A crise mundial fez despencar o movimento de cargas aéreas no país. Houve queda de 31% no volume transportado de janeiro a maio em relação a igual período do ano passado, com redução especialmente acentuada do comércio exterior. O dado positivo é que as empresas viram sinais de recuperação mais forte da demanda nas últimas duas semanas, renovando suas esperanças de deixar para trás o pior momento para esse setor desde 2001 - quando a combinação de atentados terroristas nos Estados Unidos e racionamento de energia elétrica no Brasil afetou dramaticamente o transporte de cargas por avião.
"Começamos a ter bons sinais de recuperação", afirma o diretor-comercial da Infraero, Fernando Nicácio da Cunha Filho, explicando que essa tendência ficou clara a partir de junho. O gerente de vendas da ABSA Cargo, Alexandre Silva, concorda: "Já observamos uma pequena tendência de alta. Nem chamaria de recuperação, mas quando está caindo e para de cair, é muito positivo."
Nos cinco primeiros meses de 2009, segundo a Infraero, o movimento de cargas importadas caiu de 174 mil para 114 mil toneladas (-36%) e o de cargas exportadas diminuiu de 123 mil para 86 mil toneladas (-30%). A redução foi menor nas cargas nacionais, que encolheram de 99 mil para 72 mil toneladas (-26%).
Quatro aeroportos absorvem 80% de tudo o que é transportado no Brasil por aviões: Guarulhos, Campinas, Manaus e Galeão. Eletrônicos, partes e peças para aeronaves, equipamentos de telecomunicações, medicamentos e CKDs de automóveis (os esqueletos dos veículos) são alguns dos principais produtos.
O gerente da ABSA repara que houve contração da demanda, mas a oferta de voos continuou bastante grande - seja por meio de linhas puramente cargueiras, seja pelo uso dos porões de aeronaves de passageiros que fazem rotas de longo curso. Um efeito evidente da sobra de espaço foi a queda entre 25% e 30% das tarifas cobradas, o que fez empresas trocarem o frete marítimo pelo aéreo em alguns destinos. Apesar da redução de cargas de e para os Estados Unidos e Europa, houve expansão para a Colômbia (onde a frequência de navios diminuiu) e para a Venezuela (cujas importações de alimentos perecíveis do Brasil, como leite e ovos, provocaram crescimento de 4% na carga aérea neste ano).
Outro reflexo inevitável será nas contas da Infraero. Em 2008, dos R$ 2,526 bilhões da receita operacional bruta da estatal, cerca de 24% foram provenientes do movimento de cargas. Por razões comerciais, o diretor não revela a receita com cargas neste ano, mas antecipa que a participação caiu para 20% do total. Nicácio diz que essa queda tem sido compensada até agora pelo aumento da receita comercial, de 11% de janeiro a maio de 2009, com a locação de espaços nos aeroportos.
Diante das perspectivas de reaquecimento da economia, a ABSA, que detém 26% do transporte de cargas no país, acredita na volta do crescimento para o segmento de cargas aéreas no último trimestre. A expectativa da Infraero é a mesma. "Mas para retomar os níveis pré-crise, só daqui a dois anos, com sorte", pondera Silva, dosando as previsões mais otimistas de recuperação.
Apesar de a estatal dos aeroportos garantir que não há estrangulamento da infraestrutura para a movimentação de cargas, a crise deu mais folga para a maturação de investimentos em novos terminais. A Infraero inaugurou recentemente seu 34º terminal de cargas (Teca), em Porto Velho. Em 2009, R$ 64 milhões estão sendo aplicados nesse segmento. Os investimentos incluem reformas, ampliações e compra de equipamentos, como empilhadeiras, balanças, câmaras frigoríficas e transelevadores.
Há boas perspectivas de concluir neste ano a reforma dos terminais 1 e 2 de Manaus, segundo Nicácio. Ele também aposta na entrega das obras de novos terminais em Fortaleza e Curitiba (ainda em 2009), e em Brasília, Goiânia e Porto Alegre (2010).
O diretor adianta que apresentará à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) um pedido de permissão para flexibilizar as tarifas de armazenagem e capatazia cobradas pela Infraero. Hoje a estatal tem de uniformizar os preços e não pode negociar descontos com grandes clientes, o que dá munição aos concorrentes pelo alfandegamento. Outro problema é a exigência de dupla cobrança das tarifas para cargas internacionais que entram por exemplo, por Guarulhos ou Campinas e depois seguem para terminais de cargas no interior do país. "Estamos amarrados", afirma Nicácio, explicando que as mudanças precisam ser avaliadas pela Anac, que regula o setor.
Para ele, as alterações são cruciais para avançar na conquista de mais cargas domésticas. Os maiores competidores da Infraero nesse mercado têm sido as estações aduaneiras, ou "portos secos", responsáveis pelo desembaraço aduaneiro. Nesses casos, a estatal tem bem menos receitas do que quando os produtos são desembaraçados e mantidos em seus terminais.
Veículo: Valor Econômico