Aumento no forno

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Medidas do governo para ajudar produtor nacional de trigo podem acabar contribuindo para aumentar o preço do pãozinho francês. Panificadores já falam em alta de até 10%

 

A indústria panificadora brasileira recebeu com surpresa um novo ingrediente que assusta e coloca em risco o preço do pãozinho: o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, defendeu a alta da tarifa de importação do trigo. A medida vem em momento desfavorável da produção, pois o Brasil colhe safra menor do que a esperada e também de qualidade inferior, devido às intensas chuvas que atingiram as lavouras no principal estado produtor, o Paraná. Com isso, o Brasil terá que importar volume maior do que se esperava inicialmente. Para piorar, o principal fornecedor brasileiro de trigo, a Argentina, enfrenta um ano de baixa oferta.

 

O objetivo de Stephanes é tentar reverter a queda do preço do trigo nacional no mercado interno, que afeta o produtor brasileiro. Para isso, pretende atuar em três frentes: fim da importação automática da Argentina, elevar a Tarifa Externa Comum (TEC) de 10% para 35% e interferir diretamente no mercado por meio de leilões de apoio à comercialização. Os empresários de padarias começam a fazer as contas. Nos últimos anos, eles têm tentado segurar o preço do pãozinho com o objetivo de elevar o consumo brasileiro, considerado baixo (de 30 a 33 quilos per capita/ano).

 

O vice-presidente da Associação Mineira da Indústria de Panificação (Amipão), Tarcísio Moreira, diz que uma possível elevação da tarifa poderia deixar o paõzinho até 9% mais caro. Segundo ele, a farinha de trigo representa 35% do custo da produção e não seria possível absorver custo tão alto. Hoje, o fardo de 50 quilos é comercializado em média por R$ 68. Apesar disso, Moreira não crê em aumentos imediatos. “No ano, sempre esperamos uma alta   entre 10% e 12% no custo da matéria-prima. É natural que no período da entressafra haja especulações sobre aumento de preços. Não acreditamos que hoje exista clima para vender o pãozinho mais caro.” Em Belo Horizonte, o quilo do alimento é comercializado em média por R$ 8. “Até o momento, não notamos pressão de preços no trigo. Percebemos até uma leve desaceleração”.

 

A nova taxação vai na posição contrária ao trabalho do setor nos últimos anos, segundo José Batista de Oliveira, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria Brasileira de Panificação e Confeitaria (Abip). “Há muita especulação, mas todo aumento de custo prejudica o nosso empenho para tentar aumentar o consumo de pão. E ainda estamos em mês de dissídio coletivo, que pressiona ainda mais os custos”, afirma. Ele garante que a política para o problema da entressafra do trigo precisa ser de longo prazo. “As medidas não podem ser precipitadas”, diz.

 

A recepcionista Jéssica Linhas compra de cinco a seis pães por dia em uma padaria na Zona Sul da capital. Paga R$ 7,60 pelo quilo. O pão é para o lanche com os colegas de trabalho. Se o preço subir, ela afirma que vai levar de casa. “Moro no Bairro Guarani. Lá é a metade do preço. Se subir, trago de casa, como já fiz outras vezes”, diz.

 

A auxiliar de serviços gerais Aída Silveira compra cerca de 30 pães diariamente (15 pela manhã e 15 à tarde) para a empresa onde trabalha. Em casa, ela compra só nos fins de semana. “Ouvi falar de um possível aumento, em função do preço do trigo. Se subir, vou reduzir o consumo, pois pão é um produto que compramos com muita frequência”, diz. O gerente da padaria Pane D’Oro, Edmilson Cardoso Oliveira, desconhece qualquer reajuste no preço do pão. “Ainda não foi repassado nada. Mas o pão não sobe na mesma proporção do trigo”, diz.

 

Antes de as chuvas afetarem as lavouras de trigo, gerando intenso ataque de doenças fúngicas, o Paraná poderia colher safra recorde e tudo indicava que o Brasil passaria com certa tranquilidade por mais um ano de baixa oferta da Argentina. Mas o cenário mudou. O governo paranaense já reduziu para menos de 3 milhões de toneladas a safra do estado, ante um potencial produtivo de 3,5 milhões de toneladas e contra 3,2 milhões de toneladas no ano passado. Se não fossem as perdas com as chuvas, a safra brasileira poderia atingir 5,8 milhões de toneladas.

 

MINISTRO PONDERA Apesar do temor da indústria panificadora, o ministro Stephanes garantiu que o consumidor pode ficar tranquilo. “A ação do governo não vai fazer com que o preço do pãozinho aumente", disse. De acordo com ele, o preço do trigo não corresponde a 10% da produção de pão. “O excesso de chuva na hora da colheita e da maturação, em determinadas regiões, gerou o aparecimento de doenças que não puderam ser combatidas”, explicou.

 

As primeiras licenças para exportação de trigo na Argentina começam a ser liberadas, atendendo à demanda dos países vizinhos, em especial o Brasil. A Argentina volta ao mercado depois de meses sem exportar. Tanto que o Canadá, que eventualmente exporta trigo para o Brasil, foi por dois meses seguidos o principal fornecedor da matéria-prima para a indústria moageira nacional. Em setembro, as importações do Canadá somaram 131, 4 mil toneladas, ante 106,6 mil toneladas do Paraguai, 72,1 mil toneladas do Uruguai e 26,6 mil toneladas dos EUA. Da Argentina, vieram 30,9 mil toneladas. No acumulado do ano, as importações brasileiras de trigo somam 4,1 milhões de toneladas.
 


Veículo: O Estado de Minas


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