A Unilever sertaneja

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A pernambucana ASA se transformou em uma potência regional ao fabricar 250 produtos de dez marcas diferentes. Agora, a empresa tenta conquistar o resto do Brasil com seus artigos de limpeza, alimentos e fraldas descartáveis

 

Seja qual for o critério adotado, a Região Nordeste detém hoje os melhores indicadores de expansão econômica do país. E, entre todos os sinais da efervescência na região, o que mais salta à vista é o crescimento do comércio varejista. Dos 12 estados brasileiros que registram expansão de vendas acima da média nacional, seis são do Nordeste, segundo dados do IBGE relativos ao mês de fevereiro. Quatro estados nordestinos - Maranhão, Piauí, Sergipe e Ceará - tiveram crescimento superior a 7%, o dobro do resto do país. Esse fenômeno, diretamente ligado ao aumento da renda, tem provocado mudanças no ambiente de negócios da região. Uma delas, já conhecida, é uma súbita afluência de multinacionais que procuram explorar todo o potencial da região. A segunda, bem mais discreta, é o surgimento de uma nova linhagem de companhias locais dedicadas aos produtos de consumo. Trata-se de um grupo de empresas dos mais diversos tamanhos que surfam em meio ao crescimento. Nenhuma delas, porém, alcançou a abrangência da pernambucana ASA, sediada em Recife. Nos últimos sete anos, a empresa multiplicou seu faturamento por 5 - eram 100 milhões de reais em 2001 frente aos 500 milhões registrados no ano passado. De suas três fábricas, localizadas em Pernambuco e na Paraíba, saem 250 produtos como molhos de tomate, detergentes, misturas para bolos e fraldas descartáveis, agrupados sob dez marcas. "A ASA se transformou em uma espécie de mini-Unilever com chapéu de couro", diz o consultor de varejo Eugênio Foganholo, comparando a empresa nordestina com a multinacional anglo-holandesa que fabrica 400 tipos de produtos de 16 marcas.

 

A ASA é uma criação do empresário pernambucano Eduardo Henrique de Oliveira e Silva, de 40 anos. Ele começou sua carreira de empresário como importador de milho no início dos anos 90. Dois anos depois, abriu um empreendimento para processamento de trigo e produção de farinha, criado com sua ex-mulher, Patrícia, e seu ex-sogro, João Evangelista Tenório, membro de uma tradicional família de usineiros de Alagoas. Em 1996, Silva vendeu sua processadora de trigo para o grupo Bunge e em troca recebeu uma fábrica de produtos de limpeza em Recife, dona das marcas de sabão em pó Invicto e Bem-te-vi. Com o apoio financeiro do ex-sogro, iniciou uma transformação na unidade obsoleta. Criou novas linhas, como a de amaciantes Pétala e de fraldas descartáveis Baby&Baby, e ampliou as marcas originais com novos produtos. No começo de 2002, Silva estreou no mercado de alimentos ao comprar da Unilever uma unidade que produzia flocos de milho, derivados de tomate, sucos, doces e conservas das marcas Vitamilho e Palmeiron, também tradicionais na Região Nordeste. "Os consumidores dos produtos de limpeza da ASA eram os mesmos dos produtos Vitamilho e Palmeiron", diz Silva. "Sempre acreditei que o segredo de um bom negócio era oferecer produtos variados". Atualmente a acionista majoritária da empresa é sua ex-mulher Patrícia. Silva e o ex-sogro têm uma participação minoritária.

 

Desde a compra da antiga fábrica da Bunge, Silva investiu cerca de 100 milhões de reais na ampliação e modernização das três unidades fabris da empresa, na Paraíba e em Pernambuco. Criou a linha de produtos de limpeza, de higiene pessoal e de alimentos. Em ritmo acelerado, agregou mais de 200 produtos a seu portfólio - uma média de 30 por ano. Cada novidade chegava ao mercado com preço até 15% inferior ao dos concorrentes. Paralelamente, a ASA desenvolveu uma estratégia focada em parcerias com distribuidores e atacadistas para vender para pequenos varejistas, como as mercearias do sertão nordestino. O motivo é simples. A venda do varejo no Nordeste é mais pulverizada que a das demais regiões. Enquanto no Sul e Sudeste os pequenos varejistas são responsáveis por cerca de15% das vendas, no Nordeste a participação sobe para 30%. "Como as redes se tornaram importantes canais de vendas no Sul e Sudeste, as grandes indústrias focaram em venda direta para grandes varejistas e, de maneira geral, passaram a dar pouca atenção aos pequenos. No Nordeste, empresas como a ASA cresceram justamente no vácuo deixado pelas concorrentes", diz Sussumu Honda, presidente da Associação Brasileira de Supermercados.

