Uma corrida por 5 milhões de consumidores

Leia em 12min 40s

Os bastidores da entrada do Magazine Luiza no maior mercado do país — com a inauguração de 50 lojas em um único dia — são um exemplo do desafio do crescimento hoje enfrentado pelas empresas brasileiras

 

Uma multidão de mais de 50 000 pessoas circulou pela rua Dona Primitiva Vianco, um dos principais centros comerciais de Osasco, na Grande São Paulo. Era véspera do Dia dos Pais. Além de desviar uns dos outros, os passantes tinham de tomar cuidado para não tropeçar em escadas, latas de tinta e nos pedreiros que se movimentavam intensamente na calçada em frente ao número 138. A obra naquele endereço, exatamente entre uma loja da Casas Bahia e outra da Marabraz, chamava a atenção de curiosos. “Aqui ao lado vai ser uma loja do Magazine Luiza. Mas ninguém sabe quando abre”, disse um vendedor da Casas Bahia. “Vai atrair clientes para todos nós”, afirmou um funcionário da Marabraz. Não é apenas em Osasco que obras do Magazine Luiza despertam curiosidade e expectativa — e certa dose de apreensão na concorrência. Atualmente, a rede que nasceu há cinco décadas em Franca, no interior de São Paulo, está na fase final de um projeto para invadir o mercado paulistano, o maior do país. Desde junho de 2007, o varejista articula uma tática inédita: a abertura, de uma só vez, de 50 lojas na Grande São Paulo e na Baixada Santista. Numa data ainda incerta e mantida sob sigilo, a rede terá — de um dia para outro — mais da metade dos pontos-de-venda da principal concorrente, a Casas Bahia, com 93 lojas na região. Segundo fornecedores, o suspense deve terminar em meados de setembro. “Nosso planejamento foi feito com muita antecedência e na surdina”, afirma Luiza Helena Trajano, diretora-superintendente do Magazine Luiza.

 

A operação de guerra antes do Dia D envolve números grandiosos — inclui a participação de 500 funcionários da administração da empresa, a contratação de 2 000 pessoas e a negociação de 100 000 produtos (veja quadro ao lado). O investimento em obras, aluguel, treinamento e novas contratações deve chegar a 150 milhões de reais durante os três primeiros anos de operação. A grandiosidade é justificada pelos números do mercado de São Paulo. De acordo com um estudo do Programa de Administração de Varejo, ligado à Fundação Instituto de Administração, e da consultoria Felisoni Associados, o Magazine Luiza tem na capital um mercado potencial de 5 milhões de consumidores. (Hoje, com as 397 lojas já existentes em sete estados brasileiros, a rede soma 12 milhões de clientes.) Até 2010, o Magazine espera atingir 1 bilhão de reais em receita só em São Paulo, com uma estimativa de 100 lojas abertas. Em 2008, a maior metrópole brasileira deve ajudar a rede a faturar 3,5 bilhões de reais, 35% mais que em 2007.

 

Vizinha da baixa renda

 

Entrar na capital paulista é um plano antigo. “Levar o Magazine a São Paulo era um sonho que os tios tinham quando eu era pequena”, diz Luiza Helena, de 58 anos, sobrinha do casal de fundadores da rede. “Eles fizeram questão de visitar várias lojas e endossar nossas escolhas.” (Na operação do Magazine, os fundadores da rede, Luiza Trajano e Pelegrino José Donato, ela com mais de 70 e ele com mais de 80 anos, chegaram a fazer visitas a São Paulo, em outubro de 2007, para dar o aval em alguns dos pontos escolhidos. Como Luiza tem medo de avião, eles percorreram de carro os mais de 400 quilômetros que separam Franca, a sede no interior de São Paulo, da capital.) Uma estréia discreta sempre esteve fora de questão. “O investimento em logística e marketing ficaria caro demais para manter três ou quatro lojas”, afirma Luiza Helena.

