Façam o que faço

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Por que algumas grandes empresas estimulam -- e até mesmo exigem -- a adoção de práticas sustentáveis em toda a cadeia de fornecedores
 

 
O executivo americano Sean Cady, diretor mundial de sustentabilidade da fabricante de jeans Levi's, esteve no Brasil em setembro para tratar de um assunto que virou uma de suas principais preocupações nos últimos tempos: o plantio de algodão. Há três anos, um estudo sobre o ciclo de vida do modelo 501 -- a primeira calça jeans lançada pela empresa, há mais de um século -- revelou que cada peça consome mais de 3 000 litros de água em dois anos, considerando-se os gastos no cultivo da matéria-prima, na fabricação do tecido e nas lavagens feitas pelo consumidor. Quase metade desse consumo ocorre nas fazendas. A Levi's não compra algodão dos agricultores -- o tecido é adquirido diretamente das tecelagens. Para obter uma redução significativa no consumo de água, porém, era preciso atacar o problema na origem. "Podemos zerar nosso consumo de água em nossas fábricas, escritórios e lojas, mas o impacto ambiental da calça continuará imenso", diz Cady. "Por isso, precisamos diminuir o consumo nas fazendas para nos considerarmos verdadeiramente sustentáveis."

 

Em busca de uma solução para o problema, a Levi's fez uma parceria com a ONG Better Cotton Initiative (Iniciativa para um Algodão Melhor), cujo objetivo é disseminar técnicas sustentáveis na produção do algodão -- o que inclui a redução do uso de água e pesticidas, a preservação da biodiversidade e o respeito às normas de proteção aos trabalhadores. Durante sua visita ao Brasil, Cady foi acompanhado por Allan Williams, coordenador técnico ambiental da BCI. Ambos se reuniram com produtores para promover o método de plantio sustentável. Atualmente, a Levi's não tem nenhum controle sobre a origem do algodão utilizado. Até 2015, a meta é empregar, no mínimo, 5% de algodão sustentável em todas as suas roupas. A companhia discute com seus fornecedores uma forma de rastrear e comprovar o uso do algodão produzido com boas práticas. A mesma iniciativa está sendo desenvolvida na Índia e no Paquistão, outros grandes fornecedores de tecidos da fabricante de roupas.

 

Mudar as práticas do fornecedor é uma das estratégias mais avançadas usadas hoje pelas empresas para estimular o desenvolvimento sustentável. Essa nova abordagem é a evolução de um processo que vem ocorrendo há anos no Brasil e no mundo. O caminho natural das empresas é começar com iniciativas isoladas de responsabilidade socioambiental, depois estruturar um programa mais coeso e incorporar essa questão ao plano de negócios. Mais recentemente, a tendência é que as empresas comecem a disseminar a preocupação social e ambiental em toda a cadeia de produção. "Uma empresa realmente comprometida com a sustentabilidade não pode olhar só para o próprio umbigo", diz Flávia Moraes, sócia da consultoria de sustentabilidade Gestão Origami. "A companhia precisa ter uma visão ampla, que envolva fornecedores, clientes, acionistas, terceiro setor e até o governo. A sociedade exige isso." Nesse sentido, calcular o gasto de água durante o ciclo do produto para reduzir o consumo, como fez a Levi's, é um bom começo. A Pepsico tem uma iniciativa semelhante com a redução do consumo de água no cultivo de arroz na Índia, equivalente a todo o consumo de suas três fábricas de salgadinho no país. Outra medida é incluir no contrato com os fornecedores regras rígidas de conduta em relação aos trabalhadores e ao meio ambiente, monitorando tudo de perto. É o que fazem, por exemplo, as empresas Vale, Tetra Pak e Bunge. "As empresas precisam assumir sua liderança, já que têm os recursos financeiros, tecnológicos e humanos para gerar uma mudança concreta. Elas têm o poder de agir como impulsionadoras desse processo", afirma Flávia.

