Cotações no mercado futuro alcançam as maiores altas em décadas e mercado no Brasil se mantém no auge da safra
Bolsa de Nova York registra maior valor em 3,5 anos para o primeiro contrato; saca de 50 kg sobe ano a ano e já chega a R$ 42 em SP
Chuvas além da conta no Brasil e clima muito seco na Índia sustentam os preços do açúcar no mercado internacional. Ontem, num dia de forte alta das commodities -produtos primários com grande participação no comércio mundial-, o açúcar fechou a 19,14 centavos de dólar por libra-peso, alta de 2,85% em relação ao pregão de sexta-feira no mercado futuro de Nova York.
A máxima chegou a 19,43, o maior patamar em 3,5 anos. Em Londres, a tonelada ficou em US$ 502,90 para o primeiro contrato, valorização de 2,26%, na maior cotação em 25 anos.
Em relação a um ano atrás, os preços nova-iorquinos estão 35,46% mais altos. Os londrinos, 24,79%. Analistas esperam que os futuros do açúcar superem em breve os 20 centavos de dólar por libra-peso em Nova York. Confirmada essa previsão, cairá um recorde de 28 anos. Essa tendência se explica pela evolução das safras dos maiores produtores mundiais.
"A Índia está muito seca, e o Brasil, muito úmido. Isso ocorre em um momento de déficit [global] de 9 milhões de toneladas", afirma Hussein Allidina, chefe de pesquisa de commodities do Morgan Stanley. Ele prevê que a produção brasileira alcance 35,7 milhões de toneladas.
"Entretanto, se as chuvas continuarem, a cana será deixada nos campos."
Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da Unica (União da Indústria de Cana de Açúcar), afirma que o mercado corrige os efeitos de projeções que não devem se confirmar. No começo da safra, em abril, a expectativa era que o centro-sul do Brasil chegasse a 32 milhões de toneladas de açúcar, depois dos 26,8 milhões da temporada 2008/09.
A previsão foi revista para 31,2 milhões, mas, "agora, aparentemente está difícil chegar a esse número". O excesso de chuvas diminuiu o teor de sacarose dos canaviais, reduzindo o rendimento do processamento do açúcar e do álcool.
Monções
Na Índia, o problema é o oposto do Brasil. "A falta de precipitações eleva a probabilidade de que as estimativas [da safra que começa a ser colhida em outubro] sejam otimistas demais", diz Allidina. As monções não têm trazido a umidade necessária ao campo indiano.
Até agora, porém, o Morgan Stanley mantém a projeção de que o país asiático produza 19,4 milhões de toneladas na nova temporada, 3,4 milhões mais que na estação atual. No auge, a colheita indiana chegou a 28 milhões de toneladas.
Todo esse cenário faz com que os preços do açúcar no mercado interno brasileiro permaneçam em elevação. Mírian Bacchi, pesquisadora do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP), comparou o preço atual da saca de 50 kg no interior paulista com as cotações médias das safras passadas, retirado o efeito da inflação.
O indicador do açúcar cristal fechou ontem em R$ 42, R$ 10 mais que a média de toda a safra passada. Em relação à temporada anterior, o aumento é de R$ 13. "As projeções do mercado futuro de Nova York são favoráveis até meados de 2012", afirma Bacchi.
Álcool está a salvo, dizem especialistas
A valorização nos mercados mundiais fez com que o açúcar assumisse no primeiro semestre do ano um novo papel na pauta de exportações brasileiras.
A receita chegou a US$ 3,19 bilhões, crescimento de 53%, o maior entre as principais commodities agrícolas comercializadas pelo país. Em julho, a alta do faturamento com as vendas externas de açúcar foi de 34,3% ante o mesmo mês de 2008. Em volume, a alta foi de 36,8%, para 10,4 milhões de toneladas de janeiro a junho. O país exporta praticamente 70% do que produz. Esse desempenho ameaça a produção de álcool?
Antonio de Padua Rodrigues, diretor da Unica, diz que não é simples mudar a logística de distribuição de álcool para a de açúcar. Além disso, quase 40% das unidades do centro-sul produzem apenas etanol.
Como o combustível vem de um período de preços achatados, as empresas não têm recursos para investir no redirecionamento para o açúcar.
A Unica prevê que 57,7% da safra atual de cana vire álcool (ante 60,5% na anterior). A participação do açúcar deve subir de 39,5% para 42,3%.
Para Mírian Bacchi, professora da USP e pesquisadora do Cepea, o setor está maduro para não comprometer o promissor mercado de biocombustíveis.
Veículo - Folha de S.Paulo