 

A gigantesca operação liderada pelo Magazine Luiza é algo que só uma economia e um mercado em expansão permitem. Mais do que uma opção, o crescimento rápido tornou-se um desafio para a maior parte das empresas brasileiras. Quem não cresce perde relevância e poder perante fornecedores, concorrentes e clientes. “Cada vez mais as empresas precisam dar passos largos como esse para vencer a concorrência ou evitar que sejam engolidas”, diz Fernando Fernandes, vice-presidente da consultoria Booz & Company. Um estudo da consultoria McKinsey mostra que o crescimento está diretamente relacionado à sobrevivência dos negócios. A consultoria acompanhou a trajetória de 233 companhias brasileiras de capital aberto entre 1995 e 2005. Em uma década, 21% delas desapareceram (por aquisição ou falência). Em comum, esse grupo de perdedoras acumulou, em média, crescimento negativo de 1% ao ano. As sobreviventes tiveram expansão média de 3,5% ao ano num período em que o crescimento do PIB brasileiro raramente superou isso.

 

Expansão acelerada

 

A tão esperada chance de dar um salto resultou de uma oportunidade única para o Magazine Luiza. Desde a década de 80, quando começou a abrir lojas em outras cidades, a empresa se espalhou pelo país comprando redes menores. “Em São Paulo, nunca encontramos um alvo porque os varejistas da capital são muito grandes”, diz Luiza Helena. O jogo mudou em junho do ano passado. Foi quando o Magazine Luiza fechou o aluguel de 28 pontos antes ocupados pela rede de móveis Kolumbus, que havia parado de operar. “Com isso, conseguimos força suficiente para preparar nossa entrada”, diz Frederico Trajano, diretor de marketing e vendas da companhia — e filho primogênito de Luiza Helena. Aos 32 anos, ele comanda hoje boa parte da operação para a entrada no mercado da Grande São Paulo.

 

Para acompanhar de perto o projeto, diversos executivos do Magazine Luiza — todos baseados em Franca — praticamente moraram em São Paulo durante meses. Um deles foi o paulista Edson Nogueira, diretor de expansão, que começou sua cruzada atrás dos melhores endereços em setembro de 2007. A jornada terminou apenas em junho deste ano. “Nesse período, eu morava na capital praticamente de terça a sexta-feira”, diz Nogueira, que visitou mais de 300 pontos e prestava contas do projeto às segundas-feiras na sede do Magazine, em Franca. Todos os alvos potenciais deveriam seguir um padrão: localização em áreas que concentram famílias com renda mensal de até 1 500 reais (um público que representa 75% dos consumidores da rede), próximas a bancos populares que geram grande fluxo de pessoas, como Bradesco, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, e vizinhas a lojas dos concorrentes.

 

A exemplo do que fazem empresas de bens de consumo de massa, como a anglo-holandesa Unilever, o Magazine decidiu despachar alguns executivos para a casa de potenciais clientes para que eles observassem, de perto, seus hábitos de consumo. Em março, o coordenador de marketing José Gustavo Cunha da Silva passou o dia na casa de Maria Aparecida de Almeida Gonçalves, uma dona-de-casa de 44 anos. Casada e com dois filhos, Maria Aparecida mora num conjunto habitacional de mais de 5 000 habitantes em São Mateus, bairro da zona leste — região que vai abrigar 12 novas lojas da rede. “Vi que os conjuntos habitacionais podem ser um bom lugar para estabelecer contato com potenciais compradores”, diz Cunha. Agora, ele estuda a montagem de quiosques dentro dos conjuntos da zona leste para anunciar produtos e oferecer cartões da loja. Alguns fabricantes também ajudaram a rede a entender o que oferecer aos novos consumidores e como abordá-los. A Positivo Informática, por exemplo, sugeriu produtos mais caros do que os geralmente comprados pelo Magazine. “Pela nossa experiência, a variedade é importante para o público de São Paulo”, diz Hélio Rotenberg, presidente da Positivo Informática. “Por isso, indicamos computadores acima de 2 000 reais e laptops de 3 000 reais.”

