Indústria e varejo reagem para evitar que a classe média pare de comprar

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O comportamento do brasileiro de classe média está mudando rapidamente, em resposta a um cenário que mescla crise econômica e endividamento. O consumidor está diminuindo a frequência com que faz compras nos supermercados; e começou a trocar algumas das marcas que sempre compra pelas concorrentes mais em conta. Tudo isso para economizar. O próximo passo - caso seja preciso apertar ainda mais o cinto nas próximas semanas - é deixar de comprar certas categorias de produto.

 

Preocupados com essa possibilidade, a indústria de bens de consumo e também o varejo estão dando nó em pingo d'água: lançam embalagens tamanho família, versões diferentes do mesmo produto, aumentam a variedade de marcas próprias e até correm atrás do cliente na porta da casa dele.

 

"Em 2008, o consumidor estava endividado quando o preço dos alimentos começou a subir, devido a alta das commodities no primeiro semestre. Aí veio a crise econômica, há seis meses, e os preços continuaram altos. A reação agora é compreensível, principalmente entre os membros da classe média, onde o medo de perder emprego é maior, já que é nessa fatia que o nível de emprego formal é mais concentrado", diz Ana Fioretti, diretora executiva da LatinPanel. Segundo uma pesquisa recente do instituto, 89% dos consumidores da classe C (renda familiar entre R$ 1,1 mil e R$ 1,6 mil) estavam pagando alguma dívida em 2008.

 

"Somando-se todos esses ingredientes, é compreensível que esse consumidor esteja com medo", diz o vice-presidente da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Martinho Paiva Moreira. O problema é que essa parcela da população, segundo a Nielsen, representa 44% da população economicamente ativa do país. "Se ela chegar à terceira fase do processo de economia, ou seja, passar da troca de marcas para o corte de despesas, vai ser muito ruim", afirma Ricardo Alvarenga, analista de mercado na Nielsen.

 

É esse passo que indústria e varejo querem impedir que o consumidor dê. "Esse é um momento diferente da economia que exige respostas diferentes, para categorias diferentes de produto. Quem não fizer nada, vai perder consumo", diz Eduardo Ragasol, novo presidente da Nielsen Brasil.

 

Produtos como filtro de papel, produtos de limpeza e absorventes são os que enfrentam, agora, concorrência mais acirrada. Esses itens são aqueles que têm mais marcas por mercadoria. "Existe opção para que o comprador escolha outra marca mais barata ou até outra categoria de produto similar, mais em conta", explica Alvarenga, da Nielsen. "Nessas categoria, a troca acontece rapidamente", acrescenta Ana. No caso dos filtros de café, segundo a LatinPanel, a queda acumulada nas vendas em volume chega a 6% nos últimos 12 meses. "O consumidor troca o produto de papel pelo velho coador de pano, que dura mais", explica a diretora.

 

A Kimberly-Clark, fabricante de absorventes femininos, também poderia estar perdendo receita como os fabricantes de filtro. No entanto, a empresa conseguiu se descolar do efeito da crise, com um novo produto. "Por mais de 20 anos o mercado de absorventes internos teve apenas duas marcas", conta Eduardo Aron, diretor de cuidados pessoais da multinacional. Há um ano, entretanto, a empresa lançou sua marca de absorventes internos, bem mais barata que o produto líder (R$ 4,16 contra R$ 5,50). Segundo Alvarenga, da Nielsen, se não fosse a nova opção, a consumidora certamente voltaria em um momento de crise como o atual a comprar apenas o absorvente externo, que custa metade. "Conseguimos fazer o mercado se expandir, em vez de se retrair", comemora Aron. As vendas de absorventes subiram 10% em 2008, segundo a Nielsen, e continuam em alta neste ano.

 

Outras categorias de produtos não tiveram a mesma sorte. Conforme o levantamento da LatinPanel, alguns produtos de limpeza tiveram queda de 4,9% em volume no primeiro trimestre deste ano. "Ninguém fica triste porque, para economizar, teve de trocar a marca líder de desinfetante sanitário por outra de preço mais baixo", diz Ana Fioretti. Nesse time de produtos, só os fabricantes de marcas próprias têm o que comemorar. "Nosso faturamento cresceu 81% em março contra o mesmo mês do ano passado", diz Kazuo Matsui, diretor comercial da Autoshine, que fabrica produtos para limpeza automotiva que levam a marca de supermercados como Wal-Mart e Extra.

 

"Os produtos de marca própria surgiram em uma crise", diz Neide Montesano, presidente da Abmapro, a Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização, se referindo ao período do pós-guerra, na França dos anos 50. "É natural que esse mercado cresça, tanto em vendas como em variedade em época de vacas magras", diz ela, que prevê faturamento este ano 15% maior sobre 2008.

 

Mas nem sempre o consumidor troca de produtos tão facilmente. Há categorias em que a concentração de fabricantes em relação ao volume vendido é enorme. Ou seja, menos de 20% das marcas ficam com 80% das vendas. É o caso de refrigerantes, cerveja, chocolates, e sabão em pó. Na hora da compra, dificilmente o consumidor troca de marca. Mas mesmo assim ele arruma uma maneira de economizar: dá um jeito do produto durar mais para que a próxima compra demore mais para acontecer. A dona-de casa usa um pouco menos de sabão por vez, demora mais para renovar a tintura de cabelo, espreme mais o tubo de pasta de dente.

 

Atento a esse tipo de comportamento, Augusto César Parada, presidente da Vonpar, franqueada da Coca-Cola e distribuidora da Femsa Cerveja Brasil no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, adotou uma estratégia que está dando certo: os "famosos leve 3 pague 2", em várias versões. O produto mais vendido é um pacote de quatro garrafas de Coca-Cola de 2 litros e 250 ml cada. "Os 250 ml são de graça. Assim, no pacote, o consumidor leva grátis um litro a mais de refrigerante", afirma Parada. Ele explica que, com os pacotes, o consumidor leva mais para casa, a um preço unitário até 16% mais barato que o preço da unidade vendida separadamente. "Não vamos dar razão para que o consumidor deixe de escolher Coca-Cola", afirma.

 

Essa estratégia, segundo o consultor de varejo Eugênio Foganholo, é uma das mais eficazes em momentos de crise como este. "Se o consumidor vai menos ao supermercado, assim ele acaba levando para casa o mesmo volume", explica. Outra alternativa para a indústria, segundo ele, é dar mais atenção ao canal de venda.

 

"A Nestlé faz isso muito bem, reforçando seu programa de venda porta a porta", explica. A companhia, além de aumentar o número de revendedoras que vão de casa em casa com produtos da marca, está aumentando a variedade de itens que são comercializados dessa maneira e expandindo essa ação em bairros de classe C. "Se o consumidor não vai ao supermercado, a Nestlé vai até ele", resume Foganholo.

 

Veículo: Valor Econômico


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