Com isso, ultrapassou a Germed, da EMS, e o Aché, para assumir a quarta posição do mercado. Resta saber se o toque francês de Zagame, o novo presidente, poderá levar a Sanofi e a Medley de volta aos seus dias mais róseos.
Veículo: Istoé Dinheiro