Cortar e crescer ao mesmo tempo

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Depois de se afastar da liderança, o Walmart prepara uma nova fase de expansão com investimentos rcordes e a mudança de sua estrutura no Brasil

 

Nos últimos dois anos, grandes movimentos sacudiram o cenário do varejo no Brasil. Em 2007, a rede francesa Carrefour adquiriu o Atacadão, uma mistura de atacado com varejo popular, cujo formato está entre os que mais crescem no país. Depois, foi a vez do Pão de Açúcar. A empresa de Abilio Diniz e do grupo francês Casino primeiro absorveu a cadeia Assai, também voltada para o consumidor de baixa renda, e voltou à carga, mais recentemente, com a compra do Ponto Frio, segunda maior rede de lojas de eletroeletrônicos do país. Enquanto tudo isso acontecia, o Walmart, maior empresa de varejo do mundo, permaneceu aparentemente impassível. Nada de aquisições, nenhum movimento brusco, pouco risco. E, assim, seus principais concorrentes conseguiram se distanciar na liderança. Em 2006, a diferença de faturamento do Walmart para o líder do setor era de 3,6 bilhões de reais. Hoje, 9 bilhões de reais separam os americanos do grupo Pão de Açúcar.

 

Pois o estado de letargia, prometem os executivos do Walmart, está chegando ao fim. Nos próximos dias, a rede inicia mudanças profundas em sua operação brasileira. Até o final do ano, serão investidos 1,6 bilhão de reais na construção de 90 lojas, o maior aporte já realizado pela companhia no país desde que chegou aqui, em 1995. Ao mesmo tempo, as operações do Bompreço e do Sonae, cadeias compradas em 2004 e 2005, começarão finalmente a ser integradas. "Chegou a hora de criar um único Walmart", diz Héctor Núñez, presidente da rede no Brasil. "Precisamos disso para acelerar o crescimento."

 

Desde o ano passado, a rede trabalha no projeto de integração de processos e sistemas de sua operação no Sul do país, herdada do Sonae, no Nordeste, originária do Bompreço, e no Sudeste, região onde o Walmart se estabeleceu inicialmente. Um levantamento realizado pela empresa detectou uma série de ineficiências nos escritórios das três redes. Algumas situações são surreais. Passados quatro anos da última aquisição, as antigas operações do Sonae e do Bompreço ainda mantêm entidades jurídicas diferentes da unidade do Sudeste. Com isso, cada compra realizada em nome do grupo precisa ser lançada em três sistemas de gestão diferentes. Todo o complexo processo de controle de mercadorias é analisado por métricas diversas, o que torna difícil, por exemplo, comparar com precisão o estoque do Nordeste com o do Sudeste. Qual a unidade mais eficiente? Para saber com certeza, é preciso fazer conversões. De maneira geral, todo o sistema de avaliação de desempenho é moroso. As estatísticas e os dados referentes ao negócio (tais como pagamento de impostos, vendas, compras de mercadorias) precisam ser enviados à central pelos escritórios regionais para que os números sejam finalmente consolidados.

 

A situação, evidentemente, se repete em relação a cargos e custos. Em uma primeira etapa do levantamento, realizado com a ajuda da consultoria Gradus, foram identificadas repetições de função no alto escalão do grupo. Isso levou à demissão de 19 diretores, realizada há três meses. Mas esses cortes foram apenas o início. Até o fechamento desta edição, o Walmart preparava o anúncio de uma segunda onda de desligamentos. Desta vez, um corte mais profundo. Serão 85 funcionários, todos de nível gerencial e de coordenação. O Walmart estuda também a criação de uma central de serviços compartilhados, que deverá se localizar em Osasco, na Grande São Paulo. A ideia é concentrar tarefas como tesouraria e execução de folha de pagamentos em um só lugar -- hoje, o serviço é feito três vezes, uma vez para cada unidade da companhia. A demora na absorção dessas operações (afinal, são quase cinco anos de atraso) pode ser explicada pela cautela que caracteriza a atuação do Walmart no Brasil. Quando comprou o Bompreço, então com 118 unidades, o Walmart tinha 25 lojas no país. Era um pequeno engolindo um gigante. A situação se repetiu no ano seguinte, com a aquisição do Sonae, dono de 140 lojas. Na época, a grande preocupação era que interferências em excesso por parte do Walmart prejudicassem o desempenho das duas operações.

