O empresário Abilio Diniz tem um plano claro para o Ponto Frio, a segunda maior rede de eletrodomésticos do País, que passou anos à deriva, com trocas de executivos, diferentes visões de negócios e perda de espaço para a líder Casas Bahia. Além de dar nova musculatura à rede, o grupo vai usar o Ponto Frio para reforçar sua bandeira Extra, de hipermercados, categoria vista como decadente em outros países.
A empresa recém-comprada vai se transformar numa gigantesca central de compras não só para o próprio Ponto Frio, mas também para os hipermercados Extra e para a rede de eletrodomésticos do grupo, a Extra Eletro. Do alto dos seus mais de R$ 7 bilhões em receita por ano
- somando-se as vendas do Ponto Frio e do Extra Eletro -, o grupo poderá negociar preços melhores com fornecedores aqui ou em outros países.
Mesmo que consiga comprar todas as ações dos acionistas minoritários, Abilio quer manter o Ponto Frio na Bolsa de Valores de São Paulo, para que sua gestão, que será separada, seja fiscalizada pelo mercado financeiro. E, embora a líder Casas Bahia esteja se expandindo para o Nordeste, Abilio quer concentrar o Ponto Frio nas praças onde já atua, a começar por São Paulo.
Entusiasmado com a compra, Abilio, de 72 anos, recebeu a reportagem do Estado na terça-feira de manhã, na imensa sala onde os principais diretores do grupo trabalham, em um ambiente aberto, sem divisórias.
Entre um telefonema e outro para governadores e ministros, para comunicá-los pessoalmente da compra, falou sobre seu papel nas negociações, sua relação com o sócio francês Casino e sobre como retomou o prazer pelo trabalho depois que voltou a interferir nas principais decisões do grupo. "Eu já estava cuidando de outras coisas, mas estou mais alegre, focado no negócio de novo", disse Abilio, que descarta vender sua participação para o Casino, que a partir de 2012 terá mais poder no grupo.
Como será o novo Ponto Frio? Vai ser uma empresa aberta na bolsa?
O Ponto Frio será uma subsidiária integral do Pão de Açúcar, e a nossa intenção é deixá-la como companhia aberta. Estamos fazendo uma oferta de ações, mas mesmo que todos os acionistas vendam, nós vamos mantê-la no mercado. Até para caracterizar um negócio com gestão diferente.
Ainda não detalhamos tudo, mas o Ponto Frio vai funcionar como uma central de compras para o grupo. Os hipermercados e o Extra Eletro serão abastecidos pelas compras feitas pelo Ponto Frio, e isso já é busca de sinergias.
Os hipermercados vão continuar vendendo eletroeletrônicos?
Sim, mas vamos ser muito mais fortes buscando todo tipo de sinergia, seja com fornecedores, seja na área de logística e em tudo mais. Nós já temos um "global sourcing" (rede de compras global) importante, do Pão de Açúcar acoplado com Casino, com escritórios em vários países da Ásia.
Por que manter a empresa na bolsa?
É uma garantia para a própria empresa. Fica mais transparente, tem um compromisso com o mercado. Os executivos são vigiados o tempo inteiro.
Veja, por exemplo, esse negócio de Petrobrás sendo vigiada por CPI, por política. Ela tem mais é de ser vigiada pelo mercado. É uma companhia que tem dono? Sim, é uma companhia do Estado. Mas também não é uma companhia pública? Então, vamos vigiar por esse lado. Não há vigilância melhor que a do mercado.
A ideia é manter as marcas Ponto Frio e Extra Eletro?
Em princípio, sim. O nosso pessoal de pesquisa de mercado está trabalhando firme nisso, já que não podíamos fazer nada disso antes de efetivar a aquisição. Mas, em princípio, a marca Ponto Frio é muito forte e vai continuar.
Qual é a prioridade: praças que estão pouco ocupadas pelas grandes redes ou investir em São Paulo, por exemplo, onde as Casas Bahia quase não têm concorrentes?
Quando estamos num mercado, gostamos de fortalecer cada vez mais esse mercado antes de buscar novos. É preferível ser forte nos lugares onde você já está, e quando decidir ir para um lugar novo, ir com força.
