A volta do vinil

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A ironia do momento na indústria fonográfica: enquanto os cds agonizam, as velhas bolachas e os toca-discos ressurgem com força em pleno século 21
 


O chiado das velhas bolachas, a arte de acertar a agulha no início da faixa preferida, as mensagens satânicas que podem ser ouvidas rodando o disco de trás para a frente, as capas e os encartes maravilhosos, alguns assinados por artistas como Andy Warhol, a barreira física de pouco mais de 20 músicas de cada lado, onde cabem até seis petardos de roqueiros como os Ramones, ou o Bolero, de Ravel, dependendo do gosto do freguês... Esse mundo do disco de vinil parecia enterrado para sempre com o advento do CD, em meados dos anos 80. Numa das reviravoltas mais surpreendentes e carregadas de ironia da história da indústria musical, eis que a situação hoje é mais ou menos a seguinte: o CD perdeu grande parte de seu encanto e parece estar com os dias contados, atropelado pelo tráfego de arquivos musicais na internet e todas as suas consequências, como o iPod; enquanto isso, o LP ressurge das cinzas e, como atestam as vendas crescentes de álbuns e de equipamentos analógicos, tem mais chance de garantir um lugar ao sol no século 21, ainda que apenas como um nicho de mercado.


 
 
Nos Estados Unidos, o principal mercado do mundo, as vendas de LPs em 2009 devem chegar a 2,8 milhões de unidades, ou 50% mais que o número de 2008, segundo dados da Nielsen SoundScan, entidade que monitora a indústria fonográfica. Os CDs seguem em direção contrária, embora representem um mercado muito maior. A última estatística disponível, referente a setembro, chegou a ser comemorada -- queda de "apenas" 5,9% nas vendas. O sopro de otimismo da indústria ocorreu porque foi o segundo mês do ano com um declínio menor que dois dígitos. Em resposta a esse ressurgimento do som analógico, a indústria de equipamentos de som vem apresentando versões para o século 21 dos toca-discos. Durante boa parte dos anos 80 e 90, a tecnologia desse produto simplesmente hibernou e ele era visto com mais frequência nas mãos de DJs do que nos equipamentos de som domésticos. Agora, a coisa mudou. Agulhas de ouro, dock para gravação das músicas direto para um iPod e feixe de laser para ler os sulcos das bolachas estão entre os acessórios disponíveis nessa nova geração de vitrolas. Os preços podem superar os 500 000 reais.

 


No Brasil, embora não existam estatísticas referentes às vendas de LPs, é possível ver que algo diferente está acontecendo por meio de pistas indiretas. A principal delas é a reabertura da Polysom, no Rio de Janeiro, prevista para ocorrer no próximo mês. A Polysom foi a última fábrica de discos de vinil a fechar no país, em outubro de 2008. O espólio acabou nas mãos do empresário João Augusto, dono da gravadora Deckdisc, que ficou com o negócio ao assumir as dívidas da Polysom (ele não revela o valor da transação). "Estamos nos preparando para produzir quase 30 000 LPs por mês", diz. As gravadoras nacionais que lançam álbuns de seus principais artistas com versões em vinil (uma política cada vez mais comum aqui e lá fora) são obrigadas hoje a importar a matéria-prima. A Sony do Brasil, por exemplo, colocou na praça no início deste ano a coleção Primeiro Disco, com bolachas de artistas como Chico Science & Nação Zumbi e João Bosco. Em 2010, a coleção segue com AC/DC, Pink Floyd e outros astros internacionais.

 

O relançamento de bolachões de alguns dos dinossauros do rock pode dar a falsa impressão de que o renascimento do vinil faz parte de uma onda saudosista, da mesma veia retrô que transformou as velhas geladeiras em objetos descolados de decoração. Na verdade, até consumidores da era digital andam à procura de LPs e toca-discos nas lojas especializadas. Na montagem de modernos home theaters, os equipamentos de som analógicos passaram a ser itens cada vez mais requisitados. "Em 20% dos projetos, nossos clientes pedem para incluirmos toca-discos", afirma Patrícia Duarte, uma das sócias da Raul Duarte, um dos pontos de venda mais tradicionais de São Paulo no comércio de aparelhos de som de última geração. Além da qualidade sonora -- para muitos audiófilos, o vinil ganha de goleada do CD nesse quesito --, a falta de praticidade do produto é, curiosamente, um dos diferenciais que provocam fascínio entre os compradores. "Não dá para ouvir um vinil no ônibus, na praia, na pista de cooper", afirma o baterista Charles Gavin, que se divide entre o trabalho com os Titãs e as funções de produtor musical especializado no relançamento de pérolas perdidas no catálogo das gravadoras. "As novas gerações estão descobrindo o prazer que há no ritual de colocar um disco para ouvir na vitrola. Para essa turma, é uma forma diferente de degustar suas bandas preferidas."

 

Veículo: Revista Exame


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