 

A estratégia adotada no Brasil é, em larga medida, função direta das experiências traumáticas vividas pela rede durante seu processo de expansão para fora dos Estados Unidos. Em 2006, o Walmart foi obrigado a deixar a Alemanha e a Coreia do Sul depois de ter sido rejeitado por consumidores que não se adaptaram ao modelo importado de Bentonville, cidade-sede do Walmart. Bompreço e Sonae eram operações vencedoras em seus mercados. Por que mudar o que estava dando certo e impor um novo estilo? O preço da decisão foi a manutenção de uma estrutura pesada. Segundo cálculos de executivos do varejo, o Walmart precisaria cortar mais 40 diretores (além dos que já saíram) para igualar sua estrutura de alto escalão à do Pão de Açúcar. A rede tem no Brasil quase 10 000 funcionários a mais que o Carrefour, apesar de faturar 5,5 bilhões de reais a menos. "Esse número também se explica por nossos formatos diferenciados de loja, que têm impacto no número de funcionários", diz Núñez. "E nem sempre o que é bom para os concorrentes é bom para o Walmart."

 

As duas aquisições que permitiram à empresa ganhar relevância no Brasil foram lideradas pelo espanhol Vicente Trius, ex-presidente da subsidiária. Graças ao sucesso da empreitada, Trius foi promovido ao cargo de presidente da rede na Ásia e, há quatro meses, tornou-se o principal executivo do Walmart para a América Latina. O ônus da integração do Bompreço e do Sonae com o Sudeste, que tanto preocupava a matriz, ficou sob responsabilidade de seu sucessor, o cubano Héctor Núñez. Pela primeira vez em sua carreira, ele tem como missão identificar e eliminar ineficiências advindas de aquisições. Núñez é um forasteiro na estrutura do Walmart. Enquanto a maior parte dos executivos do primeiro escalão fez carreira na companhia (ou nas empresas compradas), Núñez foi trazido da indústria de bens de consumo. Em suas passagens mais recentes, foi vice-presidente da fabricante de sucos Del Valle e diretor de novos negócios da Coca-Cola. "Para fazer as mudanças necessárias na organização, Núñez precisa vencer as resistências da própria equipe, acostumada com a estrutura descentralizada", diz um executivo próximo à companhia.

 

Resistências à parte, os desafios enfrentados por ele não se esgotam apenas na integração das aquisições. Hoje, o índice que mede o retorno dos investimentos realizados pelo Walmart no Brasil está abaixo da média das operações internacionais da rede, situação que Núñez pretende mudar em cinco anos. A reorganização que está sendo posta em prática deve contribuir para a melhora do índice. Mas a maior parte terá de vir do crescimento. E o uso certeiro do aporte de 1,6 bilhão de reais é essencial para o resultado. Segundo a estratégia desenhada por Núñez, 40% das novas lojas do Walmart serão abertas no Sudeste e no Centro-Oeste. "O problema é que esses são os mercados mais competitivos do país, onde a presença do Carrefour e do Pão de Açúcar é preponderante", diz a analista Daniela Bretthauer, do banco Raymond James. Outra meta a ser alcançada por Núñez é a autossuficiência da operação brasileira. O país é frequentemente destaque nos relatórios de desempenho de vendas do Walmart, mas ainda depende do capital da matriz para fomentar sua expansão. Cabe a Núñez fazer com que a companhia ande com as próprias pernas por aqui -- e, para isso, ele terá de perseguir os concorrentes Carrefour e Pão de Açúcar mais de perto.

 

Veículo: Revista Exame


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