Mesmo com a crise, Coop projeta crescimento

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O setor supermercadista brasileiro, que teve lucro líquido médio, em 2008, de 2,12% sobre o faturamento - o maior da série histórica que começou em 1999 -, continua chamando a atenção do mercado de modo geral, principalmente depois de apresentar desempenho forte mesmo diante da crise econômica global. O segmento alcançou incremento de 10,5% no faturamento do ano passado, ao atingir uma cifra de cerca de R$ 158 bilhões. Este ano, a maioria das redes que disputam os consumidores ainda está confiante, tanto que esperam investimentos até 4,4% maiores para ampliar o número de lojas e para reforma das já existentes.

 

Em São Paulo, a Cooperativa de Consumo (Coop), que se mantém na 11ª posição do ranking desse mercado, responsável no ano passado por 75.725 pontos (aumento de 1,5% em relação a 2007), é uma das empresas mais otimistas com o desempenho do varejo nacional. De acordo com Antonio José Monte, presidente da Coop, "o varejo esta bem". Na avaliação do executivo, os supermercados não podem imaginar neste momento que vendem alimentos como arroz, feijão e batata, produtos de limpeza como detergente e sabão e medicamentos, mas imaginar que vendemos a energia da vida, a higienização do lar e a saúde humana. Sem a energia da vida, ninguém sobrevive. "Poderá haver a substituição de produtos de alto valor agregado por outros de menor valor, mas os negócios continuam e prevemos ter crescimento real de 9%", avaliou Monte, em um dos trechos da entrevista dada ao programa "Panorama do Brasil", coordenada pelos jornalistas Roberto Müller, em companhia de Theofilo Carnier, editor-chefe do DCI e Nelson Tucci.

 

Roberto Müller: O senhor dirige uma instituição de que tamanho? Os preços são mais em conta?

Antonio José Monte: Há cerca de 1,5 milhão de cooperados espalhados em 11 cidades apenas no Estado de São Paulo. Nós conseguimos vender mais barato, apesar de considerarmos que venda é algo que se faz a terceiros. Nós fornecemos a cooperados, pois pode ser um ato de comércio, mas sim, nossos preços são de 3% a 16% mais baratos que os dos nossos concorrentes regionais.

 

Roberto Müller: Mesmo com esta discrepância de preços a Coop é um negócio rentável?

Antonio José Monte: Com certeza é rentável, porque o segredo do sucesso não está no fato de vendermos mais barato, mas no giro maior. Nossa estrutura fixa é muito condensada. Nosso organograma não é totalmente Taylor [o americano Frederick Winslow Taylor propôs a utilização de métodos científicos cartesianos na administração de empresas; seu foco era a eficiência e eficácia operacional na administração industrial], é um organograma matricial, m que distribuímos funções, inclusive na horizontal. É um conceito deminiano o que aplicamos na cooperativa. O modelo tem muito sucesso, tendo em vista que temos poucas pessoas em cargos administrativos, por exemplo. Isto, sem dúvida pode afetar a margem líquida do nosso negócio. A venda mais barata, chamemos assim, proporciona giro maior. É um segredo de sucesso. Por outro lado, quando as despesas são pulverizadas, despesas menores, de estrutura, nós temos resultados mais satisfatórios. Além do retorno dos nossos associados, tem também da nossa conta de sobras e perdas, ele também tem o retorno por achar um produto mais barato na nossa cooperativa. A cooperativa pertence a este universo de 1,5 milhão de pessoas.

 

Nelson Tucci: Apenas os cooperados, exclusivamente, podem fazer compras na Coop?

Antonio José Monte: Não. É neste momento que realizamos vendas, pois vendemos a terceiros, que são cerca de 12% do nosso movimento. O objetivo é tentar transformar estas pessoas em cooperados. De qualquer forma, o cliente é bem recebido em nossa cooperativa. Já observamos até que há pequenos comerciantes que compram conosco.

 

Roberto Müller: O que a pessoa precisa fazer para ser um cooperado?

Antonio José Monte: Basta preencher uma ficha de inscrição. Nesta ficha o candidato vai subscrever um capital mínimo, e esta ficha, que contém a assinatura de uma testemunha, vai para um conselho administrativo para efeito de aprovação. Uma vez aprovado, ele já se torna um cooperado.

 

Roberto Müller: Mas é preciso gastar quanto para fazer parte?

Antonio José Monte: Absolutamente nada. Ele já gastou no passado e o que queremos é trazer melhores preços a ele no futuro. O capital mínimo é R$ 100, que não é gasto, mas é do cooperado. Se ele sair da cooperativa leva consigo o capital corrigido em até 12% ao ano.

 

Nelson Tucci: Então é sempre um bom negócio se associar à Coop?

