Crise acelera mercado de marcas próprias

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A crise acelera o desenvolvimento dos produtos de marca própria. A expectativa é que as vendas desses artigos, que até o ano passado representavam 7% do faturamento de supermercados, farmácias e outros tipos de loja, cheguem a 9% neste ano. Na prática, o consumidor escolherá mais marcas próprias e a variedade de produtos também será maior. Com isso, o faturamento do setor, que em 2008 foi de cerca de R$ 170 bilhões, poderá alcançar R$ 197 bilhões até dezembro, segundo a Abmapro (Associação Brasileira de Marcas Próprias).

 

No Grupo Pão de Açúcar, por exemplo, 3% do faturamento era proveniente de marcas próprias no final do ano passado. "Nossa meta é chegar a dezembro com 6%", diz o presidente Claudio Galeazzi. "Ainda é pouco. No Casino, na França, esse percentual é de 30%", afirma. Na rede Dia%, do Carrefour, com 330 lojas no Estado de São Paulo, o total de itens vai passar de 700 para 800 este ano. Atualmente, 83 produtos estão em desenvolvimento.

 

Outra evidência da expansão do setor será a 25ª Feira Internacional de Negócios em Supermercados da Associação Paulista de Supermercados, de 18 a 21 deste mês, em São Paulo, que pela primeira vez terá uma área especial só para fabricantes de marcas próprias.

 

O setor já vem crescendo há alguns anos. O número de produtos de marcas próprias no varejo cresceu 31% entre agosto de 2007 e julho de 2008, segunda a Nielsen. "Mas a crise acelera esse processo", diz Claudio Iriê, diretor de marca própria do Carrefour.

 

Esse impulso vem, por um lado, do desejo do consumidor de economizar. Com medo de um possível desemprego e temendo dias mais sisudos na economia, o brasileiro não deixou de comprar. Mas dá preferência para produtos mais baratos, segundo estudo recente da Nielsen.

 

"Como os produtos marca própria têm qualidade equivalente aos tradicionais e preço de 15% a 20% mais barato, eles saem ganhando", diz a presidente da Abmapro, Neide Montesano. A conta é simples: uma vez que os produtos são fruto de um acordo entre os fabricantes e o varejista, os custos com equipe de vendas e publicidade não existem, o que deixa o preço final mais enxuto.

 

Na outra ponta do negócio, o desabastecimento que bateu à porta dos supermercados no começo do ano também explica a guinada do setor. Desde que a crise estourou, em setembro passado, as linhas de crédito para os pequenos empresários minguaram - e continuam restritas. Como boa parcela do setor de alimentos é representada por pequenos e médios fabricantes, esses empresários descapitalizados tiveram que frear a produção. Entregaram menos produtos para o varejo. Até dezembro, isso não gerou problemas, uma vez que as redes, prevendo vendas menores, queriam baixar seus estoques para fazer caixa.

 

Mas em janeiro, os armazéns começaram a ficar mais vazios que o esperado. "A clientela deixou de adquirir produtos mais caros e de comer fora. Mas ninguém parou de comprar alimentos", diz Martinho Moreira, vice-presidente da Apas. Assustados diante da possibilidade de desabastecimento, os varejistas pressionaram seus fornecedores de marca própria para suprir os estoques.

 

"Os pedidos choveram. Tive um aumento de produção em volume de 22% só neste ano", diz Maurício Moral, diretor da Cinalp, fabricante de achocolatado em pó e outros produtos para bolo para redes como Carrefour, Wal-Mart, Macro, e Assai. "Só não produzi mais por que continuo com problemas de capital de giro apertado."

 

Mas como esses fabricantes conseguem entregar produção e os tradicionais, não? O trunfo está no peso do nome das grandes redes. "Quando negocio com quem me vende matéria-prima, nomes como Carrefour e Wal-Mart fazem diferença. Eles significam prestígio e grande escala que me proporcionam mais descontos e garantia de entrega", diz o empresário.

 

Normalmente, os produtos de marca própria são desenvolvidos em conjunto entre o varejo e a indústria. "No Carrefour, temos uma equipe composta por engenheiros de produção e nutricionistas que desenvolve a formulação dos produtos junto com o produtor, que foi escolhido por meio de uma auditoria. Até a embalagem é desenvolvida por esse time", diz Iraê. O processo todo - desde a ideia de fazer determinado produto até o lançamento - leva até seis meses.

 

Mas nem sempre foi assim. "Nos anos 70, quando surgiram os primeiros produtos no país, eles nem tinham a marca do comerciante", lembra Neusa, da Abmapro. Eram os chamados "marca branca" - itens que vinham em embalagem branca, com uma faixa preta e o nome do produto - "óleo de soja" ou "sabão em pó", por exemplo. Esses itens eram apenas mercadorias da cesta básica e tinham qualidade muito ruim. O apelo era o preço.

 

Nos anos 80 e 90, as marcas próprias evoluíram, ganhando o nome do varejista e mais variedade. Mas ainda pecavam na qualidade. Já nos anos 2000, a coisa mudou. Com a classe C gastando mais, esses produtos se transformaram na chance dessa parcela da população passar a consumir o que antes nem sonhavam. Mas como ninguém estava a fim de comprar só porque custava barato, a qualidade teve que melhorar. E melhorou.

 

"Agora há até produtos marcas próprias que vendem mais que as marcas tradicionais", diz Moreira, da Apas. Nas redes de atacado, por exemplo, a mussarela marca própria (do Roldão ou Assai, por exemplo) têm 60% das vendas.
Hoje, é possível dizer que esse mercado está chegando à sua quarta geração, ou seja: produtos ainda mais baratos, de boa qualidade e inovadores. "São artigos que são novidade, sem similar no mercado", explica Neide. O pão de queijo light e o azeite de oliva extra-virgem orgânico da linha Taeq da rede Pão de Açúcar são um exemplo.

 

Outro aspecto dessa nova geração é o prestígio que certas marcas próprias estão ganhando. Há pouco tempo, nenhuma delas tinha "glamour". Por isso, nunca houve marca própria de cerveja, um produto que não se resume à bebida em si. "Quem toma cerveja não quer só se refrescar. Quer o status que a marca e a bebida dão", explica Ricardo Morici, diretor de marketing da cervejaria Femsa.

 

Mas linhas como a Viver do Carrefour já demonstram ter esse atributo emocional. "Sem perder a vantagem de preço, elas passam a ideia de vida saudável, de bem estar - características que acabam sendo transferidas para quem consome o produto", diz a presidente da Abmapro. Desse jeito, segundo ela, além de produtos cada vez mais variados e sofisticados, em breve poderemos ter até cerveja marca própria

 

Veículo: Valor Econômico


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