Um Mansur (muito) rico

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Entenda os bastidores da operação de venda da Vigor, que rendeu R$ 800 milhões para Carlos Alberto Mansur, no negócio mais caro do setor de alimentos em 2008

 

Logo após a venda da Vigor e da Leco para o grupo Bertin, em novembro passado, um pedido, no mínimo, curioso e raro chegou à CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Nele, tanto comprador como vendedor solicitaram "tratamento sigiloso ao contrato de compra e venda de quotas" da controladora das empresas, a Goult Participações Ltda. Quase ninguém atentou para o fato na época. A confidencialidade se justificaria para "proteger e resguardar a privacidade dos vendedores no negócio". A privacidade a ser respeitada era a de Carlos Alberto Mansur, o discretíssimo fundador das duas companhias, dono do Banco Industrial, antigo jogador de polo e irmão de Ricardo Mansur, o polêmico empresário que fez ressurgir e desaparecer Mesbla e Mappin nos anos 90.

 

Com o pedido negado pela CVM, o jeito foi publicar o que se queria esconder. A forma reservada de tratar os negócios, algo comum às duas empresas, tornou quase impossível conhecer o valor embolsado por Mansur com a operação. Pouco se falou sobre a aquisição, que acabou se tornando a maior do mercado de alimentos no Brasil em 2008. A Bertin pagou um pouco mais de R$ 1 bilhão (para ser mais exato, R$ 1,060 bilhão), apurou a DINHEIRO, com base no valor determinado de cada ação e pelo número de papéis disponíveis no mercado. O dono da Vigor ficou com boa parte dessa bolada. Exatos 74,69% do negócio estavam nas mãos de Mansur e seu filho. O valor embolsado chega a R$ 791,1 milhões, ao se considerar os dois momentos de venda dos ativos do grupo, em novembro de 2007 e no final de 2008. O montante é quase a metade do valor gasto pela Hypermarcas nos últimos dois anos para adquirir mais de 130 marcas.


 
EMPRESA EM REFORMA: Vigor tentou ficar mais enxuta e se desfez de ativos nos últimos anos
 


Não que a venda tenha ocorrido exatamente por insistência da Bertin, ainda que as empresas sustentem essa versão. Carlos Alberto queria sair do negócio. A concentração de mercado de laticínios exigiria que o grupo assumisse uma postura ou de caça ou de caçadora - e nos últimos tempos, marcados pelo crédito caro e pela concorrência agressiva de grupos estrangeiros, a empresa estava mais para a primeira opção. "Mansur sabe muito bem que leite é perecível, dinheiro, não", ironiza um executivo próximo às negociações. Desde 2005, a empresa vinha se desfazendo de imóveis e prédios e reorganizando sua estrutura para ficar mais enxuta. No mesmo período, representantes do grupo participaram de uma série de roadshows para apresentar a companhia a possíveis compradores.

 

A DINHEIRO teve acesso aos dados de um desses documentos, datado de fevereiro de 2007, e encaminhado a interessados no ativo. "A Vigor tem robusta posição em importantes mercados e está entre as cinco maiores marcas nos segmentos em que atua", garante o relatório. Tem 10,8% do mercado de requeijão e 6% das vendas de margarina e iogurtes no País e, segundo o texto, disputa mercado com gigantes como Nestlé, Unilever e Danone. Sua aquisição seria praticamente uma chance única para disputar esse mercado, garantia o grupo. O grande obstáculo era o valor exigido por Mansur pelos ativos da fabricante de lácteos. A Danone já teria avaliado o ativo em 2005, assim como a neozelandesa New Zealand Dairy, que esteve na empresa em 2001, analisou fábrica por fábrica e chegou a bater o martelo. Mas, no último minuto do tempo regulamentar, voltou atrás por não ter aceitado os cálculos da companhia para se chegar ao valor exigido por Mansur. Nesse processo de avaliações e desistências, já dá para afirmar que os anos de espera fizeram bem ao caixa (e ao bolso) dos controladores da Vigor.

 

Se Mansur, controlador de 100% das ações na época, tivesse aceitado a proposta da New Zealand em 2001, ele teria levado para casa cerca de US$ 100 milhões (R$ 200 milhões no período) por uma companhia que faturava em torno de R$ 550 milhões ao ano (incluindo a Leco). Hoje, as duas empresas vendem R$ 950 milhões, ou seja, quase o dobro, e Mansur embolsou R$ 800 milhões. Nada mal, principalmente se for considerado o que ele pagou ao irmão para se tornar controlador único da Vigor em 2004. Foram US$ 58 milhões, valor que compraria hoje pouco mais de 10% da companhia. Em descanso no Exterior desde que deu por certa a venda da Vigor, o empresário não fala do assunto. Procurado, não quis se manifestar. Também não dá pistas de como pretende reinvestir o capital. Pelo menos por enquanto, as atenções devem ficar focadas em seu Banco Industrial, instituição financeira criada em 1988 e que cresce de forma contínua. Em 20 anos, o banqueiro Mansur viu a companhia lucrar todos os anos. Mesmo em 2008, ano em que muito banco médio perdeu fôlego em meio à crise financeira, a instituição deve registrar expansão em sua receita e o lucro previsto pelo mercado supera os R$ 25 milhões neste ano.

 

Mansur começou a montar seu pequeno império nos anos 70, comprando e vendendo empresas ao lado do irmão Ricardo. Hoje tem o caixa fornido, num momento em que o mercado está sedento por capital novo. É o resultado de uma administração pautada pela cautela, que nos anos 90 aprendeu uma lição dura. Carlos Alberto tinha que lidar com bancos que cobravam dele taxas mais altas por causa do medo de calote - herança do mau negócio do irmão, dono do Mappin. Hoje, o índice de liquidez corrente da Vigor mostra que ela consegue pagar tudo o que deve com o que tem a receber. As dívidas não passam de R$ 60 milhões, mas as perspectivas da operação não são animadoras. Dados encaminhados pelo comando da Vigor para a Bertin mostram que o crescimento médio anual projetado para o grupo até 2013 é de apenas 2,8%, apurou a DINHEIRO, a partir de informações coletadas pelo Bradesco BBI, banco que fez a avaliação do grupo para a Bertin. Os reajustes de preço estimados para seus produtos ficam entre 2% e 3% até 2010. Ganhar dinheiro fácil será praticamente impossível para a nova compradora. Mas isso não é mais problema de Mansur, um homem que está (muito) mais rico.

 

Veículo: Revista Isto É Dinheiro 


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