Demanda em queda abala setor de manufatura sob encomenda

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A desaceleração da economia atingiu em cheio um tipo de empresa que até pouco tempo atrás apresentava altos índices de crescimento: as empresas de manufatura sob encomenda, que produzem eletrônicos, bens de informática e telefonia para as principais marcas do mercado.

 

Trata-se de uma reação em cadeia. Com a retração na demanda por produtos como celulares e computadores, minguaram as encomendas feitas por clientes como Dell, Hewlett-Packard (HP), Lenovo, Positivo, Sony Ericsson, Nokia e Motorola. Algumas dessas empresas têm fábricas próprias no Brasil, mas todas se servem das companhias de manufatura para pelo menos parte de sua produção. 

 

O reflexo é que nos últimos meses as maiores companhias do setor - Flextronics, Foxconn, Jabil e Celestica - têm encarado uma queda livre de suas vendas e de suas margens de lucro no mundo todo. No Brasil, não é diferente. O cenário adverso, segundo apurou o Valor, já levou ao encerramento de turnos de produção e acarretou milhares de demissões. 

 

Até outubro, a taiwanesa Foxconn tinha mais de 8 mil funcionários no país, pessoal distribuído em fábricas instaladas nas cidades paulistas de Jundiaí e Indaiatuba e em outras duas unidades em Manaus. Nos últimos 90 dias, a companhia fez cortes em todas as unidades, somando mais de 3 mil demissões, cerca de mil delas em janeiro. 

 

A cidade que mais sofreu com os cortes foi Indaiatuba, onde a Foxconn concentra duas fábricas. Até novembro do ano passado, elas operavam com 2,5 mil funcionários. De lá para cá, mais de 900 pessoas foram demitidas e outras mil que atuavam em regime temporário foram dispensadas. 

 

Para abrandar o impacto das demissões, a Prefeitura de Indaiatuba baixou um decreto, exigindo que as compras públicas privilegiem o comércio local. Em paralelo, os gastos públicos também terão de cair 20% no primeiro semestre. "O impacto dessas demissões, que ocorrem não só na área de tecnologia, é imediato para nós", diz Reinaldo Nogueira (PDT-SP), prefeito de Indaiatuba. "Tomamos as medidas possíveis." 

 

A Foxconn não descarta a possibilidade de fazer novas demissões e até de fechar uma das fábricas que mantém no interior de São Paulo. "Uma de nossas plantas em Indaiatuba está praticamente às moscas", diz Walter Regina, diretor jurídico-corporativo da Foxconn no Brasil. "Estamos sofrendo um golpe agudo, mas temos trabalhado de diversas formas e aguçado a criatividade para reduzir a operação para que não haja mais cortes." 

 

A Flextronics, outra gigante mundial do setor, também não escapou do cenário conturbado. Em outubro, quando os primeiros sinais da crise começavam a aparecer, a companhia empregava 8,5 mil pessoas na fábrica que mantém em Sorocaba, no interior paulista. O número caiu para 5,2 mil funcionários no início deste ano, de acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba. Parte dos trabalhadores dispensados atuava em regime temporário, mas é inegável que a crise econômica multiplicou os cortes. No início de 2008, quando as vendas de PCs e telefones móveis cresciam a todo o vapor, a fábrica abrigava 6,5 mil empregados. 

 

Para se adequar à freada brusca na demanda, a Flextronics cortou um de seus três turnos de produção. Além das demissões, a empresa de Cingapura prorrogou as férias coletivas e promoveu um remanejamento de funcionários em todas as linhas de produção, diz Ademilson Terto, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba. Ele teme que os ajustes não tenham parado por aí. "A empresa procurou o sindicato para propor um acordo de banco de horas. Pedimos a manutenção do nível de emprego atual, mas a Flextronics não quis se comprometer", afirma Terto. A expectativa é de que ocorram mais 1,2 mil demissões. 

 

Antes da crise, afirma Terto, a empresa tinha planos de aumentar seu quadro de funcionários para 12 mil pessoas, a fim de atender a demanda. 

 

O secretário de Desenvolvimento Econômico de Sorocaba, Daniel Leite, afirma que o impacto das demissões da Flextronics e de outras indústrias só não foi maior porque o município diversificou sua economia nas últimas décadas e criou programas para capacitação de mão-de-obra. 

 

Procurada pelo Valor, a Flextronics não atendeu aos pedidos de entrevista até o fechamento desta edição. Além da fábrica em Sorocaba, o grupo de Cingapura é dono da Masa, que produz termoplásticos em Manaus, e da Multek, que fabrica placas para computadores. 

 

A crise econômica atingiu as companhias de terceirização de manufatura num momento particularmente favorável dos negócios. No Brasil, as vendas de produtos eletrônicos - em especial computadores e telefones móveis -, alcançaram volumes recordes até o terceiro trimestre de 2008. Dados da consultoria IT Data, especializada em tecnologia da informação, mostram que, mesmo com a crise, o mercado brasileiro de informática movimentou R$ 60,2 bilhões no país no ano passado, um volume 11% superior ao de 2007. Apenas com computadores foram gastos R$ 20 bilhões. "O ano passado foi fantástico. Agora, estamos enfrentando um momento de grande preocupação", diz o sindicalista Terto. 

 

O Valor procurou a canadense Celestica, a americana Jabil e a brasileira Evadin para comentar o impacto da retração do mercado em suas operações no país. Até o fechamento desta edição, a Celestica e a Evadin não haviam respondido aos pedidos de entrevista. A Jabil informou que não iria se pronunciar sobre o assunto. 

 

A Evadin, que tem fábrica em Manaus, anunciou em novembro a demissão de 250 funcionários e deu licença a outros 200, de acordo com o sindicato dos metalúrgicos da região. 

 

Nenhuma dessas companhias negocia ações no Brasil. Portanto, não divulgam suas demonstrações financeiras no país. 

 

Os balanços globais, no entanto, mostram que ninguém está imune às dificuldades recentes. Em agosto do ano passado, quando encerrou seu quarto trimestre fiscal, a Jabil divulgou lucro líquido de US$ 57 milhões. Já no trimestre seguinte, porém, a companhia anunciou uma reversão do quadro, com prejuízo de US$ 276 milhões. 

 

A situação é parecida na Celestica, que viu seu lucro de US$ 32 milhões do terceiro trimestre de 2008 transformar-se em prejuízo de US$ 822 milhões no intervalo seguinte, fechado em dezembro. 


Os resultados da Celestica e da Flextronics foram influenciados pela decisão de fazer enormes baixas contábeis para reconhecer a queda no valor dessas companhias nas bolsas. 

 

O mercado acionário foi severo com todas elas, especialmente com a Foxconn e a Flextronics. A primeira viu seu valor de mercado, baseado no preço das ações, ruir de US$ 6,1 bilhões para US$ 1,8 bilhão em apenas um ano. A segunda deixou de ser uma companhia de US$ 10 bilhões para, um ano depois, valer US$ 2,3 bilhões. A Jabil valia US$ 3,1 bilhões no início de 2008. Hoje está avaliada em US$ 1,3 bilhão. No mesmo período, o valor de mercado da Celestica caiu de US$ 1,3 bilhão para US$ 917 milhões. 

 

Na semana passada, Mike McNamara, diretor mundial da Flextronics, preferiu evitar rodeios para explicar os resultados decepcionantes da empresa no quarto trimestre do ano passado. "Nós estamos operando em um ambiente econômico difícil, em que a deterioração da demanda tem pressionado nossos negócios", afirmou o executivo, no comunicado que acompanha as demonstrações financeiras. 

 

Veículo: Valor Econômico


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