 

A ASA está longe da liderança dos mercados de produtos de limpeza e seu poder de fogo é infinitamente menor que o das multinacionais do setor - mas, como tantas outras empresas talibãs surgidas nos últimos anos, conquista participações consideráveis. Com base em dados da consultoria ACNielsen, executivos do setor calculam que o avanço da ASA e de outros pequenos fabricantes locais no segmento de sabão em pó teria tirado 10 pontos percentuais a participação de mercado da Unilever na Região Nordeste nos últimos dez anos. Líder absoluta, a Unilever viu sua fatia de mercado cair de 70% para cerca de 60%. Uma das reações da empresa foi reduzir os preços. "O Omo custava o dobro do meu sabão mais caro em 2006. Hoje, a diferença não passa de 50%", diz Silva. Procurados, os executivos da Unilever não concederam entrevista. Movimentos desse tipo, com reduções de preços, em geral costumam corroer as margens de lucro das grandes multinacionais. Por essa razão, é difícil para as empresas suportar essa estratégia por muito tempo. A americana Kimberly-Clark, por exemplo, concorrente da ASA na área de fraldas descartáveis, passou alguns anos tentando ampliar sua participação no mercado nordestino focando em produtos básicos, embalagens menores e mais baratas. Quando percebeu que entraria numa guerra de preços, recuou. Desde o ano passado, a Kimberly-Clark passou a dirigir seu esforço de marketing para tentar convencer os consumidores nordestinos a comprar seus produtos pela qualidade diferenciada e não pelo preço. "O objetivo é fazer com que o nordestino leve pelo menos um produto da empresa na cesta de compras", diz o executivo Pedro Tella Coletta, diretor da Kimberly-Clark para a região.

 

Para manter o ritmo de crescimento dos últimos anos, a ASA terá pela frente grandes desafios. O principal deles é defender o terreno nordestino dos avanços das multinacionais, que têm migrado boa parte de sua produção para os estados da região com o estímulo de generosos incentivos fiscais. Nos últimos anos, a Unilever investiu mais de 170 milhões de reais na construção e ampliação de parques fabris na região. O investimento mais recente, estimado em 85 milhões de reais, está sendo feito na unidade de Igarassu, em Pernambuco, para passar a fabricar produtos das marcas Omo, Surf e Brilhante. Outras empresas como a Nestlé, que também tem grandes unidades na região, passaram a dar mais atenção aos pequenos varejistas e aumentaram as parcerias com distribuidores. "Boa parte do sucesso das empresas locais se deveu à proximidade e familiaridade com os clientes. O custo logístico para levar produtos de São Paulo para o Nordeste é de 15%, enquanto a média do transporte dentro de uma mesma região fica em torno de 6%", diz o consultor Luis Arjona, especialista em bens de consumo e sócio da consultoria Bain&Company. "No entanto, as multinacionais agora estão com suas novas fábricas funcionando a plena capacidade, o que começa a tornar seus produtos bem mais competitivos."

 

Em seu processo de crescimento, a ASA criou um formato de expansão diferente do adotado por outras grandes fabricantes de produtos de consumo do Nordeste. Duas delas, as cearenses J. Macedo e M. Dias Branco, optaram por se expandir em escala nacional, adquirindo marcas tradicionais em mercados distantes de sua região de origem. Há cinco anos, a J. Macedo comprou do grupo Bunge marcas fortes do segmento de massas, farinhas e misturas para bolos na Região Sudeste - entre elas a Petybon e a Sol. Na mesma época, a M. Dias Branco fez um movimento semelhante e comprou marcas regionais do Sul e do Sudeste, entre elas a paulista Adria. Hoje, a companhia é a maior fabricante de massas e biscoitos da América Latina. A ASA não pretende, pelo menos não agora, segundo Silva, seguir esse modelo. Os planos preveem a expansão da empresa nacionalizando as próprias marcas. Hoje, 30% do faturamento da ASA é proveniente de vendas para outros estados. Crescer mais do que isso, porém, é complicado. Outras empresas, como Friboi e Hypermarcas, buscaram projeção nacional ao lançar produtos de marcas até então desconhecidas nos territórios dominados pelas multinacionais. Depois de um relativo sucesso sustentado por pesados investimentos de marketing, as empresas viram vários de seus lançamentos cair na irrelevância - uma lição que não pode ser desprezada pela Unilever do sertão.

 

Veículo: Revista Exame


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