IPCA deve passar de 10% este ano com aumentos que já chegam a 44%.
A combinação de dólar alto e entressafra intensificou o aumento dos preços de açúcar, álcool, frango, soja e milho e vai pressionar a inflação deste ano. A alta do dólar e a entressafra começam a se refletir nos preços dos produtos agrícolas, que dispararam nos últimos 60 dias. De acordo com levantamento da GO Associados, no mercado doméstico, as cotações do açúcar e do etanol subiram, respectivamente, 44,8% e 31,4% no período. Houve alta de 14,8% no preço da soja; 18,8% para o milho; e 11,1% para o frango abatido.
Se, por um lado, o aumento da rentabilidade desses setores dará fôlego maior à debilitada economia brasileira; de outro, aumenta a inflação que, na avaliação do diretor de pesquisas econômicas da GO, Fábio Silveira, passará de 10% este ano. A alta dos preços agrícolas deve fazer o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência para o sistema de metas de inflação, subir 0,6 ponto percentual distribuído entre novembro e dezembro:
— A alta do dólar é um veneno para a inflação, mas é um santo remédio para o agronegócio — resumiu Silveira.
Segundo ele, as altas já apareceram no Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), da Fundação Getulio Vargas (FGV). Os preços agrícolas subiram 1,3% em setembro. Em condições normais, mesmo com o período de entressafra, o aumento ficaria entre 0,25% e 0,30%.
— Essa pressão agrícola já é notada nos índices de preços no atacado — disse.
Silveira afirmou que preços agrícolas representam 25% do IPCA, ou um quarto da composição do índice:
— Vamos começar 2016 com preços agrícolas ainda pressionando a inflação nos meses de janeiro e fevereiro. Porém, com uma taxa de câmbio menor, acreditamos que a inflação fechará 2016 entre 6% e 6,2%.
Para o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal, Francisco Turra, a alta do preço do frango é um refresco para o setor, que ganhará mais em reais. Turra comentou que isso não significa que haverá repasse ao consumidor: — Nada disso é automático. Alan Malinsk, assessor técnico de cereais, fibras e oleaginosas da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), avalia que, ao mesmo tempo que a desvalorização do dólar aumentou a rentabilidade do produtor, também elevou os custos entre 15% e 20%. Mais de 90% dos adubos e dos fertilizantes usados no plantio são importados:
— De qualquer forma, os preços estão tão favoráveis ao produtor que metade das safras de soja e milho do Mato Grosso já foram vendidas antes mesmo de começar a colheita, em fevereiro do ano que vem.
De acordo com Antonio de Padua Rodrigues, diretor-técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), após quatro anos de estagnação, o preço do etanol alcançou um novo patamar, com o reajuste do preço da gasolina. Isso estimulou não apenas a produção de álcool anidro e hidratado, mas também de açúcar.
— Muitas empresas vão conseguir liquidar o endividamento, outras não vão conseguir resolver isso agora. Mas é o momento de voltar a investir na renovação do canavial e em novas tecnologias — afirmou Padua, acrescentando que as usinas esperam o aumento da safra de cana-de-açúcar, que em dezembro deverá ultrapassar 600 milhões de toneladas.
O governo acompanha com atenção os movimentos dos preços livres, embora ainda não tenha examinado especificamente o que vem acontecendo com as commodities agrícolas — cujas cotações são formadas em bolsas internacionais. Segundo técnicos da área econômica, o desaquecimento da atividade econômica tem contribuído para reduzir os efeitos da depreciação do real sobre a inflação.
A exportação de manufaturados também aumenta com o dólar alto. Setores como o calçadista, o de bens de capital e o têxtil confirmam a tendência. O setor de materiais de construção, pela primeira vez em dez anos, registrará superávit na balança comercial em 2015. Serão US$ 300 milhões ante déficit de US$ 1,2 bilhão no ano passado. Além do câmbio, esse segmento se beneficia da recuperação da economia americana.
— O efeito do dólar começou a ser sentido nos últimos dois meses. A maioria dos contratos já havia sido fechado com o dólar desfavorável para nós. O que vai acontecer é acentuar as exportações e diminuir as importações em torno de 35% em relação a 2014 — disse Walter Cover, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat).
O setor de móveis vai pelo mesmo caminho. Com a melhora das exportações, empresas começam a procurar a Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), interessadas em vender seus produtos no exterior.
Em setembro, em relação ao mesmo mês do ano passado, as vendas para os Estados Unidos cresceram 22%; e para a Argentina, 15%. Também houve expansão dos embarques para Uruguai, Peru, Bolívia, Chile e Reino Unido.
— Vemos um número expressivo de empresas que estão buscando a exportação em função do fator câmbio. Recomendamos aos empresários que a exportação deve ser sempre olhada, independentemente do momento econômico vivido. Não se deve tirar o pé do mercado externo. Toda vez que você tira, o processo de recuperação é mais lento e demorado — observou a diretora-executiva da Abimóvel, Cândida Servieri.
Proprietária de uma indústria de móveis no Sul do país,, Maristela Longhi afirma que, a despeito da questão cambial, sua empresa começou a exportar em 1998 e hoje conta com uma lista de clientes de mais de 30 países. Em 2004, 49% do faturamento vinham da exportação. Atualmente, esse índice está em 28%.
— É preciso trabalhar nos mercados interno e externo — aconselhou a empresária.
Alex Wiederhold, distribuidor de peças agrícolas, plataformas de elevação e equipamentos portuários afirma que nunca vendeu tantas peças agrícolas, principalmente para os vizinhos sul-americanos. Este ano, faturamento da empresa aumentou 65%.
— Já prevíamos uma desvalorização, mas foi maior do que esperávamos.
Veículo: Jornal O Globo
Preço agrícola dispara com alta do dólar e entressafra
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