 

Todos os produtos comprados para abastecer as novas lojas estão sendo armazenados no centro de distribuição que o Magazine Luiza inaugurou em novembro de 2007 na rodovia dos Bandeirantes, no município de Louveira, a cerca de 70 quilômetros de São Paulo. Ele é o coração da operação da capital paulista. Com 55 000 metros quadrados (o equivalente a cinco campos de futebol), o enorme galpão estava com apenas 40% de sua capacidade preenchida até julho. Um mês depois já se aproximava da capacidade máxima. A logística do centro depende do andamento de duas pontas decisivas da operação de São Paulo: a compra de produtos e a finalização das obras. Com a demora em algumas das reformas das lojas, o transporte do estoque para as unidades ainda segue a passos lentos. “Os produtos chegam aqui em uma enxurrada e saem em gotas”, diz Carlos Gomes, diretor de logística da rede. Esse desequilíbrio tem tirado o sono de Gomes — literalmente. Dias atrás, o executivo acordou às 4 horas da manhã preocupado com os 35 caminhões que vinham descarregando produtos diariamente no depósito. Em poucos dias, o Magazine precisaria acelerar ainda mais os pedidos aos fornecedores e aumentar o total para até 80 caminhões por dia — mas muitas lojas ainda não teriam condições de receber as mercadorias. “Temos de acelerar para evitar uma avalanche de produtos chegando perto do dia da abertura”, afirma Gomes.

 

À medida que se aproxima a data de inauguração, o foco dos executivos começa a se voltar para o desafio de chamar a atenção num mercado com tantos concorrentes estabelecidos. O norte do planejamento de marketing tem sido um estudo encomendado à consultoria Data Popular, especializada em baixa renda. Dos 800 entrevistados em março, 67% disseram que já conheciam a empresa — percentual que reflete, em grande medida, o contrato de merchandising com o apresentador Fausto Silva, da Rede Globo, fechado em 2006 e ainda vigente. “Foi um investimento contestado dentro da empresa porque o Domingão do Faustão é programa nacional e nós não estávamos no país todo”, diz Frederico. “Mas sabíamos que um dia iríamos para São Paulo e agora vemos que valeu a pena.” Com base em conclusões da pesquisa da Data Popular, a rede optou por fazer duas adaptações em seu modelo atual. A primeira delas foi a mudança das cores de seu logotipo. Os consumidores de São Paulo achavam a apresentação da loja — em branco e azul —“sem graça” e muito parecida com a da Lojas Marabraz. O jeito foi adicionar à tradicional fachada do Magazine Luiza as cores verde e amarelo, escolhidas por representarem a bandeira brasileira. A empresa também planeja acrescentar ao plano de mídia o jornal Folha Universal, da Igreja Universal do Reino de Deus — uma publicação que, segundo seus editores, tem 2 milhões de leitores. De acordo com o levantamento do Data Popular, 24% dos entrevistados são evangélicos. O Magazine decidiu investir em publicidade em jornais gratuitos e na programação de TVs instaladas em ônibus e metrô. Comunicadores de rádio populares, como Gil Gomes e Eli Corrêa, também foram contratados para anunciar a chegada da rede a São Paulo. “Eles são lideranças muito fortes em algumas comunidades”, diz Frederico.

 

Em meio às questões operacionais e estratégicas, há outro desafio para o Magazine: não perder sua peculiar cultura — herdada de uma operação até pouco tempo atrás menor e interiorana — em São Paulo. Para chegar à capital, a rede teve de contratar 2 000 pessoas, entre vendedores e funcionários de departamentos administrativos. Trata-se de um dilema para qualquer companhia que passa por uma rápida expansão. “Meu maior sonho é crescer sem perder a alma”, diz Luiza Helena. Em junho, o Magazine Luiza iniciou o treinamento dos recém-contratados. Os milhares de novos funcionários foram divididos em três turmas, que assistiram a palestras e vídeos sobre a história da empresa por duas semanas. De mãos dadas, diretores da rede se apresentaram e desejaram boa sorte aos novatos, numa reunião semelhante a um encontro de fiéis. (Esse tipo de “corrente” é comum no Magazine. Todas as segundas-feiras, empregados das lojas e da administração fazem um culto espiritual antes de iniciar o expediente.) Com o fim do treinamento teórico — a primeira turma encerrou as aulas ainda em junho —, os novos contratados começaram a ser enviados a um estágio em lojas da rede em outras cidades, de onde sairão uma quinzena antes da data de estréia em São Paulo. Só então eles saberão a data exata de inauguração das novas lojas.