Estamos abrindo em mais um Estado novo, o Tocantins. E o Ponto Frio está nos trazendo mais quatro Estados novos (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso e Espírito Santo). Não vamos, a princípio, abrir em mais nenhum Estado, e sim fortalecer aqueles aonde já estamos. É claro que em São Paulo, a nossa base, nós vamos fazer isso.
Por que a compra do Ponto Frio era tão importante?
Na parte de eletroeletrônicos, nós não tínhamos escala. Com mais ou menos R$ 2,5 bilhões em vendas por ano dentro do grupo, éramos menores que o Magazine Luiza, menores que o Ponto Frio e muito menores que as Casas Bahia. Agora, com a aquisição, passamos direto para mais de R$ 7 bilhões. Não sei quanto vende a (Casas) Bahia, porque é uma empresa fechada, mas passa a ser 60% do que é a Bahia, algo desse tipo. Começa a ter uma escala mais respeitável. Daí para frente, ser 60% da Bahia, ser 80% ou ser 110%, não vai mudar nada. Nós já adquirimos a escala necessária.
Como foi a sua atuação na negociação do Ponto Frio?
Como presidente do conselho do grupo, claro que participo das decisões estratégicas, e eu participei dessa aquisição diretamente. Não na linha de frente, não fui a Nova York negociar - embora tenha estado lá para conversar com a Lily (Safra, dona do Ponto Frio). Posso acrescentar para o grupo a minha experiência como empresário. Mas o trabalho é feito pela equipe.
Sua conversa com a Lily Safra foi decisiva na negociação?
Eu acho que foi um detalhe, mas um detalhe importante. Eu conhecia a Lily superficialmente. Nesse dia, a gente se olhou um nos olhos do outro, e acho que isso gera uma certa confiança. Tanto que ela se tornou acionista do Pão de Açúcar. Com direito a um cargo no conselho.
Ela tem um cargo e o Carlos Monteverde (filho de Lily) tem um de observador. E estamos muito contentes de eles participarem. É mais uma vigilância, e mais uma garantia para o acionista.
O Ponto Frio vinha tentando se reestruturar há muito tempo, trocou de executivos, tentou ser vendido, nada dava certo. Imagina-se que o grupo vai tentar dar nova escala à rede...
Acho que a diferença que vamos levar para o Ponto Frio é o "management" (gestão). É o conhecimento profundo do negócio. Eu mal conheço os executivos de lá, mas sei que são capazes, Manoel Amorim (presidente do Ponto Frio) é um executivo capaz, mas eu não sei quanto ele teve de autonomia por parte dos acionistas. O que eu acho que vai fazer a diferença? O nosso domínio de TI (tecnologia da informação) e logística.
Como é que o sr. tem atuado no Grupo Pão de Açúcar?
O que aconteceu no Pão de Açúcar nesses últimos anos? Eu precisava profissionalizar o grupo. Não podia ficar mais naquela de: "Ih, mas e o dia em que o Abilio não estiver mais lá?". Eu tinha de profissionalizar. Por isso, os meus dois filhos, o João Paulo e a Ana Maria, saíram, eu saí da diretoria executiva, e iniciei a profissionalização com o Augusto Cruz, que depois saiu. Fui buscar uma pessoa de fora, o Cassio Casseb. Esses foram cinco anos duríssimos aqui dentro. Eu acho que, depois de a gente penar tanto tempo, acertamos. E não é que acertamos porque fomos buscar o Claudio Galeazzi (que assumiu a presidência executiva do grupo em 2007), mas acertamos porque voltamos às nossas origens. Voltamos a trabalhar de forma integrada, sem disputas internas. Hoje, eu sinto que essa empresa está vivendo, se não o melhor momento dela, um dos melhores momentos da sua vida no que diz respeito à equipe. Hoje, é um time.
Há cinco anos, o grupo francês Casino assumiu metade do grupo, e se especulava que o senhor ia se aposentar. Mas agora o senhor parece estar entusiasmado com o negócio...