Antonio José Monte: Eu diria que é um bom negócio associar-se a cooperativas de consumo de modo geral, porque a riqueza será muito pulverizada, o resultado não vai para o bolso de poucos e, com certeza, ele está se associando a uma entidade cooperativa e está administrando o seu próprio negócio através de gestores que ele indicou para fazer parte da diretoria ou conselho de administração. Sempre digo que o cooperativismo e o capitalismo, uma vez que não temos o socialismo de maneira forte no mundo, caminham juntos e sem problemas, sem grandes dificuldades. O que analiso é que o cooperativismo carrega sobre si a responsabilidade de combater o chamado capitalismo selvagem. Este paradigma faz parte das nossas discussões e do código de conduta e ética da Coop.

 

Theófilo Carnier: Esta missão tem sido cumprida pela Coop e pelo sistema de cooperativas do Brasil?

Antonio José Monte: Nós nos referimos ao ramo de consumo, mas conheço em todos os 12 ramos. Sei das soluções e dos problemas que existem. Diria que de modo geral o cooperativismo cumpre seu papel. Analiso que, no consumo, nós somos um termômetro regional. Uma vez que o preço da cooperativa é mais barato, nossos concorrentes terão de baixar os preços também. Beneficiamos quem não é sócio. Temos provas documentais de que as três ou quatro empresas mais importantes do Brasil, quando estão no mesmo lugar, têm preços mais em conta do que os de locais onde não estamos presentes. Os preços em São Paulo são mais elevados que em Campinas. O cooperativismo agrícola, que movimenta boa parte do Produto Interno Bruto do nosso País, se beneficia quando faz cooperativismo. Os produtores estocam produtos em comum e vendem isso para todo o mundo.

 

Nelson Tucci: A Coop começou com alimentos e depois abriu o leque, e, a exemplo das grandes redes varejistas, presta serviços ao associado. Se fizermos um raio X, quanto da receita da instituição provém da área de serviços, e quanto, da venda de alimentos?

Antonio José Monte: Temos de considerar os alimentos, os não-alimentos e os eletrodomésticos. As vendas destes produtos perfazem cerca de 85% da receita. Os outros 15% provêm de serviços. Quando não podemos realizá-los, nos associamos a quem saiba, ou delimitamos espaços nas nossas áreas para a pessoa que saiba faça o serviço. Um exemplo são as agências bancárias, lavanderias, óticas e perfumarias, além de bancas de jornais. Os bancos não se limitam a caixas 24 horas, mas, em alguns casos, temos agências do Bradesco.

 

Roberto Müller: A cooperativa já pensou em fazer seu próprio banco?

Antonio José Monte: A Coop já tem uma cooperativa de crédito que atende seus cooperados, mas é um sistema fechado para colaboradores, não para os associados. Contudo, diria que a cooperativa não deve entrar nesta área por causa de sua operating income, que é aquilo que imaginamos que ela saiba fazer - e tomara que ela saiba fazer bem feito. Assim, verticalizar a rede não é a tendência, pois pode prejudicar o associado. Para suprir esta lacuna financeira, nos associamos ao Bradesco. Ele é o nosso correspondente bancário. O cooperado ou não cooperado pode realizar pagamento de contas na boca de nossos caixas. O sistema financeiro não é nosso, mas de quem sabe. Daqui a pouco podemos receber poupança, depósitos, tudo através deste convênio.

 

Nelson Tucci: Na região do ABC a Coop é uma grande liderança de mercado. Quanto de market share vocês têm nesta região?

Antonio José Monte: O market share é de 24% nesta região, onde temos 139 players diferentes. É bem significativo. A ideia é inaugurar mais. Se esta mesma entrevista acontecesse em novembro, eu diria que, ao invés de 27 pontos, teríamos 31.

 

Nelson Tucci: O modelo no ABC deu certo e por isso vocês querem exportá-lo para outros pontos do Estado de São Paulo?

Antonio José Monte: Exatamente. Já temos o modelo em Piracicaba, São José dos Campos, Sorocaba, Tatuí e também na cidade de São Vicente. Vamos ampliar o leque no litoral, desde que não seja uma região de consumo sazonal de verão, porque queremos uma população para o ano todo.

 

Roberto Müller: Como crescer na crise? Como uma cooperativa consegue crescer? A crise chegou até a Coop?

Antonio José Monte: É uma pergunta interessante para se fazer uma análise macro da crise, depois, uma micro, e, por último, uma setorizada. A crise começou ano passado, mas será que foi ano passado mesmo? Diria que não. Ela apenas foi anunciada em setembro, mas já perdura por quatro ou cinco anos. Foi uma crise gerada por falta de crédito, e, olhando para o varejo, ela não foi tão sentida assim. O varejo dá o crédito. Vemos a crise mundial nos países que mais sentiram a pancada de acordo com a sua dependência econômica na aldeia global. O Japão teve uma grave crise, assim como os Estados Unidos. O Japão já vinha com crise. Mas isso é um fato que ocorre lá atrás, nada aconteceu este ano. O Japão é um país que depende muito de mercado externo - de 60% a 70%. O abalo foi muito forte.