 

O ponto alto de todo o treinamento foi a palestra de Luiza Helena, que encerrou a etapa teórica. Ao chegar ao encontro, a superintendente recebeu tratamento de celebridade. Entre gritos e palmas, Luiza Helena foi fotografada por dezenas de celulares e câmeras antes de começar sua palestra sobre empreendedorismo. Ao fim da apresentação de quase 2 horas, ela se ofereceu para abraçar, um por um, os novos funcionários — mais de 600 pessoas em cada uma das turmas. Seu envolvimento na operação em São Paulo tem aumentado à medida que o projeto se aproxima da reta final. Ela chegou a ligar pessoalmente para fornecedores que atrasaram o cronograma de entregas. “Luiza é tão cativante que, ao final de uma reunião com ela, você é capaz de sair com um carnê nas mãos”, diz Carlos Cipriano, diretor da operadora de celulares Vivo para São Paulo. “Mas também tem uma mão forte no negócio e não deixa de reclamar.”

 

Seu filho, Frederico, é tido por alguns fornecedores como um sucessor natural de Luiza. Ele entrou no Magazine em 2000, como gerente de e-commerce, logo após se formar em administração pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo e completar uma especialização em finanças na Universidade de Berkeley, na Califórnia. (Antes de ingressar na empresa da família, Frederico trabalhou por cerca de dois anos como analista nas operações brasileiras dos bancos Deutsche Bank e Westsphere Equity Investors.) “Frederico não exerce uma liderança tão carismática quanto Luiza”, diz o vice-presidente de marketing e vendas da Semp Toshiba, Caio Ortiz. “Mas é a pessoa talhada para levar o Magazine aos próximos desafios.” Seu grande teste de fogo, sem dúvida, é vencer no mercado mais competitivo do Brasil. Na queda-de-braço para ver quem cresce mais, o Magazine tem ultrapassado seus concorrentes. Desde 2003, a rede teve uma expansão de mais de 180% no faturamento, enquanto Casas Bahia e Ponto Frio — operações maiores — avançaram 116% e 66%, respectivamente. Agora chegou o momento de um embate direto com as duas principais concorrentes. O resultado da invasão determinará o sucesso de outra tacada que vem sendo silenciosamente preparada por Frederico: a abertura de capital do Magazine Luiza, prevista para acontecer até 2009. Por enquanto, esse é apenas outro mistério bem guardado.

 


Veículo: Revista Exame


Veja também

Mabe lança nova linha de eletrodomésticos

                    ...

Veja mais
"Assim é difícil competir"

A mexicana Mabe planejou seus investimentos no Brasil levando em conta uma decisão tributária do governo f...

Veja mais
Empresas sofrem com a falta de profissionais

A disputa pelos profissional na área de finanças e contabilidade tem afetado as empresas de todo o mundo. ...

Veja mais
Entre 500 maiores, 123 catarinenses

Apesar do esforço das empresas catarinenses, não há muitas surpresas na divulgação da...

Veja mais
Anvisa suspende venda de remédios e xampu

Rio de Janeiro - A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou a suspensão do...

Veja mais
Congresso discute hoje meios eletrônicos de pagamento

"Cartões de crédito: do começo ao futuro". Este é o tema central da quarta ediç&atild...

Veja mais
Wal-Mart contrata, de olho na expansão da rede Todo Dia

O Wal-Mart Brasil, começa a selecionar candidatos para trabalhar em duas novas unidades da rede Supermercado Todo...

Veja mais
Parmalat fecha fábrica e corta a produção

As ações da Laep Investments, controladora da Parmalat, continuam sangrando e fecharam ontem abaixo de R$ ...

Veja mais
Posse na Apas

João Sanzovo Neto toma posse amanhã para seu segundo mandato, de dois anos, na presidência da Associ...

Veja mais