Advogados entendem que cobrança não tem base jurídica e aconselham empresas a recorrer em nível administrativo e judicial. No Distrito Federal, já existe liminar suspendendo a pendência.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está notificando todas as empresas que fizeram o registro de cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes nos últimos cinco anos para cobrar taxas de modo retroativo.
Segundo advogados ouvidos pelo DCI, os valores cobrados vão de R$ 100 mil a R$ 6 milhões, dependendo do porte da empresa e do número de produtos que a empresa notificou à autarquia.
"A Anvisa começou a fazer isso por volta de outubro ou novembro", afirma o sócio da área de direito público e regulatório do Demarest Advogados, Renato Poltronieri.
Em fevereiro, a Anvisa já havia publicado a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 7/2015, para que os produtos com grau de risco um, que possuem a menor chance de causar dano à saúde, mesmo sendo isentos de registro ficassem sujeitos ao pagamento de uma taxa.
Mas agora, nas notificações enviadas às empresas, a Anvisa argumenta que a não incidência da taxa era irregular, e pede o pagamento de todas as notificações de cosméticos feitas desde 2010.
Em um dos documentos, ao qual o DCI teve acesso, a Anvisa informa que "a isenção é instituto de caráter excepcional, admitido tão somente por lei específica". A autarquia acrescenta que "não há amparo na legislação que permita a concessão de isenção da Taxa de Fiscalização de Vigilância Sanitária (TFVS) para os produtos cosméticos isentos de registro".
A advogada especializada em assuntos regulatórios da consultoria De Lucca Mano, Claudia Mano, conta que até a fevereiro a referência das empresas na Anvisa para a notificação de cosméticos era a Resolução 222/2006. Em tabela anexa à resolução constava a sigla 'NI' (não incidente) no campo da "notificação de produto de grau de risco um".
A sócia do Balsini & Corrêa Advogados Associados, Ana Cristina Corrêa de Melo conta que o próprio site da Anvisa gerava um boleto de valor zero após a notificação. "O que nós combatemos é a retroatividade, se houve mudança, que seja a partir de 2015", afirma ela.
A recomendação de Poltronieri, do Demarest, é que a empresa não pague a taxa e faça sua primeira defesa em nível administrativo, na própria Anvisa. "É provável que essa questão só vá se resolver no Judiciário. Mas entendemos que é preciso questionar primeiro em via administrativa, até para vincular o órgão público a essa ilegalidade", explica ele.
Imposto
Além da questão da retroatividade, ele acrescenta que é possível combater a própria taxa. Isso porque de acordo com o Sistema Tributário Nacional, para que haja a cobrança de taxa, é necessário existir uma contraprestação de serviços. É o que ocorre, diz ele, quando o motorista paga uma taxa para fazer o licenciamento do carro.
No caso dos cosméticos, dispensados do procedimento de registro por conta do baixo risco à saúde, a cobrança de taxa não seria possível. "Se não há serviço, a natureza disso é imposto [e não taxa]. Essa iniciativa [da Anvisa] tem um claro intuito arrecadatório. Ela separou as coisas: dispensa o registro, dispensa a contraprestação de serviços, mas não o pagamento da taxa", afirma.
A advogada Claudia Mano conta conseguiu, na última segunda-feira (14), uma liminar suspendendo a cobrança das taxas. A decisão é do juiz da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF), Itagiba Catta Preta Neto.
"A enormidade do valor cobrado - R$ 546.537,11 - em relação à condição econômico-financeira da impetrante, bem como os fortes indícios de cerceamento de defesa na constituição do alegado crédito aconselham a suspensão da sua exigibilidade", disse ele.
Com isso, suspendeu a cobrança sem exigir depósito judicial do valor e ainda vedou a adoção de qualquer medida para forçar a cobrança, tal como inscrição da empresa em cadastros de inadimplência.
Anvisa
Em resposta ao DCI, a autarquia afirmou que iniciou a cobrança devido ao Parecer Consultivo 19/2013 e ao Despacho Consultivo 021/2013, emitidos pela procuradoria-federal junto à Anvisa, Procuradoria-Geral Federal (PGF) e da Advocacia Geral da União (AGU).
A Anvisa afirmou que encontra-se "obrigada a fazer a cobrança para os valores retroativos ainda não prescritos tendo em vista o entendimento legal da AGU de que a cobrança é devida" e que não pode "se omitir de fazê-la".
Disse ainda que as notificações apenas de 2010 somam R$ 23,5 milhões e são relacionados a 1.049 empresas. Os valores dos anos posteriores ainda não foram calculados. Segundo a Anvisa, as mudanças da RDC nº 7/2015 no enquadramento dos produtos foram feitas com base no entendimento da AGU.
Veículo: Jornal DCI