Ceagesp completa 40 anos com modelo em xeque

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Sistema é fundamental para o país, mas modelo de negócio necessita de mudanças

Maior entreposto do Brasil negocia 60% de todo o abastecimento do país, mas tráfego de 18 mil caminhões por dia emperra a logística

 

AGNALDO BRITO
DA REPORTAGEM LOCAL
MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

 

A Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) completa hoje 40 anos em meio a um dilema: segue fundamental para o abastecimento do país, mas, parada no tempo, está confinada a um modelo de negócio que necessita de mudanças.

 

Pela "cidade" de 760 mil metros quadrados, que negociou no ano passado mais de 3 milhões de toneladas de produtos, passam mercadorias que abastecem 64% do Estado e do país.

 

Apesar de verem esforços para melhorar o entreposto nos últimos anos, analistas apontam que problemas crônicos, como a falta de uma boa logística e até a pressão de sindicatos que operam no local, fizeram com que a Ceagesp não agregue mais valor aos produtos. Ao contrário, acrescenta custos.

 

Uma alternativa seria implementar também um sistema de negociação virtual, diz João Carlos de Souza Meirelles, ex-secretário de Agricultura de São Paulo, que tinha um projeto de retirar o entreposto de dentro da capital paulista. "O sistema de negociações físicas vem da nossa ancestralidade."

 

Com uma central virtual, diz, produtos que têm grandes volumes negociados, como a laranja, já iriam da região de produção para as de consumo, sem passar pela capital paulista -reduzindo o número de caminhões na cidade e a perda de qualidade dos produtos.

 

Hoje, até 18 mil caminhões por dia se engalfinham para entrar e sair do entreposto. Todos os números ligados à Ceagesp, aliás, impressionam pelo gigantismo.

 

Um empecilho ao modelo virtual é a padronização rigorosa das mercadorias, de maneira que, mesmo sem ver o produto, o comprador saiba exatamente o que está comprando.

 

Mudança

 

Há 40 anos, o imenso quarteirão da Vila Leopoldina, na zona oeste da capital -esquina das marginais Tietê e Pinheiros-, era só uma gleba sem valor e distante da cidade. Atendia a duas condições essenciais: era próximo o suficiente da roça paulistana e distante o necessário da cidade.

 

Com o crescimento da metrópole, a Ceagesp passou a conviver -e agravar- dificuldades urbanas, ligadas especialmente ao trânsito.

 

João Sampaio, secretário de Agricultura de São Paulo, defende como solução a transferência da Ceagesp para além da faixa do Rodoanel e a construção de entrepostos específicos para flores, frutas, legumes, verduras para a periferia da cidade, mas antes do anel viário.

 

"Hoje, a estrutura funciona, mas para alguns produtos, como frutas ou pescados. Não dá conta de outros produtos, como cereais, por exemplo", diz.

 


Há hoje 54 entrepostos no país, e sua importância é incontestável. Localização e modelo de negócios, contudo, são aspectos-chave para diferenciar os mais modernos dos mais atrasados.

 

 

Rubens Mandetta, que foi presidente da Ceasa de Campinas e trabalhou por três anos no projeto de transferência da Ceagesp para uma área no Rodoanel, diz que foi uma pena o projeto não ter andado.

 

Além de agregar os setores de hortifrútis, o planejado entreposto abortado abarcaria também as negociações da zona cerealista, incrustada no centro de São Paulo, retirando ainda outros milhares de caminhões que circulam pela região.

 

Os projetos esbarram na dificuldade de financiamento. Os estudos para a transferência da Ceagesp para fora da capital indicam um custo de R$ 4 bilhões, cifra muito além da receita anual da empresa, hoje em R$ 114 milhões.

 

Algirdas Antonio Balsevicius, do Sagasp (sindicato dos atacadistas), diz, no entanto, que o valor da Ceagesp é cinco vezes superior ao da implantação de um novo entreposto, já que está em uma área mais valorizada. Ele diz não ter perdido esperanças. "Estamos começando tudo de novo e, pela quinta vez, se fala em mudar as áreas da Ceagesp e da zona cerealista, agora para uma nova área no Rodoanel. É a última chance, porque as grandes áreas disponíveis estão acabando."

