A recente avalanche de importação de produtos lácteos argentinos pode virar um estopim para um novo atrito entre os principais sócios do Mercosul. Os produtores brasileiros de leite pressionam o governo a adotar barreiras tarifárias e não-tarifárias para evitar a inundação do mercado interno.
A Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) informou ontem ter solicitado ao governo a imposição de licenças não-automáticas e a negociação de um acordo de preços mínimos aos lácteos argentinos. A CNA suspeita de triangulação nas vendas do vizinho, estimuladas por excedentes que passaram a ser novamente subsidiados pela União Europeia e também do produto da Nova Zelândia. Atraídas por preços mais baixos praticados pelos platinos, as indústrias brasileiras compraram US$ 22 milhões em lácteos no exterior - 82% da Argentina. A média mensal de 2008 ficou em US$ 9,9 milhões.
"A triangulação não é reprovada pela OMC [Organização Mundial do Comércio], mas é uma prática desleal de comércio. Na década de 90, eles fizeram isso", diz a presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (DEM-TO). "O excesso de paciência com argentinos e alguns vizinhos da América do Sul tem prejudicado a produção e a economia, mas tudo tem limite". Segundo ela, a Argentina não teria produção suficiente para abastecer ao mesmo tempo seu mercado interno, a Venezuela e ainda exportar em grande quantidade ao Brasil. Em jogo, estão o interesse de 800 mil produtores nacionais, responsáveis por 28 bilhões de litros de leite.
"Se a Argentina está exportando mais para a Venezuela e tanto mais para o Brasil, de onde está saindo esse leite?", questiona o presidente da Comissão de Leite da CNA, Rodrigo Alvim.
Abreu afirma que uma opção para os argentinos seria apoiar a elevação de 27% para 30% a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul. "Seria uma forma de a Argentina demonstrar que não há triangulação". Isso porque o produto europeu (41,8%) e o neozelandês (30,9%) pagam tarifa antidumping para entrar no Brasil.
Na avaliação da CNA, que afirma ter apoio de parte do governo para adotar as medidas, o uso de licença não-automática para produtos lácteos seria uma "forma de fiscalizar" se tem ocorrido importações para a reidratação de leite em pó, uma prática vedada no Brasil. "É um instrumento duro para negociar a elevação da TEC", argumenta a senadora. A imposição de preços mínimos, que vigoraram até fevereiro de 2008, seria mais demorada, levando dois anos, avalia. Isso porque exigiria a abertura de uma investigação contra grandes exportadores de lácteos.
O produto argentino tem chegado ao Brasil a R$ 0,41 por litro, segundo a CNA. No Brasil, o produtor recebe R$ 0,59. Outra forma de baratear os custos de produção seria isentar de PIS-Cofins as rações e o sal mineral da alimentação animal. "Isso poderia levar os importadores a comprar produto brasileiro", diz Kátia Abreu. Segundo ela, o custo cairia entre R$ 0,04 a R$ 0,06 por litro. Outra forma de "ação rápida" contra "importações abusivas" defendida pela CNA é um arrocho na fiscalização do produto importado. "Não será com corpo mole que vamos resolver", cobra a senadora.
Veículo: Valor Econômico