Esse início de profissionalização, esses cinco anos foram duríssimos para mim. Não porque eu perdi poder ou espaço, nada disso. É porque eu me obriguei a ficar numa retaguarda, deixando que as coisas acontecessem. Tive de fazer uma grande força para ver coisas erradas acontecendo e dar espaço. Durante um bom tempo, isso me tirou um pouco o prazer de trabalhar. Agora, isso mudou. Quando nomeei o Claudio, disse o seguinte: o que vai mudar de agora em diante? Tudo que acontecer nessa companhia, eu vou estar atento. Se eu concordar, vamos fazer. Se não concordar, eu dou a oportunidade de que as pessoas me convençam que estou errado. Se não me convencerem, eu levo para o conselho. Se a gente não aprovar, não vamos fazer. Isso mudou a minha vida. Saí daquela fase de deixar o cara fazer para aprender com os próprios erros. Passei a participar mais. Eu estou focado nos negócios de novo com essa gente.
Em 2012 vence seu atual contrato com o Casino. É mais fácil imaginar o sr. recomprando ações do Casino ou vendendo mais?
Não sei.
É uma questão em aberto?
Sair, não. Veja, eu me dou muito bem com o Casino - sou membro do board deles, tem épocas até em que eu me dedico muito mais à França que ao Brasil. Não preciso falar em recomprar ou coisa parecida. Mas eu estou mais para ficar, mais para olhar isso aqui, buscar crescer cada vez mais, estou mais para participar mais da direção do negócio, das decisões na França. Se eu continuar como estou hoje, saudável, eu estou mais para trabalhar, para fazer esse negócio crescer, do que para vender.
A ideia de recomprar já circulou no mercado. O sr. já parou para pensar nisso?
Claro que a gente pensa, a gente sempre pensa. Mas, veja, recomprar nem é tão importante, porque, no fundo, o que muda após 2012? O Casino vai ter uma ação a mais que eu na holding. E o que isso quer dizer?
Ele vai ter um pouco mais de vetos do que tem hoje. E um pouquinho mais de direitos do que já tem. Hoje, nós temos igualdade, eu e o Casino, e eu tenho o management. Isso é muito importante. Eu sou o presidente do Conselho, os acionistas controladores - eu e o Casino - são obrigados a me eleger. E é o presidente do Conselho quem elege o presidente executivo. Eu sou o elemento de ligação entre o Conselho e o presidente. E, a partir de 2012, eu continuo exatamente assim. A partir de 2012, o Casino vai ter mais vetos e mais direitos do que tem hoje. Mas eu vou continuar tendo o principal, que é o management.
O Pão de Açúcar tinha em caixa R$ 1,7 bilhão, vai desembolsar cerca de R$ 500 milhões com o Ponto Frio, ou seja, continua capitalizado. Quais são os planos para esse capital? Podem vir novas aquisições?
Entendam minha posição: eu tenho 22% (do capital total) desse grupo, e tenho uma responsabilidade com os outros 78% - o Casino e o mercado.
Então, temos obrigação aqui dentro de olhar tudo aquilo que aparece do nosso setor, do nosso ramo. Não posso dizer que vamos fazer aquisições, mas também não posso dizer que não vamos. Porque isso depende muito de oportunidade.
Qual foi a sua sensação ao acordar hoje novamente como o maior varejista do Brasil?
Ah, olha, esse tipo de coisa não me pega. Acordei hoje como eu acordo todos os dias, às 5h30 da manhã, fui fazer meu esporte, fui dar um beijo na minha filha, fui tomar café com a minha mulher. Cara, olha para mim: na minha idade, tenho um filho que vai nascer em novembro, uma filha de três anos... Você acha que eu vou querer, daqui a uns dez, 15 anos, buscar os meus filhos na escola e todo mundo dizer: "Ah, quem é aquele velhinho ali com a Rafaela e o Miguel?" Então, tenho de ficar esperto... É isso, a vida não muda nada, continua assim.
Quem é:
- Abilio Diniz
- É presidente do Conselho do Pão de Açúcar desde 2003. Divide o controle do grupo com o francês Casino, com 50% do capital votante para cada
- Foi um dos fundadores da Associação Paulista de Supermercados (Apas) e membro do Conselho Monetário Nacional (CMN)
- É bacharel em Administração de Empresas pela FGV
SAÍDA: "Se eu continuar saudável, estou mais para fazer esse negócio crescer que para vender (as ações)"{TEXT}
CAPITAL ABERTO: "Manter o Ponto Frio na Bolsa de Valores será uma garantia para a própria empresa"
GESTÃO: "Saí da fase de deixar o cara errar para aprender com os próprios erros. Passei a participar mais"
Veículo: O Estado de S.Paulo