 

Vejamos a China, que apesar da crise continua crescendo, mas esse país depende em cerca de 50% do mercado mundial para continuar a crescer. Por outro lado, o Brasil, em termos macro, só depende de si. A dependência do mercado externo é de 14%. A crise externa poderá nos afetar apenas nesta proporção: de 13% a 14%. A crise apenas resvala na nossa economia, não está tão forte como na Europa, na Ásia e nos EUA. Olhando para o Brasil, vejamos a crise por setor. Ela foi muito forte em alguns setores como aviação civil, siderurgia, como a Vale, petroquímica, que, saindo da produção, não está em tão má situação assim, a construção civil e industria automobilística. Esta, nos EUA, teve uma retração de 39%, enquanto no Brasil, em fevereiro, a retração foi de 2,03%. Não foi forte ainda. Poderá pegar? Creio que não, pois nosso mercado interno é muito forte - 87% do PIB. Claro que depende da população economicamente ativa [PEA], daqui para a frente. Vemos que não houve falta de crédito no varejo. O PEA está caindo e sentimos isso, pois vemos a crise afetar o nível de emprego. Temos contabilizado números importantes no Grande ABC, com o desemprego de 13 mil pessoas, o que equivale a 1 ponto percentual do PEA da região. Do outro lado, o varejo está bem, pois crédito nós damos. Não podemos imaginar neste momento que vendemos alimentos, como arroz, feijão e batata, produtos de limpeza, como detergente e sabão, e medicamentos, mas devemos imaginar que vendemos a energia da vida, a higienização do lar e a saúde humana. Sem a energia da vida, ninguém sobrevive. Por este motivo o setor poderá sofrer consequência da substituição de produtos de alto valor agregado por outros de menor valor. Mas não vemos isto ainda, pois a crise trouxe às pessoas um sentimento de receio e medo. As pessoas guardam dinheiro.

 

Nelson Tucci: Seria o índice de confiança do consumidor?

Antonio José Monte: Exatamente isto. A confiança do consumidor está mais aguçada. As pessoas não investem em bens duráveis e sobra mais dinheiro para comprar alimentos melhores.

 

Roberto Müller: Houve um aumento do salário mínimo: isto foi significativo?

Antonio José Monte: De 2008 para cá tivemos uma massa salarial aumentada - as pessoas gastam agora em 2009, cerca de 3,49% acima da inflação e isto é uma injeção de dinheiro na economia - e as pessoas estão usando isso na alimentação, no vestuário, na telefonia celular. Este fato afeta o varejo, o celular afeta muito o varejo, pois o gasto não é a compra do telefone, mas a conta a pagar. Este dinheiro sai de algum lugar, tendo em vista que em algumas castas sociais não se guarda dinheiro. Por todos estes motivos, não estamos sofrendo. Na Coop tivemos um crescimento nominal de 9% no primeiro trimestre. Se tirarmos a inflação do período, o número vai a 3,4%, que seria o crescimento real. Crescer mais de 3% num mundo em crise é muito bom. Acredito que não vendemos somente arroz, feijão, batata: vendemos a energia da vida.

 

Nelson Tucci: Daqui para a frente, como será o resto do ano?

Antonio José Monte: Não prevemos o futuro, pois é algo perigoso, mas temos uma ideia de desenvolvimento a partir de um panorama econômico. O cenário que desenhamos é ter crescimento real de 2,8%, enquanto o PIB brasileiro ficará em 0,5% e uma inflação um pouquinho maior, tendo em vista a probabilidade de termos uma escassez na indústria por falta de produtos. Pela lei da oferta e da procura, vai acelerar o índice de inflação, a qual acreditamos que estacione em 5,5%. Com isso, teremos um crescimento nominal de 9%. Agora entendemos que o continuar disso trará a substituição do consumo por produtos de menor valor agregado. Acredito que sentiremos isso ainda, mas está dentro destes números, uma vez que o mercado recebe cerca de 30 mil produtos novos por ano. É o crescimento de produtos, e o marketing disso é fantástico.

 

Nelson Tucci: Segundo a tendência de consumo, como fica a marca própria da Coop? Quanto ela representa? Qual o nível de aceitação dela?

Antonio José Monte: Marca própria evoluiu muito quanto ao trabalho com ela. Até outro dia se privilegiava o preço, mas agora, de 10 anos para cá, se privilegia a qualidade. Nosso começo neste ramo foi em 1997, e o pano de fundo era a qualidade. Acredito que tenhamos acertado, pois, além de levar nosso nome, temos cerca de 420 produtos e isso é 9,3% do nosso faturamento. A marca própria não deve ser a mais barata, mas focar na qualidade e no que o consumidor quer para sua família. É o ponto de equilíbrio. Não é somente preço, uma vez que na região de atuação da Coop existem pessoas da classe "A" à "D".

 

Veículo: DCI


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