História do Wal-Mart, história dos EUA

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Será que o mundo precisa de mais um livro sobre o Wal-Mart? A maior varejista do planeta inspirou obras tanto de admiradores irrestritos como de críticos inflamados, mapeando sua ascensão à eminência nos EUA e no resto do mundo desde que Sam Walton abriu uma loja de descontos no Noroeste do Estado de Arkansas em 1962.

 

Os admiradores adoram a hipereficiência da varejista e seus baixos preços; os inimigos lamentam seu modelo de baixos salários e o veem como a apoteose dos males do consumismo americano contemporâneo.

 

Com "Retail Revolution", portanto, Nelson Lichtenstein enfrenta o clássico problema varejista de diferenciar seu produto numa prateleira apinhada. Nesse caso, o ingrediente especial é a experiência do autor como historiador do movimento trabalhista - Lichtenstein é professor na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara - que lhe permite apresentar alguma perspectiva histórica oportuna e novas reflexões sobre o sempre presente grande debate sobre o Wal-Mart.

 

A questão de se o Wal-Mart é bom ou ruim para os EUA foi colocada a Hillary Clinton durante as primárias na campanha presidencial democrata em 2008 - e ela inteligentemente respondeu tanto "sim" e "não".

 

Mas, para Lichtenstein, a questão equivale a indagar se os EUA são bons para os EUA, e faz lembrar as críticas às companhias ferroviárias no fim do século XIX, ou o elogio à Ford Motors por pagar salários acima do mercado a seus operários. Nos EUA, ele escreve, "duras denúncias ou extravagantes elogios a uma determinada empresa de capital fechado muitas vezes substituiram debates mais amplos sobre o sistema empresarial em si mesmo".

 

O Wal-Mart, argumenta Lichtenstein, são os EUA, na medida em que seu crescimento reflete as condições econômicas e políticas dominantes no país e no mundo no fim do século XX.

 

Inovações tecnológicas, como código de barras e comunicações via satélites, deram à varejista os instrumentos de que necessitava para construir um império comercial. A mudança para um ambiente mais liberalizante em termos de ambiente regulamentador e comercial a partir dos anos 1980 criou as condições para a expansão. A ascensão da China à condição de "a fabricante mundial" criou mais oportunidades para crescimento e o poder aquisitivo do Wal-Mart proporcionou-lhe a capacidade de explorar as oportunidades emergentes.

 

O livro cobre, inevitavelmente, um terreno já batido, ao descrever o crescimento do Wal-Mart, que nasceu como uma pequena rede rural em uma área pobre a tornou-se uma gigante mundial. Mais interessante é o foco do livro nas relações trabalhistas e na cultura antissindical da companhia - oportuno, em razão dos atuais esforços empreendidos pelos democratas no Congresso para fazer o equilíbrio de poder nas relações trabalhistas voltar a pender em favor do movimento sindical.

 

Lichtenstein relata como John Tate, um executivo veementemente antissindical, ajudou Walton em sua primeira briga contra uma tentativa de organizar os funcionários - por iniciativa do sindicato de trabalhadores lojistas - em seus pontos de venda no Missouri, no início da década de 1970.

 

Tate era um mestre no uso de técnicas para "evitar sindicatos" que se tornaram parte do arsenal do patronato em todo os EUA. Ele também foi extremamente bem-sucedido, e disse orgulhosamente aos funcionários do Wal-Mart em 2004, aos 86 anos de idade, ter sido parte das razões pelas quais os sindicatos representam apenas 9% da mão de obra privada nos EUA, numa queda em relação a mais de 33% na década de 1950.

 

Mas isso foi cinco anos atrás. Naquele momento, o sindicato UFCW, representante de empregados no comércio de produtos alimentícios, tinha desistido de tentar organizar os funcionários de lojas Wal-Mart nos EUA e estava envolvido numa campanha política mais ampla, centrada num debate público sobre um modelo de negócios baseado em baixos salários. Agora, após a eleição de Barack Obama para a Presidência, o sindicato diz ter mobilizado organizadores mais uma vez, após um surto de renovado interesse de filiação por parte de funcionários de lojas.

 

O fato de o UFCW ter tido êxito em tentar organizar funcionários do Wal-Mart parece um desfecho improvável, e o Wal-Mart e outras companhias varejistas estão pressionando fortemente para manter essa improbabilidade. A empresa parece mais invencível do que nunca. Em meio à recessão, o desempenho do Wal-Mart superou o de todos os seus principais concorrentes, em termos de crescimento de vendas, graças à presença maciça dos americanos com dinheiro escasso em suas lojas gigantescas.

 

Mas Lichtenstein argumenta tratar-se de ganhos de curto prazo. O novo mundo que está sendo moldado pelo Grande Crash de 2008 será diferente das condições nas quais o Wal-Mart originalmente se desenvolveu. Sua clientela, ele argumenta, está cada vez mais buscando uma volta à regulamentação e à responsabilidade social.

 

O livro subestima a importância dos esforço que o Wal-Mart fez nos nos últimos três anos para melhorar suas práticas no terreno de questões ambientais e sociais. Mas Lichtenstein corretamente prevê que a varejista continuará se adaptando a mudanças no cenário social e político.

 

Neste segundo semestre, por exemplo, o Wal-Mart causou enorme surpresa no setor varejista, ao compartilhar a posição do sindicato SEIU, que congrega trabalhadores do setor de serviços, apoiando a ideia de que os empregadores americanos deveriam ser legalmente obrigados a oferecer alguma forma de seguro-saúde. Essa posição é anátema para a maioria de seus concorrentes, e está a mundos de distância do pensamento de Sam Walton e John Tate.
 


Veículo: Valor Econômico


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