A indústria que virou loja

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O resultado do segundo trimestre da Hering veio para mostrar que a empresa pode chegar ao fim deste ano com faturamento bruto da ordem de R$ 800 milhões conforme acredita o presidente da empresa, Fábio Hering. Entre abril e junho, a receita bruta foi de R$ 209,3 milhões, após crescimento de 42,5% na comparação anual - repetindo o feito dos últimos trimestres. Para os próximos anos, o executivo não vê dificuldade em alcançar a casa do bilhão nas vendas. E o mercado paga para ver, como mostra a alta da ação de 123% no ano até ontem.

 

No segundo trimestre, o faturamento líquido avançou 41,7%, para R$ 170,4 milhões. O inverno rigoroso do fim do trimestre e as campanhas de Dia das Mães e dos Namorados permitiram também um aumento na margem, com a diluição dos custos fixos. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (lajida) somou R$ 32,5 milhões, o que representa 19% da receita líquida. O lucro líquido também avançou 293,9% na comparação anual, para R$ 10,9 milhões.

 

Porém, mais do que o inverno, o desempenho é fruto de uma mudança de estratégia aplicada com mais intensidade nos últimos dois anos, após a oferta de ações de 2007, na qual migrou para o Novo Mercado e captou R$ 211 milhões. Com a operação, a família fundadora diluiu o controle e tem hoje menos de 20% do negócio.

 

Desde então, os peixinhos da logomarca Hering não representam mais uma empresa têxtil centenária e familiar do sul, mas uma companhia de varejo de moda.

 

Para a camisa básica que deu fama à companhia, sobrou pouco espaço nas lojas de novo conceito criadas pela empresa. Mas a imagem da moda básica e casual continua como pilar das campanhas de marketing, pela identidade já criada com o público.

 

O ativo que permitiu essa reformulação é herança da família: os irmãos Bruno e Hermann Hering começaram a confecção das camisetas de malha de algodão em 1880. Junto com a expansão de sua produção, a família também foi, ao longo do tempo, agregando valor à marca - desde então já simbolizada pelos dois arenques (em alemão, hering) que representavam os irmãos fundadores.

 

E foi essa a herança que permitiu a recriação do negócio a partir de 2006. "Entendemos que nossos ativos de maior valor eram nossa marca e os canais de distribuição", explicou Fábio Hering.

 

Com isso, a companhia passou a dar foco na abertura de lojas próprias e franqueadas para vender produtos de moda, com valor acessível. A marca Hering possui hoje um leque amplo de produtos atualizado com as tendências em seis coleções por ano.

 

O objetivo, segundo Fábio Hering, é aplicar o mesmo conceito às marcas PUC (infantil) e Dzarm (jeans juvenil), que contribuem com 8% e 6% da receita, respectivamente. A ideia é revitalizar o nome, adquirido em 2000 de Carlos Miele, dono da M.Officer, diz Marcos Ribeiro, diretor de marketing, que trocou a C&A pela Hering há dois anos. Conforme o desempenho do produto em lojas multimarcas, poderão surgir as lojas próprias.

 

Essa virada de modelo fez com que a empresa trocasse parte do risco industrial pelo de crédito, um dos principais desafios do varejo, ao lado da folga em capital de giro.

 

A percepção que levaria a essa mudança, na verdade, veio já no fim da década de 90. Mas chegou junto com a pressão de uma situação financeira difícil desencadeada pela maxidesvalorização cambial em 1999.

 

Até 2004 o único foco da companhia foi obter rentabilidade para sobreviver. Não houve expansão dos negócios. Pelo contrário, a empresa chegou a encolher e optou por descontinuar marcas como a Omino, além de sair de canais que exigiam muito capital de giro, como Lojas Americanas, por exemplo. "Parecia não haver luz no fim daquele túnel." Em dezembro daquele ano, o patrimônio líquido chegou bem perto de ficar negativo: R$ 1,1 milhão, para uma dívida líquida de quase R$ 485 milhões.

 

O plano que transformaria por completo o negócio só pôde ser traçado em detalhes a partir de 2006, depois da renegociação das dívidas um ano antes. O trabalho de revisão da estratégica envolveu a consultoria Bain & Company. Mas a companhia passou quase oito anos estagnada, como uma empresa de faturamento líquido pouco maior que R$ 300 milhões, antes de voltar a crescer.

 

O aumento de receita só voltou a ser possível em 2006. A expansão se intensificou após a oferta de ações. "Essa operação teve papel preponderante na estratégica. De lá para cá, foram dois anos expressivos", disse o presidente.

 

Os recursos com a operação permitiram a empresa avançar rapidamente na abertura de lojas próprias, já com um conceito de moda rápida, diferenciado. Além de oferecer suporte às franquias. Ao fim de 2006, tinha dez lojas próprias e 141 franquias. Encerrou junho com 39 unidades próprias e 205 franquias. O plano é fechar 2009 com um total de 268 unidades e 2010, com 325. As lojas existentes já respondem por cerca de 60% das vendas da marca Hering. O restante é feito no modelo tradicional multimarca - lojas que vendem diversas marcas de produtos.

 

Atualmente, a produção de terceiros já responde por 50% do volume vendido pela Hering. Os principais fornecedores da empresa estão localizados no Oriente, com destaque para a China, e na América Latina. No momento, as compras da Ásia respondem por 15% da receita. Mas essa fatia varia conforme as oportunidades de mercado. Fábio Hering ressaltou, porém, que a fatia terceirizada não deve passar de 60%.

 

Além da expansão, a oferta trouxe um colchão financeiro que a empresa pretende manter para enfrentar o risco maior que o varejo oferece: além do crédito, há elevada necessidade de capital de giro e risco de coleções não serem bem-sucedidas, entre outros. Ao fim de junho, a Hering tinha dívida R$ 116,2 milhões, para um caixa de R$ 133,5 milhões.

 

Apesar de as ações estarem em sua máxima histórica, com o valor de mercado da companhia acima de R$ 900 milhões, Fábio Hering afirma que não há interesse em fazer nova captação com emissão no mercado. Os recursos são suficientes para o plano de expansão, diz.

 

Mas foi justamente com a parte financeira que a companhia tomou o maior susto desde que implantou seu projeto. Com a puxada do dólar causada pela crise recente, os sócios se deram conta da existência de derivativos numa operação de crédito da qual não tinham ciência completa. No balanço de dezembro, os contratos tinham potencial de levar a uma perda de R$ 45 milhões. Mas, em junho, o risco de perda caiu para R$ 1,5 milhão, fruto da combinação da valorização do real e da estratégia de renegociação paulatina adotada, diz Frederico de Aguiar Oldani, que substituiu Vilmar da Costa na diretoria financeira e comandou a renegociação. O desembolso de caixa com a antecipação de alguns vencimentos consumiu apenas R$ 5,3 milhões.

 

Veículo: Valor Econômico


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