Oportunidade. As fabricantes brasileiras estão ganhando mercado das concorrentes globais, ajudadas pela maior relevância do preço na decisão de compra enquanto a economia patina
São Paulo - A oferta de produtos de menor preço está ajudando fabricantes brasileiras de eletrodomésticos e eletroportáteis a avançar sobre multinacionais. Mas, para manter a participação conquistada, elas precisam investir em inovação para diferenciar seus produtos.
"As multinacionais focaram muito em manter a rentabilidade nos últimos dois anos, então acabaram repassando para os preços toda a pressão que receberam de inflação e câmbio. E o consumidor brasileiro nas compras dos últimos dois anos tem olhado muito para o preço, que ganhou mais força como fator de decisão", explicou o analista da Euromonitor International, Elton Morimitsu.
O levantamento feito pela consultoria mostra que empresas locais como Britânia e Mondial ganharam mais espaço no mercado este ano, enquanto gigantes como Whirlpool, dona das marcas Brastemp, Consul e KitchenAid, e a concorrente global Electrolux encolheram. A Whirlpool tem citado nas últimas divulgações de seus resultados financeiros o impacto da desaceleração da demanda no Brasil. "Esperamos que as vendas em todo o ano de 2016 no Brasil diminuam de 10% a 12%", informou a companhia, no último relatório financeiro.
Apesar do desempenho negativo do mercado brasileiro, a receita líquida da companhia na América Latina avançou 7% para US$ 800 milhões no terceiro trimestre do ano em comparação com 2015. Segundo a fabricante, os preços e o mix de produtos comercializados na região ajudaram a compensar o recuo nos volumes.
A Electrolux também notou uma piora do desempenho no País. "O ambiente macroeconômico no Brasil e na Argentina permaneceu fraco, com impacto negativo no desempenho financeiro de major appliances [linha branca] na América Latina", afirmou o presidente da Electrolux, Jonas Samuelson, em nota divulgada com os resultados do terceiro trimestre. Segundo o executivo, o aumento no preço dos produtos e as reduções dos custos de produção da companhia compensaram apenas parte da queda nas vendas. "Nós reforçamos as medidas para adaptar estruturalmente os custos ao atual ambiente de mercado", afirmou o presidente global da fabricante. As vendas orgânicas da Electrolux na América Latina na categoria de major appliances recuaram 6% no terceiro trimestre frente igual período do ano passado.
Na avaliação do presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, algumas empresas têm ampliado o portfólio de produtos como alternativa para manter o nível de produção, já que a venda por categoria está caindo. "Elas estão buscando diluir seus custos fixos em vários produtos diferentes e claro que as fabricantes tradicionais acabam sofrendo essa nova concorrência", comentou ele.
Crise
Dados da Euromonitor mostram que no período de 2011 a 2016, a categoria de major appliances (refrigeradores, lavadoras, máquinas de lavar louça e microondas), que representa quase todos os eletrodomésticos de linha branca e alguns de linha marrom, registrou queda de 15,8% no volume de vendas, com um total de 22,45 milhões de unidades previstas para serem comercializadas este ano. A categoria small appliances (aspiradores, ferros, aparelhos de cuidados pessoais, aparelhos de aquecimento e aparelhos de tratamento de ar), dominada por produtos de menor valor, cresceu 22,6% entre os anos de 2011 e 2016, segundo levantamento da Euromonitor.
Apesar da perspectiva melhor para as empresas brasileiras, que estão menos expostas a variação cambial e têm maior liberdade na negociação de preços, os números da indústria de eletrodomésticos e portáteis continuarão ruins em 2017. A estimativa da consultoria é de queda de 0,4% no volume de vendas da categoria de major appliances no próximo ano. Já a categoria de small appliances deve registrar alta de 1,8% no volume vendido. É nesse segmento que as marcas Mondial e Britânia têm maior atuação.
"Vemos um cenário bastante desafiador em 2017, ainda sob os efeitos da crise que afetou o Brasil nesses últimos dois anos, mas com crescimento mais forte a partir de 2018", contou o analista da Euromonitor.
Para ele, categorias como cafeteiras em cápsulas, fritadeiras sem óleo, chapinhas e secadores de cabelo, que neste ano sofreram menos, devem apresentar destaque menor em 2017, ao mesmo tempo em que as vendas dos outros produtos começaram a se recuperar. As fabricantes de eletrodomésticos de linha branca, como as gigantes Whirlpool e Electrolux, podem ter alguma chance de melhorar as vendas nos próximos anos, a medida que os brasileiros voltam a consumir produtos de maior valor como geladeiras e fogões, pela necessidade de trocar os antigos.
"A retomada deve ser mais forte justamente nas categorias que acabaram sofrendo mais nos últimos dois anos, como as major appliances (linha branca) que em 2015 e 2016 tiveram quedas fortes", disse ele. A Euromonitor projeta alta de 25,5% no volume de vendas de major appliances no Brasil no período de 2016 a 2021. Já as small appliances devem avançar em menor ritmo, com crescimento de 13,1%.
Inovação
Com a melhora gradual da demanda por esses eletrodomésticos no País, as brasileiras precisam se preparar para encarar a concorrência sem contar tanto com a vantagem do preço.
"O consumidor tende a ficar mais disposto a adquirir produtos de marcas mais caras, consideradas premium quando o orçamento doméstico está mais folgado. E é por isso que as empresas desse setor investem tanto para diferenciar seus produtos", lembrou o coordenador de varejo da Fundação Instituto de Administração (Fia), Claudio Felisoni. Atualmente, as marcas nacionais estão oferecendo produtos similares às concorrentes internacionais. Estas companhias, por sua vez, geralmente inserem inovações e guiam tendências no setor.
"Esse é um mercado muito dependente de tecnologia, por isso as empresas que não inovam perdem espaço. E não vemos fabricantes nacionais deixando de investir, porque mesmo oferecendo produtos mais baratos, elas procuram sim inovar", citou Morimitsu.
O analista da Euromonitor destacou ainda que, apesar dos problemas no cenário macroeconômico nos últimos dois anos, o consumo per capita desses produtos no Brasil ainda é muito baixo, representando uma oportunidade para as empresas elevarem os ganhos nos próximos anos. "A categoria de consumer electronics, para citar um exemplo dessa oportunidade, deve fechar este ano com gasto per capita em torno de US$ 86 dólares no Brasil, enquanto no Chile esse gasto é de US$ 148 e nos Estados Unidos é de US$ 330", ressaltou ele.
Jéssica Kruckenfellner
Fonte: DCI - São Paulo