Como a fabricante de brinquedos caros começou a conquistar também os consumidores de renda mais baixa
A expansão da classe média e o aumento na renda da população nos últimos anos no Brasil foram comemorados até mesmo pelas crianças do País. Afinal, isso permitiu que elas tivessem acesso aos famosos bloquinhos de montar da dinamarquesa Lego - que foi considerado o brinquedo do século XX. Hoje já é possível encontrar as coloridas pecinhas em casas de famílias de classe C, algo praticamente impensável há alguns anos. Por muito tempo, o brinquedo era acessível apenas para as classes A e B. Para explorar melhor essa oportunidade, a empresa ajustou sua estratégia no País. Além de adotar uma tabela de referência de preços, aumentou a oferta de modelos com preços mais baixos. "Hoje nossos preços começam em R$ 16,90, o que contribui para uma maior penetração na classe C", diz Robério Esteves, representante da marca no País. Atualmente, cerca de 19% do portifólio de 203 itens da Lego se encaixa na faixa de preços que vai de R$ 16,90 a R$ 49,90. Na média, cada modelo da empresa custa R$ 240, sendo que o mais caro supera os R$ 1,8 mil. Para viabilizar essa estratégia, foi necessário negociar diretamente com a matriz e, por vezes, até sacrificar margens para elevar a base de consumidores.
Empresa negociou com a matriz e sacrificou parte do lucro para tornar preços mais acessíveis
Com preços mais acessíveis, há um número crescente de pais comprando modelos Lego para seus filhos no País. Essa avaliação, diz Esteves, é feita com base em informações recebidas dos revendedores. Ele reconhece que não se trata de dados precisos, mas alega que indicam claramente que existe uma tendência. Em parte, isso ajudou a empresa a elevar suas vendas em 2008 em 20,8%. A Lego também tem se beneficiado do contato próximo que mantém com seus revendedores para elevar suas vendas. Esse relacionamento servirá como ferramenta para impulsionar ainda mais as vendas para a classe C. Anualmente, a Lego reúne os principais clientes para identificar os produtos de mais sucesso e definir os mo-delos que serão importados no ano seguinte. Agora, a empresa dará mais atenção às informações e demandas coletadas pelas redes varejistas com forte presença desse público. Para Esteves, essas medidas tornam inevitável o crescimento da Lego na classe C. Elas também serão fundamentais para que a empresa atinja sua meta de elevar entre 15% e 20% suas vendas no País em 2009.
Esteves descarta, porém, a regionalização de produtos, prática comum para cativar consumidores da classe C. "O conceito da Lego é ser um brinquedo com temas universais. Um Lego Carnaval, por exemplo, só seria relevante no Brasil, e o investimento necessário seria muito alto para se obter um resultado relativamente pequeno", explica. "Isso não faria sentido econômico." O melhor, diz, é ajustar a oferta no País à demanda real dos consumidores, utilizando as linhas já existentes. Tanto que, neste ano, serão lançados 140 modelos novos no Brasil, todos seguindo essa filosofia. O cuidado estratégico da Lego se justifica pelas dificuldades que a empresa enfrentou há alguns anos no Brasil. Em 2004, os produtos da Lego simplesmente não foram distribuídos. Isso, inclusive, deu início ao rumor de que a empresa havia deixado o País. "Na verdade, nunca saímos. A empresa estava ativa, mas os produtos sumiram da prateleira", explica Esteves. Na época, problemas de logística impediam a distribuição dos produtos que, por outro lado, não eram importados por dificuldades no contato com a matriz. A solução só veio com a parceria com a M.Cassab, em 2005, afirma. De lá para cá, a marca foi sendo reconstruída bloquinho a bloquinho com a ajuda de crianças das classes A e B. Agora, a Lego quer chamar a classe C para brincar.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro