Do vinho ao carro importado, o consumo de artigos de alto luxo, resiste à crise e até apresenta crescimento em alguns segmentos, enquanto o desempenho do varejo como um todo dá marcha à ré e deve fechar 2015 com o pior resultado em 15 anos. Com a desvalorização do câmbio, os brasileiros com maior renda reduziram as viagens ao exterior e passaram a comprar itens importados de luxo aqui, até porque as lojas repassaram parcialmente a alta do dólar para os preços em real. Além disso, comprando no mercado nacional é possível dividir o pagamento.
“De janeiro a setembro, praticamente já vendemos o volume de 2014 inteiro e a expectativa é fechar o ano com crescimento de 40% ou 16 mil carros comercializados”, afirma o presidente da Audi do Brasil, Jörg Hofmann. Por enquanto, a empresa manteve o preço em reais dos veículos que são importados.
Já no caso das bebidas importadas, a estratégia usada foi repasse parcial do câmbio para os preços. Entre janeiro e setembro, a importadora World Vine, por exemplo, teve crescimento de 10% no número de rótulos de vinho de alto luxo vendidos em relação ao mesmo período de 2014, conta o diretor Celso La Pastina.
“Aumentamos os preços em reais em 20%, não em 50%, que foi a desvalorização do câmbio no período.” Ele atribui essa alta de vendas ao fato de o consumidor de itens de luxo ter feito as contas e constatado que, com impostos e despesas de viagem, é mais interessante comprar importados aqui.
“O consumidor de artigos de luxo raciocina e compara preços em dólar”, explica Ana Paula Tozzi, CEO da GS&AGR Consultores. Ela explica que, pelo fato de existirem lojas vendendo importados comprados com o câmbio mais baixo do que o atual, esses itens hoje estão com preços em dólar menores comparativamente aos do exterior.
O consultor Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail, acrescenta outro fator que está desencorajando o consumidor de produtos de alto luxo a comprar no exterior. “Nem todas as marcas têm um pós-venda aqui que reconhecem as compras feitas fora do País.” Na sua avaliação, há indícios de que o varejo de alto luxo está sentindo menos a crise. Mas ele pondera que essa situação não é duradoura. É que, em algum momento, os itens comprados com câmbio mais alto terão os preços majorados.
A resistência do consumo de artigos de luxo à crise é nítida nos resultados de vendas de joias. “Não é a primeira vez que passamos por uma crise. Nossos clientes não se assustam, reclamam, mas a vida continua”, diz Kelly Amorim, sócia da joalheria Carla Amorim. De janeiro a setembro, a empresa repetiu o desempenho de vendas de 2014, que foi o melhor ano da companhia, com seis lojas, das quais duas em pontos nobres, na rua Oscar Freire e no Shopping Iguatemi.
“Por enquanto, não sentimos a brecada nas vendas em função da crise”, afirma Ana Auriemo de Magalhães, diretora comercial do grupo JHSF, dono do Shopping Cidade Jardim, um dos templos do consumo de alto luxo. Em setembro, por exemplo, as vendas do shopping cresceram 25% em relação ao mesmo mês de 2014 e o faturamento das grifes internacionais aumentaram 33% na mesma base de comparação. Com cerca de 180 lojas, 30% são grifes internacionais, entre as quais estão Cartier, Chanel, Dior, entre outras.
Além de o fato de o público frequentador do shopping, predominante mente de classe A, estar viajando menos ao exterior e muitas lojas estarem com preços defasados, Ana lembra que a possibilidade de parcelar as compras de itens de luxo atrai consumidores, que mesmo com alto poder aquisitivo, gostam de dividir o pagamento.
Imóveis. A maior demanda por produtos de luxo foi notada também nos imóveis. A incorporadora Cyrela teve crescimento de 22% na procura este ano em relação a 2014 de imóveis residenciais de alto padrão, conta Piero Sevilla, diretor da empresa São Paulo. “A crise não passa longe de ninguém, mas que tem dinheiro fora, com a desvalorização do real, consegue comprar um imóvel por um preço menor.”
De olho nesse segmento, a incorporadora ampliou os lançamentos de luxo e Sevilla diz que o mercado está respondendo positivamente. “Temos 16 clientes pré-agendados para conhecer o projeto One Sixty, o primeiro em parceria com escritório londrino Yoo.” São imóveis de até 560 metros quadrados avaliados em R$ 15 milhões.
Carro importado. O empresário Cássio Pantoja, de 41 anos de trocar o seu Audi A1 por um modelo A3 Sedan, da mesma marca, que é importada. “Quando tem crise, a gente acha que as empresas vão baixar preço para vender, mas nem sempre é isso que acontece.” Com medo de que o preço subisse, especialmente por causa do impacto do câmbio, ele tratou de comprar o carro. “Não cheguei a antecipar, mas dei atenção para fechar logo o negócio.”
Pelo carro zero pagou R$ 127 mil. Em pesquisas feitas em sites e revistas especializadas, ele notou que o preço cobrado no País pelo modelo mais sofisticado do A3 gira em torno de R$ 140 mil, acima do valor médio nos Estados Unidos, de cerca de R$ 120 mil. Mas no Reino Unido, o mesmo veículo está mais caro, sai por R$ 142 mil.
Mesmo observando essa diferença de preço, Pantoja achou que era o momento de realizar o sonho, apesar de já ter dois outros carros importados: um BMW e um Subaru. “Deixar para comprar daqui a seis meses, me pareceu arriscado, porque, na minha opinião, a tendência é de o preço subir. Se hoje não está bom, pode ficar pior.”
Apesar de ter fechado negócio em meio a crise, o empresário conta que, na aquisição de outros itens e nos gastos com serviços que não são tidos como prioritários, ele reduziu as despesas. “Estou escolhendo melhor os restaurantes para pagar um pouco menos. Gasolina, antes eu só colocava Pódium, mas agora é grid. Os vinhos que eu consumia antes que eram de R$ 100 para cima; agora são de R$ 100 para baixo. Dei uma enxugada nas despesas.”
Além do carro, outro gasto prioritário do empresário é com viagens que ele diz que, por enquanto, está mantendo. “Em julho passei um mês no Japão.” Mas entre comprar um carro novo e viajar, ele acha que aquisição do veículo é mais interessante, pois é possível reaver parte do dinheiro em caso de aperto.
Veículo: Jornal O Estado de S. Paulo