 

Em casos extremos, essa postura mais atenta em relação aos fornecedores pode criar situações que beiram o conflito. Foi o caso do recente boicote promovido pelas três maiores redes de supermercados do país -- Carrefour, Walmart e Pão de Açúcar -- aos produtores de carne do Pará, denunciados pelo Ministério Público Federal por desmatar a floresta Amazônica para a criação de gado, e aos frigoríficos que negociam com esses pecuaristas. A medida, chancelada pela Associação Brasileira dos Supermercados em junho, é considerada um marco para o setor. Foi a primeira vez que os três concorrentes se uniram em torno de uma causa em comum. "Já vínhamos conversando com os fornecedores para alinhar o discurso e as práticas sustentáveis. O boicote mostrou que estávamos falando sério", afirma Marcelo Penna, vice-presidente comercial do Walmart no Brasil. Se alguma das três redes furasse o bloqueio, ela certamente conseguiria obter a carne a preços bem inferiores aos das demais concorrentes -- e o boicote se tornaria inviável. "O melhor de tudo foi ver que a sociedade nos apoiou, mesmo sabendo que talvez a carne ficasse um pouco mais cara", diz Paulo Pompilio, diretor de responsabilidade socioambiental do grupo Pão de Açúcar.

 

Como resultado do boicote, os 11 frigoríficos notificados pelo MPF se comprometeram a não mais comprar carne proveniente de áreas desmatadas. Além disso, a ação das redes varejistas inspirou outras empresas. A fabricante de material esportivo Nike, seguindo uma orientação da organização ambientalista Greenpeace, decidiu suspender as compras de couro dos fornecedores paraenses denunciados pelo MPF. "Estamos no meio de um processo de reestruturação de nossa política de sustentabilidade, mas essa era uma questão que não podíamos deixar para depois", afirma Claudio Kehrwald, gerente de sustentabilidade da operação brasileira da Nike. A empresa exige que até o final de 2009 todos os seus fornecedores de couro se associem ao Leather Working Group, grupo internacional de empresas e pesquisadores voltados para a criação de um protocolo para o manejo sustentável da produção de couro. Além disso, a Nike fez uma ameaça: se um sistema de rastreamento da origem do gado não for implantado até julho de 2010, a companhia vai estender a restrição à compra de couro para toda a Amazônia Legal, que engloba nove estados brasileiros.

 

Antes de adotar soluções radicais como a das varejistas e a da Nike, a maioria das empresas prefere usar o convencimento para fazer com que seus fornecedores adotem práticas sustentáveis. O Bradesco, por exemplo, organiza, a cada seis meses, um evento para fornecedores com palestras de especialistas em sustentabilidade. Muitas vezes, os próprios fornecedores assumem o papel de palestrantes, compartilhando suas experiências. No último encontro, por exemplo, a fabricante de produtos de impressão Lexmark mostrou como conseguiu diminuir o consumo de tinta, papel e energia, além de gastos com manutenção, com a substituição, em seus escritórios, de 21 600 máquinas de fotocópia, scanners e impressoras por 10 000 equipamentos multifuncionais. Desde 2006, quando o Bradesco criou seu programa de palestras, cerca de 600 companhias já participaram do evento. Até o final de 2010, o banco pretende atrair para o encontro todos os seus 1 800 fornecedores.

 

Para verificar se seus fornecedores adotam práticas socioambientais compatíveis, as empresas podem utilizar diversas formas de monitoramento. A fabricante de embalagens longa vida Tetra Pak, por exemplo, segue diferentes métodos, dependendo da importância da empresa na cadeia de produção das embalagens. No caso dos parceiros com os quais tem contratos de menor valor (cerca de 600 empresas, que fornecem desde material de almoxarifado até uniformes dos funcionários), basta um simples relatório -- o custo de um acompanhamento mais criterioso seria muito elevado em relação ao baixo impacto ambiental. Com os maiores fornecedores, basicamente os de papel, alumínio e polietileno, a empresa é bem mais rigorosa: exige certificados como o ISO 14001 (gestão ambiental) e o FSC (manejo florestal), que pressupõem auditorias independentes periódicas. Nos fornecedores considerados médios, a Tetra Pak realiza inspeções periódicas. Um time de 15 funcionários dos departamentos de suprimento, qualidade, segurança e saúde e meio ambiente se incumbe de fazer as visitas, de acordo com a necessidade. "Embora não cause o mesmo impacto dos nossos maiores fornecedores de matéria-prima, setores como os de tinta e de transportes têm um enorme potencial de estrago no meio ambiente. Por isso, acompanhamos muito de perto essas empresas", afirma Paulo Nigro, presidente da Tetra Pak.

 


Veículo: Revista Exame


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