Todos querem comprar

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Nada parece conter o apetite das três gigantes dos supermercados. Carrefour, Wal-Mart e Pão de Açúcar saem à caça de aquisições e colocam na rua seus planos de expansão


 
NOS ÚLTIMOS MESES, MANOEL ETELVINO DE MEDEIROS, há 36 anos no negócio de supermercados, abusou do jogo de cintura para responder a mesma insistente pergunta: "A rede Nodestão não quer vender suas lojas?" Com a polidez necessária, atendeu os telefonemas dos interessados nas oito lojas da cadeia com a resposta pronta: "Vender? Assim você me ofende. Não vendemos, não alugamos, não emprestamos, nada." Medeiros esteve com amigos próximos do empresário Abilio Diniz nas últimas semanas, conta ele. Sondaram o executivo, mas a conversa parou por aí. "Estamos preparando a próxima geração para tomar conta do negócio. É esse o nosso foco", diz. É uma postura muito parecida com a que tem sido tomada pelo comando do grupo Angeloni, com 20 pontos-de-venda, 6,5 mil funcionários e a segunda maior cadeia do Sul do Brasil. O presidente da empresa, Antenor Angeloni, teria chegado a se irritar com a hipótese de já estarem vendendo a empresa pelo boca a boca do mercado. Por causa do clima tenso dentro da companhia, uma carta foi enviada aos funcionários, no apagar das luzes de 2008, apenas para acalmá-los. "Não abriremos mão do nosso privilégio de conduzir a empresa", escreveu em nota o executivo e fundador do grupo. Essa intensa movimentação foi provocada por uma disputa silenciosa, mas feroz, por um mercado que movimenta R$ 140 bilhões por ano no Brasil. Os protagonistas dessa guerra de bastidores são marcas conhecidas do grande público: Carrefour, Wal-Mart e Pão de Açúcar. Juntos, os três gigantes se propõem a desembolsar, em plena crise financeira, R$ 3,8 bilhões em abertura e reforma de lojas, fora a dinheirama reservada para as aquisições, um segredo guardado a sete chaves.

 

Ciente da atual disputa que se arma no mercado, Pueyo, do Carrefour , diz que os planos da cadeia continuam mais vivos do que nunca. Vai gastar R$ 1 bilhão em investimentos e abrir 70 lojas em 2009. Na conta das aquisições, entra outro montante, sem limites determinados pela sede na França. "Vamos seguir nosso projeto de expansão à risca e estamos em contato com vários concorrentes para analisar oportunidades", disse ele à DINHEIRO. "Tudo vai depender se o negócio garante a rentabilidade esperada, se os vendedores realmente querem se desfazer do negócio e se a operação dá ganhos de sinergia", completa. Foi sob seu comando que a rede francesa adquiriu o Atacadão, na maior aquisição da história do setor, transformando a cadeia na líder do segmento, com receita bruta anual de R$ 19,3 bilhões. Com os pés no chão, Pueyo sabe muito bem que, se as conversas com vendedores em potencial não avançarem, a saída será a expansão orgânica. O problema é que não dá para mudar o foco do crescimento do dia para a noite. Por isso, colocou um time à caça de terrenos que têm sido objetos de desistência das construtoras de imóveis. Com as turbulências financeiras, o preço dos espaços despencou e elas devolveram a opção de compra aos proprietários dos terrenos. "Os valores caíram bem", confirma ele. "Se for necessário, temos dinheiro disponível para crescimento orgânico ou via aquisições. Nada mudou por aqui", diz. Experiente e respeitado pelos franceses, Pueyo tirou a empresa de uma fase de desacertos que ninguém gosta de lembrar lá dentro. Foram três presidentes em cinco anos, de 1999 a 2003. Ele teve de mudar o modelo de gestão da rede, muito centralizada, e a forma lenta como ela reagia às ações da concorrência. Conseguiu e recebeu o sinal verde da matriz.

 

Isso pode ajudar num jogo sem cartas marcadas. É que os executivos evitam ao máximo revelar de quem estão atrás para não "levantar poeira", como eles mesmos costumam dizer. Ou seja, entrar no meio de uma negociação do rival apenas para valorizar o ativo à venda e turbinar o preço. "Ninguém vai falar a verdade e contar o que está fazendo. Isso gera rumores internos, desestabiliza a empresa e os funcionários. O jogo é diferente", diz Hector Nuñez, presidente do Wal-Mart no Brasil. "Temos acesso a capital e a companhia é uma das mais capitalizadas do varejo, mesmo após a crise. Caso exista um bom negócio, podemos comprar sem suar a camisa", brinca ele. Os americanos separaram até R$ 1,8 bilhão para abrir de 80 a 90 lojas no País -- aplicação recorde para uma empresa varejista no País. Os recursos a serem gastos em aquisições estão fora dessa conta. Empossado no cargo em 2008, o executivo segue uma linha muito parecida com a do antecessor e amigo, Vicente Trius. Ele fala pouco e evita confrontos ou comparações com os rivais do setor. Por isso, tanto ele quanto Pueyo preferem não falar da recente ação do eterno concorrente, o grupo Pão de Açúcar. Na primeira semana do ano, a rede informou que possui R$ 1,4 bilhão em caixa apenas para gastar em aquisições se assim desejar. Cláudio Galeazzi, presidente da cadeia, disse que a cadeia fechou parceria com uma equipe do Itaú BBA só para garimpar bons ativos. "Estamos sendo pró-ativos nessa busca. Há empresas com quem já conversamos e voltamos a nos falar e há outras novas redes em avaliação", disse Galeazzi. Foi o bastante para reforçar a boataria a respeito da capacidade de cada varejista em sair na frente.