 

Alternativas

 

Diante do alto custo de transferir a superestrutura da Ceagesp, há estudos em andamento propondo melhorias. Um prevê transformar armazéns em zonas climatizadas com o objetivo de dar mais 20% de sobrevida aos alimentos.

 

Outro analisa a construção de dois bolsões de estacionamento no Rodoanel para os caminhões. O recurso evitaria a chegada de todos os veículos à capital ao mesmo tempo e disciplinaria o fluxo de produtos.

 

Considerados pelo governo de São Paulo uma medida paliativa, os bolsões devem custar cerca de R$ 25 milhões e serão construídos a partir de parcerias com empresas.

 

Companhia pode sair das mãos do governo federal

DA REPORTAGEM LOCAL

 

Apenas dois entrepostos no país hoje são controlados pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento: a Ceagesp, em São Paulo, e a Ceasa de Minas Gerais.

 

O controle federal é discutido pelo governo do Estado de São Paulo, que já tentou, durante o próprio governo Lula, estadualizar a estrutura, até agora sem êxito.

 

A perspectiva, contudo, tem mudado. Segundo Rubens Boffino, diretor-presidente da Ceagesp, a empresa -federalizada em 1997 e incluída no PND (Plano Nacional de Desestatização)- deve deixar de vez a lista de ativos privatizáveis.

 

"No mundo, o Estado tem assumido posição relevante na economia, não faz mais sentido privatizar. Por isso, as negociações para retirar a Ceagesp do PND estão avançadas", diz Boffino. A pendência está na negociação de uma dívida trabalhista de R$ 35 milhões com o Estado de São Paulo.

 

A decisão sobre os rumos da Ceagesp é fundamental para viabilizar as parcerias com empresas que a companhia estuda, com a finalidade de ampliar a sobrevida do sistema -como a criação de bolsões de estacionamento e de ambientes climatizados que aumentem a durabilidade dos produtos estocados.

 

Representantes do setor privado, todavia, têm outra avaliação do problema. Defendem que a gestão do entreposto passe às mãos da iniciativa privada para evitar os problemas causados pela falta de continuidade de políticas públicas gerada pela alternância de governos.

 

Para supermercados, entreposto é lento e caro

 

DA REPORTAGEM LOCAL

 

A falta de infraestrutura na Ceagesp levou as grandes redes de varejo a tentar alternativas de abastecimento em busca de custo menor, melhor logística e preservação dos produtos.

 

Sussumu Honda, presidente da Abras (associação de supermercados), conta que "os 40 anos da Ceagesp são um marco, mas também motivo de reflexão". O entreposto agrega custos em demasia e acentua a perda excessiva de produtos, diz.

 

Honda diz que, nas grandes empresas, um caminhão pode ser descarregado em 15 minutos, mas na Ceagesp demora várias horas. Outro ponto importante é que a mercadoria pode levar até 24 horas do produtor à loja, via Ceagesp. As grandes redes põem o produto na loja no mesmo dia da colheita.

 

Há também ganho nos preços. Com menos manuseio e embalagens mais adequadas, há redução de custo, que é repassada ao consumidor final, afirma Honda.

 

Mas estudo da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) avalia que as feiras nos supermercados são 20% mais caras do que nos entrepostos.

 

Com a migração dos mercados, dilui-se um importante papel dos entrepostos: o de formação de preços. "A entrepostagem, com todos os problemas que tem, é o lugar onde se vê a formação do preço real das coisas", diz Newton Junior, gerente de modernização do mercado de hortigranjeiros da Conab.

 

Em tempos de crise, o sistema também resguarda os alimentos de oscilações brutas. "O dólar disparou, outros indicadores também, e aqui pode-se ver que a economia real, aquela que produz comida, teve um comportamento normal", diz Rubens Boffino, diretor-presidente da Ceagesp.

 

Veículo: Folha de S. Paulo


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