 
 
Para isso, é preciso garimpar boas oportunidades de compra de redes concorrentes em plena crise financeira. Em tese, não poderia ser uma hora melhor. A minguada liquidez dos mercados trava o caixa das médias redes e pode abrir espaço para aquisições mais baratas, que rapidamente engordariam o faturamento das companhias em 2009. Há conversas entre redes em todos os cantos do País, com destaque para o Paraná e interior de São Paulo. A DINHEIRO falou com os diretores de seis das dez principais redes regionais de supermercados do País, teoricamente candidatíssimas à venda. Também conversou com dois presidentes peso pesados, Jean Marc Pueyo, do Carrefour, e Hector Nuñez, do Wal-Mart, além de três analistas setoriais. Não há dúvida de que há bons ativos disponíveis, mas vai ser preciso negociar preços muito bem para que o martelo seja batido.

 

Com ou sem reforço do caixa, a liberação de recursos para adquirir novos ativos pode acabar com o período de seca no setor. Desde 2007, o Carrefour não anuncia novas compras. No Wal- Mart e Pão de Açúcar, a fase dura mais de dois anos. É algo incomum por aqui, que nada lembra a farra das aquisições na virada dos anos 90. Naquela época, com tantas cadeias de médio porte espalhadas pelo País - muitas com ótimos pontos, mas com o caixa magro por causa de uma gestão atrapalhada -, grandes cadeias foram às compras e fizeram aquisições freneticamente. De 1998 a 2002, aconteceram 77 negócios, segundo a pesquisadora Mayra Sulzbach, em tese sobre o assunto. É quase 15 por ano. Num espaço de três meses, o grupo Pão de Açúcar adicionou mais de R$ 950 milhões ao seu faturamento (e desembolsou menos de R$ 350 milhões) com a compra de oito empresas em 1999. O Carrefour somou 83 novos pontos em um único ano. O cenário é outro pelas mais variadas razões. Não só há menos companhias dispostas a negociar, como as redes de médio porte estão numa situação mais privilegiada hoje, dizem os analistas de mercado. Com a fase de bonança do varejo nos últimos três anos, as cadeias menores conseguiram colocar a vida financeira em ordem e algumas tiraram da gaveta os planos de sucessão familiar. Por isso, não estão tão dispostas a sair da partida no meio do jogo. Dados da Abras, entidade do setor, mostram que em 2007 elas cresceram 5% em receita com vendas, enquanto as grandes supermercadistas registraram queda de 6%."Hoje, das 20 médias empresas com receita superior a R$ 400 milhões ao ano, três ou quatro aceitam sentar-se à mesa para começar a falar em preço", conta um supermercadista regional.

 

Essas cadeias já entendem que, por restarem poucas redes médias de peso, podem estar com a faca e o queijo na mão "Há varejistas calculando o seu valor por uma vez e meia o faturamento anual. É algo insano", afirma um varejista com receita próxima a R$ 1 bilhão ao ano. Entrar em entendimento com duas dessas empresas, com vendas na faixa dos R$ 400 milhões anuais, seria a diferença entre estar no primeiro ou segundo lugar do ranking. O Carrefour é líder por uma diferença a mais de apenas R$ 500 milhões no faturamento em relação ao Pão de Açúcar. Sigilos à parte, há fortes rumores de que a carioca Prezunic, com apenas oito anos de vida e 29 pontos, já teria sido sondada pelo Wal-Mart no final do ano passado, apurou a DINHEIRO. As empresas não comentam o assunto. As conversas caminharam em banho-maria até o final do ano passado. Ainda houve contatos do grupo Pão de Açúcar às redes paranaense Condor e Gimenez, de São Paulo, esta última em recuperação judicial. A Super Muffato, uma das companhias mais cortejadas, no entanto, diz que não gosta nada da ideia de sair do negócio.

 

"Não conversamos com ninguém e nem vamos conversar. Nosso plano também passa pelo crescimento por meio de aquisições", diz Everton Muffato, integrante da segunda geração da família dona da Super Muffato, décima maior rede do País. Sediada em Cascavel (PR), a varejista acaba de comprar a rede Fatão, com 20 pontos no interior paranaense.

 

Nas últimas semanas, até um nome antigo reapareceu na mesa de apostas dos novos negócios, apurou a DINHEIRO. A rede mineira Epa/Mart Plus/Via Brasil, que já foi só Epa um dia, antes de se unir a um novo sócio anos atrás, já estaria buscando segunda parceria. "Eles precisam de recursos novos e estão pensando em se unir a algum varejista regional", conta uma fonte ligada à família, que nega tudo. Esse movimento de novas compras tem tudo para se estender ao varejo eletrônico. A paranaense Dudony, com 110 unidades e atualmente em recuperação judicial, sentou para negociar com uma rede local e já foi sondada pela Casas Bahia e pelo Ponto Frio, que não confirmam a informação. A Lojas Maia, com mais de 130 lojas no Nordeste, também não desistiu de buscar um parceiro que capitalize o grupo. Se tudo continuar como está, a temporada de caça não deve terminar tão cedo.

 


Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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